Um aumento de 1% no custo de captação, por exemplo, levaria o Brasil a desembolsar adicionalmente US$ 5 bilhões por ano no pagamento de serviços da dívida externa. As exportações brasileiras também podem ser afetadas por barreiras regulatórias, bem como o investimento direto estrangeiro no País, com impacto no balanço de pagamentos
Por Viviane H. Torinelli* e Antônio Francisco de A. da Silva Jr**
[Foto: Roberto Parizotti. Manifestação na Av. Paulista, em São Paulo, associa a pecuária ao desmatamento na Amazônia]
O ano de 2019 foi marcado pelo debate mundial em torno das queimadas na Amazônia brasileira. A comunidade internacional reagiu com foco na crise climática. Alguns setores nacionais foram afetados e possíveis impactos ainda poderão ser sentidos, inclusive no custo da dívida brasileira.
As queimadas na Amazônia brasileira se intensificaram em agosto de 2019. Pesquisa recentemente publicada associa esse fato à expansão da pecuária bovina brasileira. Dados do Ministério da Economia indicam que as exportações brasileiras de carne bovina acumularam US$ 5,7 bilhões de janeiro a novembro de 2019, representando 3% das exportações nacionais, o que demonstra a relativa expressividade desse setor para a economia do País. E as queimadas em questão afetaram também demais áreas do agronegócio brasileiro, setor responsável por cerca de 40% da pauta exportadora nacional.
Em reação às queimadas na Amazônia, 246 investidores com US$17,5 trilhões de ativos sob gestão assinaram uma declaração global que chama as empresas investidas a eliminarem o desmatamento de suas cadeias de suprimentos. Adicionalmente, multinacionais como VF Corp (Timberland/North Face) e H&M anunciaram o bloqueio nas compras de couro do Brasil. No mesmo sentido, o maior fundo de pensão norueguês (KLP) indicou a possibilidade de desinvestir das empresas de commodities que contribuam para o desmatamento no Brasil. Já o Nordea Asset Management (gestor de EUR 229 bi) colocou a compra de títulos do tesouro brasileiro em quarentena.
É crescente o reconhecimento pelo mercado financeiro de que os riscos climáticos representam uma ameaça econômica, seja pelos impactos físicos, seja pelos impactos decorrentes da transição mundial para uma economia de baixo carbono. Essa transição engloba as políticas públicas, as novas tecnologias e as expectativas dos investidores em torno desses riscos e dessa mudança econômica.
Em janeiro de 2020, Larry Fink, CEO do BlackRock, o maior gestor de investimentos do mundo, associou o aumento do custo de capital dos países à sua capacidade de gestão dos riscos climáticos. Em carta aberta aos CEOs das empresas investidas, Fink destacou que países que não respondam às partes interessadas (stakeholders) e não lidem com riscos de sustentabilidade encontrarão um crescente ceticismo dos mercados e, por sua vez, um custo de capital mais alto. Para ele, empresas e países que defendam a transparência e demonstrem sua capacidade de resposta às partes interessadas, por outro lado, atrairão investimentos de maneira mais eficaz, incluindo capital de maior qualidade e mais estável.
Pesquisas de diversas organizações estão aprofundando a compreensão dos investidores de como o risco climático afetará tanto o mundo físico quanto o sistema de financiamento global do crescimento econômico. Nesse sentido, pesquisa sobre riscos climáticos físicos, publicada em janeiro de 2020 pela McKinsey, prevê impactos socioeconômicos globais substanciais, especialmente para os países com menor PIB per capita. Para o Brasil, é projetada uma área de risco de seca para praticamente todo país em 2050. Entre as recomendações para os tomadores de decisão, o relatório da consultoria mundial de gestão sugere que as instituições financeiras considerem o risco climático em suas carteiras de investimento.
As agências de risco como S&P, Moody’s e Fitch estão trabalhando, há no mínimo cinco anos, para relacionar os riscos climáticos, agravados pelo desmatamento, com a avaliação do risco de crédito dos países. Em 2014 a S&P já sinalizou que os países mais pobres e com piores avaliações de crédito seriam os mais afetados pelo fator climático, agravando suas classificações de crédito soberano, o que encareceria e dificultaria nossas captações de recursos externos.
Apenas para reflexão, um aumento de 1% no custo de captação levaria o Brasil a desembolsar adicionalmente US$ 5 bilhões por ano no pagamento de serviços da dívida externa. A dívida externa brasileira acumulava valor de US$ 521 bilhões em junho de 2019. Uma questão que aflige diversos pesquisadores é a qualidade da governança ambiental dos países e a investigação quantitativa de como o desmatamento poderia afetar o risco de crédito de um país ao longo da próxima década.
Dependendo das respostas que o País sinalize à comunidade internacional no que diz respeito à Amazônia, os investidores podem alterar sua alocação de ativos. No futuro, as exportações brasileiras também podem ser afetadas por barreiras regulatórias, bem como o investimento direto estrangeiro no país, com impacto direto no balanço de pagamentos. Logo, não é apenas de forma direta que o custo de captação nacional que pode ser afetado pelo desmatamento. Nossa corrente de comércio também pode ser afetada de maneira expressiva.
Talvez o caminho para investidores sinalizarem suas intenções a emissores como o Brasil seria a disposição para investirem em títulos soberanos dedicados à regeneração do capital natural do país, por meio de instrumentos financeiros como os títulos verdes soberanos. Já no Brasil, iniciativas como a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que mobilizou o setor privado contra o desmatamento, representam sinalizações positivas quanto à governança local.
Enfim, a conservação da Amazônia é um tema complexo que está associado à nossa saúde econômico-financeira por mais caminhos do que pode aparentar. E a chave do sucesso pode estar em nossa capacidade de recepcionar e responder adequadamente às diversas questões que envolvem a utilização sustentável dos recursos disponíveis.
[Observação: este artigo reflete entendimento pessoal dos autores e não representa visão institucional.]
*Doutoranda em finanças sustentáveis e profissional de finanças com experiência em gestão de riscos, processos e controles, assessoria em transações societárias (M&A e due diligences), controladoria, auditoria e consultoria contábil-financeira. Tese de doutorado com foco em finanças verdes aplicadas a gestão de reservas internacionais por bancos centrais.
**Professor de Finanças e de Estratégica Econômica das Empresas da Universidade Federal da Bahia, com pesquisas nas áreas de finanças verdes, gestão de riscos e governança corporativa.