As árvores são seres sociais que chegam a compartilhar nutrientes, ainda que isso possa ajudar suas concorrentes. E sabem por quê? Porque juntas em uma floresta, elas são mais fortes. Muitos de nós também sabemos disso, e é por esse motivo que movimentos de solidariedade ganharam tanto destaque
Foi justamente quando nos vimos isolados que nos demos conta do quanto somos apenas parte de uma complexa engrenagem. Profissões até então pouco valorizadas, quase invisíveis, como catadores, entregadores e todo o pessoal da limpeza, estão sendo percebidas e enaltecidas. Aqui no Brasil, onde a cultura de doação ainda é frágil, em apenas dez dias de quarentena, foram doados mais de R$ 500 milhões para minimizar os impactos do novo coronavírus, segundo a Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR). E, enquanto isso, ONGs e fundações, que já foram bastante atacadas pelo atual governo, desempenham um papel importantíssimo nas favelas e outros territórios com muitas carências e pouca presença do Estado, mostrando a importância da sociedade civil na grande rede de atores que trabalham nesta ou em qualquer crise.
Quando o mundo ficou pequeno, individualmente, ele escancarou sua imensidão. Assim como nas florestas tropicais, apesar do maior espaço ocupado pelas árvores, normalmente não são elas que compõem a maioria da espécies, e sim as outras formas de vida. E todas elas mantêm uma relação vital entre si. Em uma unidade ecológica (e a selva de pedra não tem esse apelido à toa), os seres vivos se relacionam mutuamente e com outros fatores, como clima, solo e altitude.
Num galho caído no chão, por exemplo, vivem e dependem dele fungos que decompõem a matéria orgânica e liberam nutrientes que servem de alimento para as plantas. O açaizeiro, palmeira típica da região Amazônica, precisa da companhia de outras espécies para sobreviver e se desenvolver. Nos darmos conta dessa dinâmica solidária e colaborativa é fundamental para combatermos o Covid-19 e, muito além dele, outros problemas que enfrentamos: da desigualdade ao aquecimento global, estamos todos juntos nessa mesma floresta.
As árvores são seres sociais que chegam a compartilhar nutrientes, ainda que isso possa ajudar suas concorrentes. E sabem por quê? Porque juntas são mais fortes. Muitos de nós também sabemos disso, e é por esse motivo que a #juntossomosmaisfortes ganhou tanto destaque nas mídias sociais. Um árvore sozinha fica exposta, desprotegida. Muitas delas equilibram o clima, armazenam água e aumentam a umidade. Diante da recomendação de isolamento e, principalmente, da responsabilidade de cuidarmos um dos outros, percebemos que sozinhos somos frágeis.
No livro A vida secreta das árvores, o engenheiro florestal alemão Peter Wohlleben diz que se todas os espécimes só cuidassem de si, grande parte morreria cedo demais. “As mortes constantes criariam lacunas no dossel verde. Com isso, as tempestades penetrariam a floresta com mais facilidade e poderiam derrubar outras árvores. O calor do verão ressecaria o solo. Todos sofreriam”, escreve.
Foi necessário, então, que aparecesse um vírus – que nem é considerado um ser vivo, já que fora das células de seus hospedeiros, são inertes – aparecesse num ponto do mundo e se espalhasse por essa nossa teia social numa velocidade assombrosa para que parássemos. E pensássemos.
Já são e serão muitas as mortes causadas pelo Covid-19. São muitas as mortes em decorrência de atividades ilegais nas florestas, como desmatamento, invasões de terras indígenas e mineração clandestina. São muitas as mortes – e as migrações – provocadas pela mudança climática e pela desigualdade econômica. Passamos da hora, e talvez por isso estejamos hoje isolados, de gerir nossas florestas, nossas vidas e nosso planeta de outra forma: mais sustentável, mais responsável, mais consciente.
*Aline Tristão Bernardes é diretora executiva do FSC Brasil. Bióloga, mestre em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre, atua há 30 anos como gestora de projetos relacionados a gestão territorial e conservação ambiental.
[Foto: Artem Beliaikin/ Unsplash]