A Climate Ventures, em parceria de conteúdo com a Página22, mensalmente conta ao leitor histórias sobre negócios inovadores relacionados ao desafio climático. A Climate Ventures é uma plataforma de Bons Negócios Pelo Clima que existe para acelerar a economia regenerativa e de baixo carbono e reverter a mudança climática, desenvolvendo startups e conectando-as ao mercado e investidores. A seguir, a história da Inocas, que atua em Regeneração:
O óleo de palma representa o maior mercado de óleos vegetais no mundo, fornecendo insumos para os segmentos de alimentícios, químicos, cosméticos, lubrificantes, combustíveis e muitos outros. Por consumir muita água, os plantios de palma estão concentrados nas regiões de florestas tropicais ao redor do globo, provocando desmatamentos com alta emissão carbono, redução dramática da biodiversidade. Além disso, o plantio é feito monocultura e há exploração de mão de obra barata.
Entretanto, há uma alternativa para a palma e ela se encontra no Brasil, especificamente no Cerrado: a macaúba. Assim como a palma africana, é uma palmácea oleaginosa bastante produtiva, mas que depende de uma quantidade bem menor de água do que a palma para se desenvolver. A Inocas percebeu esse potencial e desenvolveu um modelo de negócios pelo qual o plantio de macaúba é feito em pastagens em parceria com produtores rurais. No Cerrado, existem 50 milhões de pastagens, sendo 23 milhões de pastagens degradadas.
“Esse modelo de negócio é altamente replicável, escalável e lucrativo, capaz de incentivar a imitação do conceito por outros agricultores e pecuaristas”, afirma o diretor executivo Johannes Zimpel. Segundo ele, as pastagens do bioma consorciadas com palmeiras de macaúba poderiam produzir o dobro da produção global de óleo de palma sem a necessidade de desmatamento, recuperando as pastagens e a fertilidade do solo, facilitando a introdução de sistemas de rotação de pastagens e gerando hábitat e alimentos para as espécies nativas do Cerrado. O plantio de macaúba em 3,2 milhões de hectares seria suficiente para cumprir as metas do Brasil no Acordo de Paris. Leia mais na entrevista a seguir:
Johannes Zimpel, diretor executivo da Inocas, é formado em Economia e Administração pela Universidade de Witten/Herdecke na Alemanha. Trabalha na área de desenvolvimento sustentável e cooperação internacional há mais de dez anos e atualmente coordena o Projeto Macaúba.
Como surgiu o projeto?
O Projeto Macaúba foi possível devido a um projeto de pesquisa de larga escala promovido pela Incubadora de Inovações da Universidade Leuphana, na Alemanha, e pela Plataforma de Combustíveis Sustentáveis para a Aviação, que visou o desenvolvimento de conceitos para a produção sustentável de óleos vegetais, com foco em sua aplicação comercial. Entre 2011 e 2014, o projeto foi financiado pela União Europeia e pelo estado da Baixa Saxônia, na Alemanha, com um orçamento total de 2,7 milhões de euros e uma equipe de 16 pesquisadores.
A pesquisa explorou diversas culturas oleaginosas em vários continentes e chegou à conclusão que a macaúba, de forma mais adensada e em consórcio com pastagens do Cerrado – onde já ocorre naturalmente –, teria o potencial para produzir óleos vegetais de forma sustentável e em larga escala. No contexto da pesquisa sobre a macaúba, a equipe do projeto realizou um profundo estudo de viabilidade para analisar a sustentabilidade econômica e social da produção de óleo de macaúba com foco geográfico em Minas Gerais.
Por que é importante ter uma alternativa ao óleo de palma? Qual o motivo para a escolha do óleo de macaúba para esse papel?
O óleo de palma representa o maior mercado de óleos vegetais a nível global, fornecendo insumos para os segmentos de alimentícios, químicos, cosméticos, lubrificantes, combustíveis e muitos outros. No entanto, devido a sua alta demanda por água, os plantios de palma estão concentrados nas regiões de florestas tropicais ao redor do globo provocando desmatamentos em áreas gigantescas com a emissão de quantidades enormes de gases de efeito estufa e com a redução dramática da biodiversidade global.
A macaúba, assim como a palma africana, é uma palmácea oleaginosa altamente produtiva, mas diferente em relação a aspectos de cultivo e produção. É a palmeira de maior dispersão geográfica do Brasil e vastamente encontrada no Cerrado, ou seja, depende de uma quantidade bem menor de água do que a palma para se desenvolver. Os óleos da macaúba possuem muita similaridade com os óleos da palma em termos de propriedades e aplicações.
O mercado está preparado para fazer a substituição da palma pela macaúba?
Apesar de ser um grande exportador de commodities, como a soja, o Brasil importou 192 mil toneladas de óleo de palma em 2016, o que correspondeu a 35% da demanda nacional por este produto. O plantio em monocultura que destrói florestas tropicais e explora mão de obra barata abre brecha para novos modelos de negócios. A macaúba e seus subprodutos têm um enorme potencial para absorção dessa demanda, seja pelo diferencial de sustentabilidade, seja pela valorização de capital natural nacional. Os óleos e as tortas da macaúba já são produzidos em pequena escala no Brasil por algumas cooperativas e, de forma artesanal, por extrativistas em comunidades tradicionais. Há vasta pesquisa científica sobre a macaúba, seus subprodutos e aplicações, que aponta para um enorme potencial de consumo.
Quais são os ganhos do desenvolvimento da cadeia produtiva da macaúba?
O modelo de negócio da Inocas é o plantio de macaúba em pastagens em parceria com produtores rurais. No Cerrado, existem 50 milhões de pastagens, sendo 23 milhões de pastagens degradadas. Esse modelo de negócio é altamente replicável, escalável e lucrativo, capaz de incentivar a imitação do conceito por outros agricultores e pecuaristas, sendo que as pastagens do bioma consorciadas com palmeiras de macaúba poderiam produzir o dobro da produção global de óleo de palma sem a necessidade de desmatamento, recuperando as pastagens e a fertilidade do solo, facilitando a introdução de sistemas de rotação de pastagens e gerando hábitat e alimentos para as espécies nativas do Cerrado.
O plantio em 3,2 milhões de hectares seria suficiente para cumprir as metas do Brasil no Acordo de Paris. Sob a própria gestão, a Inocas almeja expandir este conceito para 30 mil hectares nos próximos 10 anos e apoiar outros atores na replicação deste modelo para fazer da macaúba o óleo sustentável mais comercializado do mundo.
Quantos hectares de macaúba já foram plantados desde o início do projeto?
Nos dois primeiros anos, já foram plantados 502 hectares. A meta do Projeto Macaúba é o plantio de 2 mil hectares em sistema agrossilvipastoril até 2022.
Em relação ao impacto ambiental, poderia citar em números os benefícios que o projeto agrega ao meio ambiente?
Com a meta de plantio da macaúba em 2 mil hectares de pastagens degradadas do Cerrado, a Inocas estará repondo uma cultura florestal nativa e contribuindo com o reflorestamento destas áreas. De forma indireta, o plantio da macaúba pode reduzir as pressões pelo desmatamento de áreas de Cerrado e florestas tropicais para a expansão da monocultura da soja e da palma africana.
Além da instalação deste sistema de manejo sustentável por meio da introdução de um segundo andar produtivo nas pastagens e lavouras, o plantio de macaúba tem criado corredores ecológicos ao conectar áreas de reserva das fazendas, e contribuído com a preservação das áreas de Reserva Legal e APP ao exigir a regularização do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para efetivação da parceria com os agricultores.
Os 502 hectares de macaúba já plantados estão sequestrando cerca de 134 mil toneladas de carbono e formando 42 corredores ecológicos que permitem a circulação de animais e o fornecimento de alimentos para a fauna nativa.
Por que a colheita do fruto da macaúba é atrativa ao pequeno produtor e agricultor familiar? Quais as vantagens da macaúba?
No âmbito do plantio da macaúba, 26 agricultores e suas famílias já recebem um pacote de benefícios socioeconômicos e ecossistêmicos, como incremento de renda (venda garantida dos resultados da colheita e acesso a uma taxa de incentivo anual), diversificação da produção, melhora do microclima da pastagem e lavoura, prevenção de erosão, melhora da fertilidade do solo e participação na comercialização dos créditos de carbono.
No âmbito do extrativismo da macaúba, a Inocas garante a compra dos frutos da safra, realiza oficinas de capacitação e boas práticas de colheita e oferece apoio aos agricultores familiares no acesso à Política do Preço Mínimo (PGPM-Bio). A Inocas já possui 20 extrativistas cadastrados para a coleta da macaúba nativa e a meta é chegar a 300 extrativistas todos os anos.
Qual o diferencial no sistema de plantio promovido pelo projeto?
O plantio da macaúba em áreas de pastagens degradadas é realizado em sistemas de consórcio, permitindo atividades simultâneas, como a pecuária e floresta (introdução de rotação de pastagens) e a agrofloresta (diversificação e produção agrícola durante o ano todo).
Quais as técnicas de cultivo? E que outras culturas podem se associar ao plantio da macaúba?
A equipe agronômica da Inocas é responsável por todas as etapas de preparo de solo e plantio, que envolvem sequencialmente: análise de solo, correção de solo, gradagem, subsolagem, sulcamento, adubação e plantio das mudas. Ao término do plantio, os cuidados com as plantas ficam a cargo do produtor, mas sempre sob a assistência técnica da Inocas. O plantio é realizado em sistema de curvas de nível, o que contribui para a prevenção da erosão do solo e, que aliado ao microclima gerado pelas palmeiras e suas estruturas radiculares, contribui com a melhora no reabastecimento dos mananciais hídricos das áreas de plantio e entorno.
O agricultor parceiro do empreendimento pode explorar agronomicamente as entrelinhas da macaúba para o plantio de culturas de lavoura temporária. Há uma infinidade de espécies passíveis de cultivo, conforme a região do plantio e a época do ano. Até o momento, as principais culturas consorciadas com a macaúba foram a mandioca, o abacaxi e o feijão.
Vocês estão trabalhando em parceria com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) em uma publicação sobre o potencial de sequestro de carbono do projeto. Como surgiu a ideia para realizar esse trabalho? Qual é a metodologia? Vocês já têm dados preliminares?
Como primeira etapa para a geração de créditos de carbono é necessário quantificar o potencial de sequestro de gases de efeito estufa (GEE) provenientes do plantio da macaúba. Apesar da existência de estudos importantes sobre a macaúba e o sequestro de GEE, a Inocas decidiu, em parceria com o Imaflora, quantificar o potencial de sequestro do projeto.
A estrutura analítica para avaliar as emissões de GEE do Projeto Macaúba realizada pelo estudo do Imaflora baseia-se na metodologia aprovada do Verified Carbon Standard (VCS), “Sustainable Grasslands Management” – VCS-0026 (VCS, 2014). O VCS-0026 foi selecionado devido à sua capacidade de avaliar a adicionalidade para redução das emissões de GEE do escopo do projeto da Inocas, considerando as principais fontes de GEE (emissões) e sumidouros (remoções) do projeto.
De acordo com dados preliminares do estudo, cada palmeira macaúba sequestra cerca de 1,28 tonelada de CO2e (dióxido de carbono equivalente) em 20 anos, através do sequestro nas partes aérea e radicular e por meio da melhoria da pastagem.
Além do grande impacto que o projeto pode gerar no meio ambiente, ele também desenvolve um papel socioeconômico com os agricultores envolvidos e a mão de obra para o laboratório de germinação de sementes. Foram ideias que nasceram com o projeto ou oportunidades observadas durante seu desenvolvimento?
Como a estrutura de negócio da Inocas não prevê a aquisição de terras, mas sim a realização de parcerias agrícolas, modelo em que o agricultor cede a terra e a Inocas os investimentos para o plantio da macaúba, desde o início, este ator esteve no foco de desenvolvimento do Projeto Macaúba. No que diz respeito ao laboratório de germinação de sementes de macaúba, esta foi uma oportunidade que surgiu no decorrer do projeto, através da necessidade da criação de medidas de contingência para a produção de mudas, que se encontrava centralizada em um único empreendimento.
Seu formato de operação, a partir da contratação da mão de obra de recuperandos da Apac, instituição que promove o cumprimento de pena de condenados do sistema de Justiça de forma digna e reintegradora, surgiu por meio de um convite a alguns integrantes da equipe da Inocas para conhecer as instalações do presídio, o que acabou gerando uma oportunidade para a parceria, como forma de fortalecer a responsabilidade social da empresa e de promover oportunidade de capacitação profissional e trabalho aos recuperandos.
Como a atual pandemia tem afetado a Inocas e quais as medidas tomadas para enfrentar esse momento?
Apesar da gravidade da pandemia de Covid-19 e das restrições impostas pelas prefeituras dos municípios de abrangência do projeto, a empresa tem conseguido manter as suas atividades, seguindo uma série de medidas cautelares para reduzir a possibilidade de contaminação da equipe e de seus parceiros, Os colaboradores passaram a trabalhar em home office sempre que possível, reduzindo as possibilidades de contágio; as reuniões para articulação de novas fazendas em associações comunitárias foram suspensas. Além disso, articulação de novas áreas passou a ser feita por telefone, com poucas visitas nas fazendas e foi definida a obrigatoriedade de uso de máscaras em trabalhos no escritório, na usina e laboratório, no comércio e durante visitas às fazendas.
Grandes líderes mundiais e fundos de investimento já sinalizaram a importância de investir e incentivar uma economia com foco na preservação/regeneração do meio ambiente. Como você vê o futuro da economia de baixo carbono no Brasil?
O atual estilo de desenvolvimento da indústria de óleos vegetais, com destaque para a palma, se demonstra insustentável, principalmente sob a ótica social e ambiental. Diante da manifestação da comunidade internacional por modelos de negócios geradores de desenvolvimento mantenedores de uma base de capital natural, a estruturação da cadeia produtiva da macaúba se apresenta como solução alternativa sustentável e escalável por meio do plantio em sistema silvipastoril nas pastagens degradadas do Cerrado, capaz de gerar renda para os agricultores familiares, interromper o êxodo rural e mitigar os efeitos negativos da mudança climática e seus impactos.
Diante de um cenário de demanda crescente por commodities agrícolas, para alcançar as metas do Acordo de Paris de redução de emissões de gases de efeito estufa, o setor agropecuário brasileiro precisaria voltar ao nível de emissões da década de 1970, caso não torne suas práticas mais eficientes e sustentáveis. O Projeto Macaúba surge como uma solução de baixo carbono, replicável e escalável para a pecuária através da introdução de segundo andar produtivo nas pastagens com alta capacidade de sequestro de carbono, capaz de integrar esforços para o alcance dos objetivos da Agenda 2030.
No ano passado, vocês foram um dos ganhadores da Chamada de Bons Negócios pelo Clima da Climate Ventures. Por que participar de uma competição como esta?
A Climate Ventures é uma instituição bastante conhecida por apoiar negócios de impacto mitigadores dos efeitos das mudanças climáticas e ao nos inscrevermos para a Chamada de Bons Negócios pelo Clima, tivemos a oportunidade de validar o potencial do nosso projeto nesse quesito. Além disso, como resultado da premiação, estamos participando de uma aceleração de nosso negócio pela Climate Ventures, o que tem sido muito útil para superar alguns dos desafios do Projeto Macaúba, como a abordagem com nosso público alvo e oportunidades de investimentos.
Ao participarmos da Chamada e sermos reconhecido pela capacidade de regeneração do Projeto Macaúba, nós nos situamos entre as empresas que fortalecem a economia de baixo carbono e regenerativa no Brasil e no mundo, contribuindo com a reversão da tendência de aquecimento global.
Saiba mais sobre a Inocas nesta reportagem de P22ON.