Aprender com exemplos que deram certo no nível municipal e entender o papel da Defesa são os temas do quarto encontro da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia. O exemplo de Paragominas mostra como a ação protagonista de diversos atores que pensam diferente é capaz de encontrar saídas
O reconhecimento de modelos municipais bem-sucedidos, com a troca de informação e a adaptação de experiências às diferentes realidades locais, é elemento fundamental no desafio do conhecimento em torno da Amazônia. A emblemática trajetória de Paragominas (PA) – destaque na quarta plenária de Uma Concertação pela Amazônia – demonstra como uma estratégia contra o desmatamento pode sair do limbo teórico e chegar ao chão, conciliando a produção e o desenvolvimento com a conservação da floresta.
“O nosso maior acerto foi transformar todos os atores em protagonistas da história”, afirmou o ex-prefeito Adnan Demachki, em que iniciou a sua apresentação no evento com a exibição de uma antiga foto do ex-presidente Juscelino Kubitschek em cima de um trator que derrubava as últimas árvores para abertura da rodovia Belém-Brasília, no início da década de 1960.
À frente da gestão municipal em dois mandatos (2005-2008 e 2009-2012), Demachki representa a terceira geração de lideranças, desde a estratégia do governo federal de colonizar a Amazônia na pata do boi. Paragominas, cortada pela rodovia, viveu em 50 anos dois ciclos econômicos: o da pecuária, com políticas e até anúncios em jornais para atrair produtores sulistas ao Pará, derrubando tudo para plantar capim; e depois o ciclo da madeira, sem nenhuma preocupação ambiental.
“A ex-ministra [do Meio Ambiente] Marina Silva permitiu que mudássemos a nossa história e conseguíssemos um novo paradigma, ao publicar um simples ato: uma portaria criando uma lista dos 36 municípios que mais desmatavam a Amazônia. Éramos da segunda geração e não podíamos deixar esse legado para nossos filhos”, contou Demachki.
Houve um diálogo com a sociedade civil organizada, com o setor produtivo, com vereadores e governos, no total de 51 entidades – até que, em fevereiro de 2008, 40 dias após a divulgação da lista de municípios com as maiores áreas desmatadas, Paragominas subscreveu o Pacto pelo Desmatamento Zero. “Devido à minha formação como advogado, sabia que estar nesta lista representava para o município o mesmo que um cidadão inserido no Sistema de Proteção ao Crédito (SPC)”.
Com a adoção de normas de conduta no Pacto, logo surgiu um desafio: “Como fiscalizar um município do tamanho do Estado de Sergipe e três vezes maior que o Líbano, em uma época que não havia referências de protagonismo municipal, nem orçamento na área ambiental?”, destacou Demachki, ao lembrar que possuía apenas um pequeno Fiat para fiscalização até obter apoio do sistema de monitoramento por satélite do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), e assim receber dados mensais com coordenadas geográficas sobre as áreas desmatadas.
“Tínhamos de fazer alguma coisa e a primeira providência foi expor publicamente o proprietário que estava desmatando, até o município ter autonomia para autuar e embargar, sem depender do Estado ou União”, explica o ex-prefeito. Como resultado, o desmatamento anual caiu de 330 para 20 quilômetros quadrados e, com o êxito inicial, veio uma série de conquistas. “Fomos o primeiro município da Amazônia a ter o Cadastro Ambiental Rural (CAR), com dados de 98% de todas as propriedades e seus passivos, faltando apenas os assentamentos federais.”
O município tinha cerca de 50% da área já desmatada, mantendo cerca de 724 mil hectares de floresta com manejo. Foi realizado o ordenamento territorial, catalogando, por exemplo, estradas e 15,8 mil nascentes. Em seguida, avançou-se para o Pacto pelo Produto Legal e Sustentável, com o engajamento dos vários interesses – iniciativa depois nomeada Pacto pelo Desmatamento Zero e, posteriormente, Projeto Município Verde, com uma abordagem mais positiva. “Só podemos avançar na Amazônia quando juntamos todos na mesma mesa em torno de um ideal, tendo o tripé da sustentabilidade como referência”, advertiu o ex-prefeito.
Não foi um trabalho fácil. Quando o projeto ganhava corpo, houve uma denúncia de desmatamento para extração ilegal de madeira em Terra Indígena e o governo federal demorou um ano para atender ao chamado. “Chegaram já apreendendo 20 caminhões de madeireiros e, com isso, no dia seguinte as pessoas colocaram fogo no prédio do Ibama e no nosso velho carrinho Fiat, o único da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, e seguiram para incendiar também o hotel onde estavam os fiscais”, contou.
Ele explicou que o episódio fez surgir “uma encruzilhada no projeto, pois alguns diziam que estava levando o município à decadência econômica. Tivemos de reafirmar nossos objetivos e reconquistar a sociedade, como um casamento em crise que precisava ser reatado”.
Foi quando surgiu o programa Pecuária Verde. “Tínhamos 720 mil hectares abertos na floresta por pastagem para criação extensiva de gado, com apenas meia cabeça por hectare. Passamos a buscar aumento para quatro cabeças por hectare, inserindo inovação, ciência e tecnologia, em parceria com o Sindicato Rural e universidades”, explicou Demachki.
No trabalho para o alcance de melhores indicadores econômicos, o município iniciou também um polo agrícola, voltado ao cultivo de grãos, que gera 10 vezes mais receita do que o gado – iniciativa que atraiu agricultores do Paraná. Com isso, o município é hoje o maior produtor de grãos do Pará e o terceiro em reflorestamento de espécies nativas e exóticas, como o eucalipto.
Além do investimento na agricultura familiar, com pequenos produtores que antes desmatavam para produzir carvão e passaram a fornecer alimento à merenda escolar, o município priorizou um processo de verticalização da economia. “Não havia mais como crescer horizontalmente derrubando mata e fazendo pasto e agricultura”, revelou. “Não acredito no sucesso de atividades econômicas na região sem o desenvolvimento de suas cadeias produtivas. Não faz sentido vivermos no século da ciência e da inovação e a Amazônia ainda exportar extrativismo”.
Dessa forma, houve investimentos por parte da prefeitura e da iniciativa privada em frigorífico, fábrica de MDF e móveis, e outras atividades para verticalizar a economia como uma estratégia de combate ao desmatamento, além de políticas de educação ambiental nas escolas municipais. “Isso é fundamental para se colher resultados no médio e longo prazo, com uma construção feita por muitas mãos no município”, disse.
Parafraseando o escritor Fernando Pessoa, completou o ex-prefeito, “há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É um tempo de travessia e, se não ousarmos, teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos”.
Debate contribui na construção da agenda
A importância da criação de canais, arenas públicas, formas institucionais de diálogo e construção de confiança foi destacada por Raul Jungmann, ex-ministro da Defesa e ex-ministro extraordinário da Segurança Pública, no governo Michel Temer.
No debate sobre o papel da Defesa Nacional na agenda ambiental, Jungmann citou recente relatório da Força Aérea Americana com projeções sobre a moderna doutrina em torno das questões de meio ambiente, sobretudo as associadas à mudança climática – causa do aumento de desastres ambientais, conflitos e disputa por recursos naturais.
Presente ao encontro, a ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, concordou com a importância de espaços políticos de convergência: “A soberania é ameaçada pelo crime organizado, e não só pelas questões ambientais”. Segundo ela, as agendas de desenvolvimento e a necessidade de envolvimento na Amazônia são dois lados da moeda que dialogam com a política de Defesa e também com políticas ambientais. Para Teixeira, nada disso avança sem a valorização da democracia: “A soberania é algo que se exerce e não apenas se declara”.
A construção pragmática de espaços de diálogo deve buscar soluções de curto prazo, mas também assegurar à sociedade brasileira a capacidade de avançar após 2022, ano de eleições presidenciais que será marcado por diversos eventos, entre os quais os 200 anos da Independência do Brasil, o centenário da Semana de Arte Moderna, e os 50 anos da Conferência de Estocolmo sobre Desenvolvimento Sustentável, como observou a ex-ministra. A obra da modernista Tarsila do Amaral, revisitada pela artista Bruna Tonial, representa o quanto é preciso se adaptar às circunstâncias nos novos tempos.
Além disso, 2022 será marcado pelo novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima (IPCC), muito provavelmente com dados e alertas ainda mais graves e contundentes que o governo brasileiro insiste em negar.
Há necessidade de colocar em debate um projeto que seja atual, sustentável, moderno e incorpore tecnologia, inovação e educação. E o exemplo de Paragominas mostra como a ação protagonista de diversos atores que pensam diferente é capaz de encontrar saídas, conforme reconheceu Valmir Ortega, ex-secretário de Meio Ambiente do Pará e atual presidente do Conexsus.
Para Ortega, a grande lição de Paragominas é de que precisamos ainda de muito comando e controle na Amazônia, porque não tem como combater a ilegalidade e a criminalidade sem a presença do Estado e dos órgãos de controle, sendo urgente a questão da regularização territorial.
“Sem diálogo não tem jeito; temos de identificar as partes e os militares representam uma das mais importantes, e não podem ser desprezados”, apontou o empresário Guilherme Leal, fundador do Instituto Arapyaú. “O atual momento exige a defesa contra retrocessos em determinados temas e preparação para avançarmos na hora que for possível, com o debate de visões maduras e pés no chão, de forma a concretizar o sonho de uma outra realidade para a Amazônia”.
Temas prioritários
Uma enquete realizada durante a reunião, junto aos participantes, apontou temas prioritários para os debates: combate ao desmatamento ilegal, em primeiro lugar; ordenamento territorial e regularização fundiária, em segundo; e agenda da economia florestal e bioeconomia, em terceiro. São indicadores do caminho a ser trilhado ao longo do processo de convergências da Concertação, movimento que também abrange o debate sobre o papel das Forças Armadas nas questões socioambientais envolvendo a Amazônia, em especial no tema da mudança climática.
Para inspirar a reflexão: nesta obra abaixo, de mais de 60 anos, o futuro que foi imaginado lá atrás hoje é nosso passado. Quantas vezes o caminho de futuro já foi pensado, e aonde se quer chegar desta vez?