Este artigo analisa os principais impactos causados pelas políticas e ações ESG sobre o mercado financeiro e sobre a pauta das exportações. A devida condução dessa agenda no País será fundamental para a recuperação econômica brasileira
Um conceito que ganha cada vez mais evidência no mundo dos negócios e, em especial, no setor financeiro é a famosa sigla ESG (Environmental, Social and Governance), ou ASG (Ambiental, Social e Governança corporativa), em português. O tema virou parte relevante das grandes discussões do mercado financeiro global – e também nacional – nos últimos anos, e conta com um número cada vez maior de interessados e de gestoras ativas. Entretanto, na atual conjuntura econômica de crise (inter)nacional e da pandemia da Covid-19, diversas dúvidas emergem, principalmente sobre os efeitos do ESG no retorno e no risco dos diversos investimentos. Nesse sentido, este artigo busca analisar os principais impactos causados pelas políticas e ações ESG sobre o mercado financeiro brasileiro e sobre a pauta das exportações.
Em 2020, o Brasil assistiu a uma saída de investidores estrangeiros e domésticos de seu mercado de capitais. Nesse contexto, o real desvalorizou cerca de 30% em relação ao dólar, representando o pior desempenho entre as 30 moedas mais negociadas do mundo. A questão fiscal nacional, notoriamente agravada pelos efeitos da atual pandemia, é uma das causas mais evidentes para a fuga de recursos financeiros, porém também é preciso considerar o impacto dos fatores ESG nesta conjuntura. Como destacado por Larry Fink, CEO do BlackRock em sua carta de 2021 aos CEOs das empresas investidas, os riscos climáticos são riscos de investimento e a transição climática é uma oportunidade histórica de investimento.
Pode-se destacar que em junho de 2020 um grupo de 34 investidores internacionais, com um total de US$ 4,6 trilhões de ativos sob gestão, começaram a pressionar os representantes das embaixadas brasileiras em muitos países, o Congresso Nacional e outras lideranças locais exigindo ações para coibir o desmatamento na Amazônia (saiba mais aqui, aqui e aqui).
Entre os investidores desse movimento estava a Blue Bay, um dos principais investidores de títulos de renda fixa da Europa. Não coincidentemente, já havíamos sinalizado que políticas de conservação da Amazônia poderiam impactar o custo da dívida brasileira, em artigo publicado em janeiro de 2020 na Página22. Outros investidores estrangeiros, como a PineBridge (US$ 112 bilhões AUM) e a Mirae (US$ 162 bilhões AUM) também sinalizam claramente a importância dos fatores ESG para a tomada de decisão de investimento, especialmente em países emergentes como o Brasil.
Além da saída de capital do país em 2020, vimos também a queda nas exportações dos nossos produtos manufaturados (redução de 23,3% no período de janeiro a novembro em comparação com o mesmo período de 2019).
Não há dúvidas de que os impactos ESG no comércio internacional brasileiro são reais e severos.
Um recente exemplo foi a campanha da multinacional Tesco, realizada em agosto de 2020, informando que não compraria mais carne do Brasil, ligada ao desmatamento da Amazônia e do Cerrado. Em evento do Valor Econômico dia 29 de janeiro de 2021 sobre ESG e os impactos no comércio exterior, o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Marcello Brito, ressaltou a relevância da temática ESG de forma estratégica para o Brasil, destacando que não estamos indo pelo caminho correto e que Governança (política) é essencial para ajustar o rumo.
O desmatamento no Brasil embasou em 12 de janeiro de 2021 a afirmação do presidente da França, Emmanuel Macron, de que a França não compraria mais soja brasileira. Pelo mesmo motivo, em fevereiro de 2021 o dinamarquês Danske Bank, responsável pela gestão de mais cerca de 237 bilhões de euros, excluiu de dois dos seus fundos as empresas Cargill, Bunge e ADM, principais gigantes globais do comércio de commodities agrícolas, com destaque para soja.
Os exemplos acima evidenciam causas para saída de capitais, queda nas exportações e desvalorização da nossa moeda. Como reflexo, aumentam os custos de captação de recursos no exterior e os custos dos produtos importados. Por sua vez, o encarecimento das importações impacta diretamente nos preços nacionais e na competitividade do país. Esses fatores, aliados às restrições no mercado consumidor internacional, mais sensível às questões ESG, não permitem uma compensação no aumento das exportações, principalmente de manufaturados.
Rumo à solução para o desmatamento, problema tão estratégico nessa agenda, destaca-se o desafio brasileiro para implementação do Código Florestal, incluindo a necessidade de os estados brasileiros planejarem e priorizarem a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Programa de Regularização Ambiental (PRA). Faz-se também necessária a regularização fundiária, especialmente no Norte e no Nordeste, assegurando atribuição de propriedade e controle da terra. Adicionalmente, o monitoramento do desmatamento faz parte da solução deste problema, com adoção de rastreabilidade e certificação voltadas para a cadeia de suprimento das empresas.
Em suma, no Brasil podemos figurar estes temas como vilões da temática ESG ou como grandes credores de carbono e parceiros da agenda climática mundial. A fuga de capitais do Brasil não é só pelo problema fiscal. A queda na demanda das nossas exportações não se deve apenas à crise da Covid-19.
O tempo dos investimentos e negócios dissociados dos fatores ESG parece ter ficado para trás. O número de investidores preocupados em aportar seus recursos nas empresas e nos países que adotam as melhores práticas ESG cresce a cada dia. Por apresentar grande riqueza ambiental e ainda, infelizmente, possuir graves problemas sociais e desafios de governança pública e privada, o Brasil tem um terreno fértil para ações ESG. Certamente a devida condução dessa agenda no País será fundamental para a recuperação econômica brasileira.
[Observação: este artigo reflete entendimento pessoal dos autores e não representa visão institucional.]
*Viviane H. Torinelli é doutoranda em Finanças Sustentáveis (UFBA/BCB), cofundadora da Aliança Brasileira de Pesquisa em Finanças e Investimentos Sustentáveis (Brasfi), membro do Comitê Científico de Pesquisa e Inovação em Finanças Verdes (FDCO-UK), participante do FiBraS – Finanças Brasileiras Sustentáveis (Cooperação Brasil-Alemanha) e membro da Câmara de Inovação para Sustentabilidade do Painel Salvador de Mudanças do Clima (R100/ C40).
**Luan Santos é professor do Programa de Engenharia de Produção (PEP/COPPE/UFRJ) e de Engenharia (UFRJ-Macaé). Pós-doutor em Economia do Clima e do Meio Ambiente (Universität Graz, Áustria). Doutor e Mestre em Planejamento Energético e Ambiental (COPPE/UFRJ) e graduado em Administração (FACC/UFRJ) e em Matemática (IME/UFF). Head de Finanças da Aliança Brasileira de Pesquisa em Finanças e Investimentos Sustentáveis (Brasfi) e membro do GT de Finanças e Títulos Verdes do Laboratório de Inovação Financeira.
[Foto: Rigo Erives /Unsplash]