“Não será por meio da ação voluntária das empresas que iremos salvar o planeta” – Autor desconhecido
“Os que acreditam ser possível o crescimento infinito em um planeta finito ou são loucos, ou são economistas” – Kenneth Boulding, economista inglês (1910-1993)
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Muitos citam o economista americano Milton Friedman (1912-2006), mas acredito que poucos leram os seus escritos, particularmente o artigo publicado em The New York Times Magazine, em 13 de setembro de 1970: “The Social Responsibility of Business is to Increase its Profits”.
Friedman defendeu que a obrigação das empresas, desde que respeitada integralmente a legislação vigente, é a de maximizar o lucro para os acionistas. Ele afirmava o seguinte: quando uma empresa decide aplicar parte dos seus recursos para causas sociais, ela está tirando dinheiro dos seus acionistas, a quem poderia pagar mais dividendos, ou dos seus empregados, a quem poderia pagar melhores salários, ou ainda dos seus clientes, a quem poderia vender seus produtos, ou serviços, por um preço mais acessível.
Segundo ele, não é papel da empresa resolver problemas socioambientais. Se o governo acredita que precisa investir mais recursos em educação pública, ou saúde pública, ou qualquer outro projeto de interesse público, ele que aumente os impostos para essa finalidade. Se o governo acredita que precisam ser tomadas medidas para a proteção do meio ambiente, ele que tome as providências necessárias para estabelecer uma legislação e fiscalização adequadas para esse fim. Ou seja, não devemos misturar os papéis. E o interesse público deve ser atendido por legislações, que quando adequadamente aplicadas, produzirão os resultados que a sociedade precisa e espera.
Lembro-me muito bem quais foram as minhas reações ao ler o artigo do professor Friedman pela primeira vez. Achei a argumentação muito interessante, mas profundamente ingênua. Talvez o modelo ali defendido pudesse funcionar muito bem em uma sociedade de anjos, mas não em uma sociedade de humanos (e, particularmente, não na nossa).
Imaginem uma sociedade, e aqui só me refiro às democracias, em que o Legislativo só aprovasse leis de genuíno interesse público, onde os lobbies de todos os tipos não tivessem nenhuma interferência nas citadas leis, e onde as leis, após aprovação, fossem imediatamente aplicadas, porque nessa sociedade teríamos um Poder Executivo capaz de implementar tudo aquilo que fosse transformado em lei: nessa sociedade virtuosa, as ideias de Friedman seriam absolutamente adequadas.
Mas não é nesse paraíso que nós vivemos. No mundo real as coisas são muito mais complexas. Os governos são disfuncionais, parte das empresas não opera respeitando todas as regras e os cidadãos tampouco se caracterizam por condutas exemplares.
Isso posto, como podemos contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva?
Desde muito jovem acredito na necessidade imperiosa de parcerias intersetoriais: governo, empresas e organizações da sociedade civil precisam atuar de forma harmoniosa e complementar para que possamos enfrentar os enormes problemas socioambientais que enfrentamos.
Adiciona-se a esse contexto a bem-vinda onda ESG (Environmental, Social and Governance), um nome novo para um movimento que já existe há muitos anos. A primeira vez em que essas três letras apareceram juntas foi em um documento elaborado em 2004, sob a liderança do Secretário Geral da ONU, Kofi Annan (Who cares wins – Connecting Financial Markets to a Changing World). Um dado interessante é que o Banco do Brasil estava entre as 19 instituições financeiras que endossaram esse documento.
Afinal, o que mudou de lá para cá? O que está motivando esse movimento tão virtuoso que merece a atenção das principais lideranças empresariais mundiais, com destaque para o setor financeiro? Um elemento muito simples: o risco! O valor futuro das empresas está ameaçado. E aqui me remeto a uma das frases do caput deste artigo:
“Os que acreditam ser possível o crescimento infinito em um planeta finito ou são loucos, ou são economistas”.
(Peço aos economistas que não se ofendam, mas talvez tenham merecido, pelo menos um pouco, essa anedota de seu colega Boulding).
Podemos criar várias frases derivadas dessa, por exemplo: “Os que acreditam possível o crescimento infinito da desigualdade social ou são loucos, ou são … (fiquem à vontade para completar)”.
Conclusão: as pessoas e as organizações são muito sensíveis a duas variáveis, tempo e dinheiro. A combinação da vontade de maximizar o lucro no menor prazo possível tem produzido resultados socioeconômicos e ambientais indesejados para a maior parte da humanidade. Essa trajetória, tradicionalmente associada ao capitalismo liberal (o mercado resolve tudo), tem limites que estão cada vez mais evidentes.
Como pano de fundo está a discussão sobre um novo modelo econômico capitalista, que inclua os interesses de todos os stakeholders, incluindo-se entre estes o nosso querido planeta Terra (Gaia) e aqueles que ainda não nasceram – as gerações futuras.
O movimento ESG é uma resposta a essas questões. Não é uma panaceia e seria muito ingênuo acreditar que o setor empresarial tem poder, competência e interesse para resolver todos os problemas da nossa sociedade. Cito aqui a outra frase do caput deste artigo: “Não será por meio da ação voluntária das empresas que iremos salvar o planeta”.
Todos nós que conhecemos o velho ditado “business as usual is not an option”, já fomos convertidos à necessidade imperiosa de mudarmos a trajetória dos negócios. Temos uma tarefa relevante pela frente, não podemos permitir que esse reset do capitalismo se esvazie. Temos de atuar nas organizações onde trabalhamos, não importa o setor ou o porte, para que este tema entre na estratégia e contamine, de forma irreversível, o core business.
Uma característica importante, positiva e inexorável desta jornada é que não temos outra opção. Ou construiremos uma sociedade boa para todos, ou ela não será boa para ninguém.
*Aron Zylberman é engenheiro industrial com pós-graduação em Administração Estratégica, conselheiro de administração e diretor executivo em institutos empresariais
[Foto: Jakayla Toney/ Unsplash]