Dar escala a iniciativas de bioeconomia é a atual tarefa de empreendedores em negócios amazônicos, de seus financiadores e dos formuladores de políticas públicas. Um dos caminhos é fortalecer as redes de pesquisa e desenvolvimento nos países amazônicos
Desde menino, em caminhadas pela selva amazônica com o pai, o peruano Miguel Tang viu que poderia se alimentar do que a floresta provia – frutas, peixes, castanhas. Adulto, veio a reflexão: por que então derrubamos a mata para dar lugar ao cultivo de alimentos? Foi a semente do projeto que une gastronomia e conservação da ONG Amazónicos Por La Amazonía (AMPA), do qual Tang é coordenador. Com um catálogo de 450 produtos originários da biodiversidade amazônica, como pirarucu, quinoa e mel de abelhas nativas, a iniciativa conecta o universo dos chefs de cozinha às comunidades tradicionais da Amazônia peruana.
A proposta é um ganha-ganha para os dois lados: as populações locais têm alternativas de geração de renda com a floresta em pé, respeitando os ciclos da natureza e recebem apoio técnico; os chefs, por outro, têm acesso a insumos de alta qualidade e podem oferecer em seus restaurantes criações gastronômicas com selo de sustentabilidade. “Além disso, o projeto atrai o turismo gastronômico para as comunidades e há uma verdadeira troca de conhecimento entre as duas partes”, diz Tang, que participou do painel sobre experiências latino-americanas em investimento em bioeconomia em florestas tropicais, no segundo dia do Fórum de Inovação em Investimentos na Bioeconomia Amazônica (F2iBAM).
Dar escala a essas e outras iniciativas de bioeconomia é a atual tarefa para quem busca empreender em negócios amazônicos, para financiadores dessas iniciativas e formuladores de políticas públicas. Um dos caminhos é o de fortalecer as redes de pesquisa e desenvolvimento nos países amazônicos, uma vez que a aplicação da ciência para transformar insumos da floresta em produtos leva tempo – pode ser preciso mais de uma década para que a biomassa primária se converta no tecido biológico, no biopolímero ou no extrato destinado à indústria de fármacos.
“Os bancos de desenvolvimento estão buscando saber que tipo de investimento será necessário para fazer os protótipos da bioeconomia virarem produtos e ganharem escala. Ou seja, se quisermos transformar a biomassa em um bioplástico do futuro e introduzi-lo nas indústrias da Zona Franca de Manaus, será preciso investimento em refinarias, por exemplo”, diz Rafael Anta, especialista principal em Ciência, Tecnologia e Inovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Nessa direção, o BID lançou, em março deste ano, a iniciativa Amazônia Sustentável e lidera o fortalecimento de uma rede de bioeconomia na América Latina, que prevê US$ 20 milhões em capital semente para apoio a iniciativas. Um grupo de oito países – Brasil, Argentina, Colômbia, Costa Rica, Equador, Guatemala, México e Uruguai – mais o Peru, recém-chegado, tem discutido prioridades para suas Amazônias, e um dos nortes é fortalecer a cooperação científica entre os países.
No curto prazo, o banco tem trabalhado com o grupo para criar uma rede de centros de pesquisa com foco em biodiversidade e buscando sinergias em estratégias de bioprospecção. “Toda a discussão sobre novos negócios com recursos biológicos é a maior oportunidade que temos para a retomada econômica no pós-pandemia e, ao mesmo tempo, recuperar a floresta e a biodiversidade amazônica”, diz o especialista do BID.
Lucía Ruiz, ex-ministra do Ambiente do Peru, também defende um plano de recuperação econômica com base em atividades sustentáveis, já que a Amazônia peruana também sofre com questões semelhantes às da Amazônia brasileira. “Durante a pandemia, o desmatamento e a mineração ilegal cresceram no Peru, por isso a recuperação econômica tem que ser verde e respeitar a biodiversidade”, diz Ruiz. Ela defende arranjos de parcerias entre poder público, setor privado e universidades para fomentar a bioeconomia na região.
Ao Estado, cabe o investimento público em pesquisa, incentivos para que as cadeias produtivas da floresta se desenvolvam e também prover a infraestrutura necessária para que os negócios possam se desenvolver – o que não é pouco na Amazônia, já que há localidades deficitárias em energia elétrica, água de boa qualidade, redes de telecomunicações e modais mais adequados para escoar a produção – hidrovias tendem a causar menor impacto socioambiental do que estradas. Esses são elementos importantes para atrair empresas privadas inovadoras e atentas às oportunidades da sustentabilidade, avalia a ex-ministra.
Pequenas cidades como hubs
Uma alternativa para frear o desmatamento na Amazônia e fomentar a bioeconomia em nível local é transformar as pequenas cidades da região em hubs para o desenvolvimento de cadeias produtivas de produtos da floresta e, ao mesmo tempo, integrar essas novas cadeias a atividades já estabelecidas e que são consideradas motores da perda de vegetação nativa, como a agricultura e a pecuária. Um dos caminhos seria a utilização de sistemas agroflorestais, com o apoio de políticas públicas voltadas a essa finalidade. “Temos que ligar os produtos de nicho, como a gastronomia e os cosméticos, com os elementos motores da degradação na região”, sugere Adriana Moreira, especialista sênior em biodiversidade do Global Environment Facility (GEF), fundo internacional voltado a projetos socioambientais.
Segundo Moreira, não faltam recursos para financiar iniciativas sustentáveis na Amazônia – há fundos multilaterais, capital filantrópico e privado que podem compor o chamado blended finance, ou financiamento misto, que á mescla de recursos voltados para fomentar os negócios de impacto socioambiental. “Ainda falta um grande projeto para a região amazônica. Temos fundos e recursos disponíveis, mas precisamos de boas ideias para avançar”, conclui.
A seguir, a sistematizações gráficas do painel:
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