O atual processo de transformação digital tem permitido o desenvolvimento de plataformas que resolvem problemas de logística e fluxo entre a floresta e as indústrias, mas ainda há lacunas no financiamento. A boa notícia é que a ONU estima investimento anual da ordem de US$ 1,6 trilhão a US$ 3,8 trilhões até 2050 na transição para o baixo carbono, o que deverá gerar grandes oportunidades de negócios ao setor privado
Quando o assunto é bioeconomia amazônica, a necessidade de inovar vai além de tecnologias e conhecimento científico para viabilizar produtos baseados na natureza. Sair da caixinha é um desafio que recai, também, sobre os modelos de investimento. E a explicação é simples: há um vácuo de recursos disponíveis à criação e desenvolvimento de novas ideias, etapas do futuro negócio que envolvem maior fator de incerteza. “De um lado, existe o problema da maturidade dos projetos iniciais; de outro, a baixa tolerância dos investidores quanto aos riscos da inovação e das cadeias da bioeconomia pouco estruturadas”, ressalta Marcos Da-Ré, diretor de Economia Verde da Fundação Certi, no Fórum de Inovação em Investimentos na Bioeconomia Amazônica (F2iBAM).
No painel que identifica lacunas e possíveis soluções de financiamento, Da-Ré é enfático: “A bioeconomia é o grande desafio da Amazônia, cujo futuro é chave para a competitividade nacional”. Ele cita estudo realizado em 2020 junto a 43 indústrias compradoras de produtos da região, apontando que a barreira para ampliar as demandas está principalmente na base das cadeias produtivas, onde há espaços para inovações. “Há um abismo entre a realidade da demanda industrial e da oferta na floresta”, diz o biólogo, com um aviso: “A solução é essencial na concorrência com setores que causam desmatamento”.
Em sua análise, o atual processo de transformação digital tem permitido o desenvolvimento de plataformas que resolvem problemas de logística e fluxo entre a floresta e as indústrias, mas há lacunas no financiamento: “Precisamos de mecanismos adequados para cada momento da jornada de inovação, com capital flexível e tolerante”. Um novo site foi lançado nesta semana pela Fundação Certi apresentando opções de investimento para as diversas etapas dos negócios, em especial os nascentes.
Segundo Da-Ré, no modelo de um funil, para chegar a 40 startups na fase mais avançada e segura ao venture capital, é necessário mobilizar ao menos 40 mil talentos na ponta inicial. “A solução para acelerar e ganhar escala se resume a dois fatores: coragem para errar e tolerância ao erro”, aponta o diretor. Ele defende a integração dos novos mecanismos que se mobilizam nesse desafio no País, de modo a dar eficiência e velocidade ao processo, “trazendo também para o âmbito de políticas públicas de incentivo”.
Para Ana Carolina Szklo, diretora de sustentabilidade do instituto humanize (grafado em minúsculas), não há outro caminho: “Todos precisam trabalhar juntos para que as peças comecem a se encaixar”. Ela observou que, no momento, ninguém sabe ao certo quanto de investimentos está direcionado à bioeconomia, mas não há dúvidas sobre a necessidade de mais recursos, no lugar adequado. “Há US$ 700 bilhões em títulos verdes no mundo, com participação ínfima da América Latina”, lembra a economista.
“Como criar inovações se não há recursos para a geração de ideias?”, pergunta Susan Edda Seehusen, representante do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Na iniciativa Biofin, abrangendo 38 países, foram mapeados mecanismos de financiamento ao uso da biodiversidade, para apoio a soluções. No Brasil, o estudo identificou 101 instrumentos, na maior parte ligados a bancos públicos e filantropia. “É preciso trabalhar inovações financeiras para cobrir essas lacunas”, diz Seehusen.
“As questões só serão resolvidas com ações coletivas”, concorda Daniel Contrucci, diretor executivo da Climate Ventures. No estudo Onda Verde, a instituição mapeou oportunidades para investimento na arena climática, com destaque para rastreabilidade de produtos, bioeconomia, negócios regenerativos e mercado de ativos ambientais. Na transição para o baixo carbono, a ONU estima investimento anual da ordem de US$ 1,6 trilhão a US$ 3,8 trilhões até 2050, o que deverá gerar grandes oportunidades de negócios ao setor privado.
“O desafio é produzir impactos positivos e não somente mitigar os negativos”, enfatiza Contrucci. Para ele, destravar a bioeconomia requer uma estratégia nacional integrada, com aumento do fluxo de capital para vários setores. “Devemos equalizar a expectativa da lógica entre risco e retorno do investimento, considerando a realidade amazônica”, completou.
A questão passa, necessariamente, pelo potencial e expectativas das novas gerações, diante de transformações no mundo do trabalho. “Entender sobre clima é uma competência de qualquer profissional hoje e no futuro”, afirma Cassia Moraes, representante da rede global Youth Climate Leaders, com meta de atingir 1 milhão de membros até 2030. Em outubro, no Brasil, o movimento realizará o desafio em bioeconomia Climathon, voltado à capacitação e incentivo a novas ideias entre millenials.
Para Moraes, o movimento intergeracional pode acelerar a transição para uma economia mais justa e sustentável. “No contexto dos impactos da Covid-19, a recuperação econômica surge como oportunidade de incluir jovens da Amazônia na bioeconomia do clima”, diz.
A seguir, as sistematizações gráficas do painel, por Clara Daré:
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