No bioma, os riscos de aumento nas emissões vêm do desmatamento legal e não do ilegal. Políticas de REDD seriam um caminho promissor, aliadas às estratégias de prevenção e combate a incêndios
A realização da COP 26, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, é uma excelente oportunidade para se debater como as estratégias de desenvolvimento podem atuar positiva ou negativamente no balanço de emissões de gases de efeito estufa (GEE) nos diferentes biomas brasileiros. Trazendo essa discussão para o Pantanal, uma das maiores áreas úmidas do mundo e o bioma mais preservado do Brasil, qual seria a agenda de desenvolvimento para uma economia pantaneira sustentável e de baixa emissão?
O bioma Pantanal se espalha por uma bacia sedimentar extremamente plana, com cerca de 15 milhões de hectares (do tamanho da Inglaterra e País de Gales, juntos), sujeita a pulsos anuais de inundação. As águas sobem nas cheias, inundando as pastagens e brejos. Com o fim das chuvas, escoam lentamente, drenadas para a calha do rio Paraguai. Os pulsos de inundação definem não somente os tipos de vegetação e a vida dos animais, mas também a dinâmica da própria ocupação humana.
Em um ambiente difícil e até mesmo hostil, forjaram-se pantaneiros adaptados aos ditos da natureza. Em quase 300 anos de exploração comercial de gado, o sistema foi se ajustando aos diferentes habitats, convivendo com a exuberante biodiversidade. O resultado desse caldeirão foi um sistema tradicional de produção de bovinos altamente sustentável, onde o ser humano e seus animais se adaptaram ao ambiente.
Mas ser o bioma mais preservado do Brasil e com uma exploração comercial em equilíbrio com o ambiente há séculos não significa que esteja protegido dos desafios presentes e futuros. O Pantanal e sua bovinocultura tradicional vêm enfrentando desafios ainda mais complexos do que os trazidos pelos pulsos de inundação. Desde secas intensas e queimadas catastróficas até a perda de competitividade com as áreas intensificadas do planalto.
Desde 2019, o bioma sofre uma das secas mais intensas de sua história. Como não poderia deixar de ser, os baixos níveis da água e a falta de chuvas esturricaram a vegetação e incêndios incontroláveis varreram 26% da superfície do bioma em 2020. Em 2021, o impacto foi menor, mas configura-se como a segunda pior temporada de queimadas da última década.
Ciclos climáticos com períodos mais secos intercalados por períodos de grande cheias também fazem parte da complexidade do bioma. Entretanto, há uma crescente preocupação de que a mudança climática esteja afetando esses ciclos e tornando o Pantanal um ambiente mais seco. Somente o tempo será capaz de mostrar se essa tendência se confirmará, mas certamente os pantaneiros terão que incluir mais essa variável em sua equação de convivência com o ambiente.
Quantidades muito grandes de GEE são lançados na atmosfera em decorrência das queimadas. Vale ressaltar que, mais importante que a quantidade emitida em si, é a capacidade de regeneração da vegetação afetada. Quando são queimadas áreas de gramíneas nativas e cerrados abertos, adaptadas ao fogo, o processo de regeneração é rápido, reabsorvendo praticamente todo o CO2 emitido em poucos anos. Mas, quando o fogo avança com elevada intensidade para formações florestais mais densas como os cerradões e as matas, pode haver a morte de árvores que levarão décadas para se recomporem. Além disso, o fogo intenso em áreas de turfas expostas pelo baixo nível das águas também emite GEEs de reservatórios acumulados por dezenas ou centenas de anos.
Outro fator importante a se considerar é a intensificação dos sistemas de produção pecuários no planalto, com índices de produtividade cada vez melhores, o que pressiona os pantaneiros a também melhorarem sua performance para competir no mercado.
Quando esses vetores se juntam – uma pressão por novas áreas para a pecuária, uma alta disponibilidade de áreas relativamente baratas, abundantes florestas e cerrados que ainda podem ser desmatados legalmente (cerca de 1,5 milhão de hectares), a ocorrência dessas áreas florestadas exatamente nos pontos mais altos e secos das propriedades e a melhoria na infraestrutura de acesso (novas estradas e aterros) – , o resultado provavelmente será maior pressão por desmatamento no bioma Pantanal.
Aqui tratamos de algo totalmente diferente dos conhecidos problemas da Floresta Amazônica. No Pantanal, os riscos de aumento nas emissões de GEE vêm do desmatamento legal e não do ilegal. Como estamos falando de desmatamento legal, encontrar alternativas rentáveis à remoção da vegetação arbórea seria uma das principais estratégias para evitar aumentos nas emissões no bioma. Políticas de Redução de Emissões provenientes do Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) para o Pantanal, alinhadas com uma regulamentação jurisdicional ou subnacional, seriam um caminho promissor em uma agenda que correria paralela ao atual alinhamento federal.
De forma complementar e não menos importante, as estratégias de prevenção e combate a incêndios devem estar no centro das atenções, principalmente em um cenário de secas mais prolongadas no Pantanal. Avanços têm sido alcançados nessa área, com a implantação do Plano Estadual de Manejo Integrado do Fogo em Mato Grosso do Sul, em intensa colaboração com o Mato Grosso, cobrindo todo o bioma.
Por fim, complementam essa agenda a valorização dos produtos pantaneiros e a melhoria das produtividades. O Programa Estadual Carne Pantaneira Orgânica e Sustentável trouxe incentivos fiscais com a redução do ICMS cobrado na venda da carne pelos frigoríficos, sendo automaticamente retornado ao produtor. O importante, em termos de emissões, é que o Programa estimule a adoção de práticas conservacionistas nas propriedades, protegendo as matas e cerrados do bioma.
Estamos diante de uma agenda complexa, com ações que incentivem a preservação da vegetação florestal e evitem emissões de GEEs por desmatamento legal. Agendas importantes estão relacionadas com a regulamentação de projetos de REDD+ e a busca de incentivos para que as práticas sejam aplicadas no maior número de propriedades possível. Seguindo a tradição pantaneira, e adotando as adaptações necessárias para enfrentar os efeitos da crise climática, é preciso que a floresta em pé valha mais do que a sua utilização como pastagens.
* Renato Roscoe é diretor-executivo do Instituto Taquari Vivo, criado para contribuir com a conservação do Pantanal e melhorar a viabilidade econômica e socioambiental dos pantaneiros, promovendo a articulação de iniciativas e alianças que conciliam conservação e produção no Pantanal e nos planaltos do seu entorno.