Transformação digital pode levar soluções produtivas à bioeconomia amazônica e tornar a atividade mais atrativa. O engajamento de jovens propicia a continuidade das redes de conhecimento na floresta e reduz a vulnerabilidade social
Tecnologias de inteligência artificial revolucionaram, na última década, o monitoramento do desmate e degradação por meio de imagens de satélite. Assim, já não é possível esconder do mundo o que acontece na Amazônia, centro das atenções devido à importância na mudança climática global. Mas falta um salto estratégico: chegar à base produtiva no chão da floresta, viabilizando o uso sustentável – o que inclui desde a prospecção e inventários de recursos extrativistas para exploração econômica até o rastreio da origem de insumos exigidos pelos mercados no cerco às questões ambientais e sociais.
O tema foi destaque nas rodas de conversa do Espaço da Bioeconomia, durante a 43ª Exposição Agropecuária do Amazonas (Expoagro), realizada de 9 a 12 de dezembro, em Manaus. “O ecossistema digital precisa dialogar mais com a floresta, não para construir estruturas mirabolantes longe da realidade da região, mas responder às demandas produtivas das comunidades. E não falamos de marketplaces, destinados à venda produtos pela internet, porque isso todo mundo faz. Falamos de inteligência para construir novas formas de estruturar mercados, com espaço para startups que chegam com soluções”, aponta Tatiana Schor, secretária executiva de Ciência, Tecnologia e Inovação da Sedecti, pasta estadual que inovou ao levar o tema como atração de uma feira dedicada ao mundo do agronegócio.
Para além de gerar dados ao controle e fiscalização do desmatamento e outras atividades ilegais, como o garimpo, a transformação digital tem pela frente o desafio de dar suporte à valorização da floresta em pé, com o desenvolvimento de ferramentas capazes de colaborar com a gestão das organizações sociais, tanto na produção como no acesso a mercados, por meio de processos participativos e inclusivos.
“Na busca de valor diferenciado para produtos amazônicos, a exemplo do que já ocorre com o guaraná, açaí e cacau, a rastreabilidade e os selos de certificação podem trazer benefícios em vários campos, como qualidade sanitária e redução de perdas”, destaca Marcelo Cwener, representante da NESsT, instituição americana de apoio a empreendimentos sociais.
Na análise de Natália Pimenta, analista do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), a questão está principalmente em “pensar novos modelos comerciais, indo além do sistema de aviamento que marca a região [formado por intermediários, que trocam mercadorias industriais por produtos da floresta nos rios amazônicos], de forma que as culturas locais se reflitam ao longo das cadeias produtivas, com transparência, visibilidade e agregação de valor”.
Tecnologias aplicadas no agronegócio no Centro-Sul são bem-vindas quando adaptadas ao extrativismo na Amazônia. “Aplicativos enviam pelo WhatsApp recomendações sobre irrigação, com economia de água e energia, ou ajudam exportadores de açaí no atendimento a diferentes certificações”, informa Brena Gaspar, da Agrosmart. Segundo ela, diante das realidades amazônicas, iniciativas nesse sentido só andam por meio de parcerias entre empresas, ONGs e governos.
Rinaldo Fernandes, professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), concorda: “A capilaridade de ações no interior é complexa, principalmente em áreas remotas, como no Alto Rio Negro, onde a comunicação entre enfermeiros das comunidades com o médico, na cidade, ocorre via rádio”. Dessa forma, diz o professor, lidar com questões como licenciamento em certas atividades produtivas, como a meliponicultora, requer avanços tecnológicos.
No entanto, na visão de Macaulay Abreu, sócio da startup Onisafra, “investir em tecnologia faz muito sentido, mas isso deve ser visto como uma maratona, não como uma corrida de 100 metros”. Em sua análise, é preciso primeiro resolver gargalos básicos, antes de pensar em soluções sofisticadas como blockchain para rastrear cadeias produtivas e garantir a origem legal e sustentável dos produtos.
Além disso, “as novas ferramentas digitais devem estar prioritariamente atreladas a modelos de negócio, e não a instituições como ONGs e governo, de forma a diminuir a dependência de recursos para fazê-las funcionar”. Segundo Abreu, “só assim começaremos um game diferente, com expectativa de retorno financeiro para ter vida no longo prazo”.
As chamadas big techs, como o Google, por exemplo, têm ampliado consultas para inovações na Amazônia. A Microsoft se associou ao Imazon, ONG sediada no Pará, para o desenvolvimento da Previsia, plataforma de dados processados por inteligência artificial voltada à previsão de riscos de desmatamento – essenciais às decisões de investimentos, ações de controle e registo de créditos de carbono para ganhos no mercado climático.
Quando se busca tecnologia de informação no uso sustentável da floresta, vem à tona o potencial do Polo Digital que se desenvolveu localmente no rastro da Zona Franca de Manaus, mas que até o momento não “conversa” com a floresta. A legislação obriga o repasse de 5% do faturamento das indústrias de informática à Pesquisa & Desenvolvimento, mas esses recursos (cerca de R$ 800 milhões ao ano) normalmente são investidos em processos e produtos do próprio setor. Com a necessidade de diversificação produtiva e maior competitividade, janelas se abrem para a bioeconomia.
“Estamos abertos a conversas e oportunidade de atuação para inovações na área de Bioeconomia, por meio de diversas soluções nas quais somos competentes”, afirma Barbara Formoso, do time de Novos Negócios do Sidia Instituto de Ciência e Tecnologia. O espaço reúne mais de 1,2 mil funcionários dedicados a projetos de inteligência artificial, internet das coisas, conectividade 5G e softwares embarcados.
As inovações devem olhar para a complexidade da produção na floresta. “Não podemos pensar em bioeconomia sem falar em elementos básicos de conectividade”, afirma Marcus Biazatti, coordenador técnico do Idesam, ONG sediada em Manaus, que atua em diversas frentes de inovação em atividades comunitárias e negócios no setor.
“Jamais desenvolvemos a Amazônia sem uma melhor conexão por internet”, adverte o engenheiro florestal, ao reconhecer que as demandas da pandemia de Covid-19 induziram avanços nesse desafio. Ele conta que a chegada do wifi permitiu à usina de óleos vegetais mantida com apoio da instituição na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Uatumã obter assistência técnica e manter a produção. O faturamento foi de R$ 2 milhões, em dois anos.
A força da juventude
Naquela reserva ambiental, comunidades com o mínimo de conectividade por internet usam um aplicativo de celular como ferramenta ao manejo de recursos da floresta, como o óleo de copaíba, a partir do inventário das árvores. A iniciativa, do projeto Cidades Florestais, mobiliza jovens locais no trabalho junto aos pais no extrativismo, reduzindo o problema do êxodo para as grandes cidades.
“Sem os jovens, não há transmissão entre gerações e poderá haver a desagregação das redes de conhecimento que representam as cadeias produtivas”, adverte João Gabriel Israel, integrante da Amaz, programa de aceleração de negócios de impacto do Idesam. Ele reforça que não só internet, mas educação, energia e saneamento, por exemplo, precisam de melhor estrutura para que os jovens reconheçam e valorizem o lugar onde vivem. Além disso, o modo de produção precisa ser mais atrativo às novas gerações, atualmente assediadas pela expectativa de ganhos das atividades ilegais.
Riscos associados à vulnerabilidade social, como consumo de drogas e alcoolismo, são latentes. “Os esforços no sentido da bioeconomia devem vir desde a base nos primeiros anos da escola, para que lá na frente o fruto seja ampliado”, recomenda Sérgio Amaral, professor da Escola Agrícola Rainha dos Apóstolos, que reúne jovens da zona rural para formação técnica agrícola.
“Nesse trabalho, não se deve falar de soja e morango, mas da realidade local e regional”, destaca Fran Gomes de Araújo, jovem que integra a ONG Casa do Rio. “Moramos em lugar desenvolvido, mas não no modelo que muitos querem para a gente”, afirma. Ela conclui: “É importante ouvir dos jovens o que eles querem e não chegar com receitas de cima para baixo”.
[Este conteúdo foi atualizado em 15/12, com correção na fala de Bárbara Formoso.]