Com o aumento da complexidade e urgência em resolver questões de sustentabilidade, a necessidade de se trabalhar em grupos multidisciplinares tem se mostrado um desafio extra
Por Mariana Galvão Lyra*
Para trabalhar com temas cada vez mais complexos, as organizações aprenderam a se orientar por projetos, e não mais por departamentos. E para atacar a complexidade e urgência que envolvem projetos e soluções mais sustentáveis, times são formados por profissionais com bagagens plurais. Olhando o mundo hoje, pode parecer óbvia e simples essa realidade, mas a intensificação desses esforços começou há 20 anos e ainda apresenta diversos desafios para funcionar de forma efetiva.
Os acadêmicos que começaram a investigar sobre essas práticas desenvolveram uma tipologia que diferencia a multidisciplinaridade da interdisciplinaridade e, também da transdisciplinaridade. Assim como muitos outros conceitos e definições, o consenso ainda está longe de ser alcançado. Em termos gerais, interdisciplinaridade e multidisciplinaridade envolvem mais de uma disciplina. Na interdisciplinaridade, porém, existem um teor mais integrativo e o objetivo de criar um entendimento comum para avançar o conhecimento em questões que não podem ser resolvidas por uma disciplina de forma isolada[1].
Já a transdisciplinaridade tem como objetivo criar novos modelos, conceitos e métodos[2]. Nessa busca, a inclusão de não-acadêmicos é comum[3] e, embora isso traga benefícios no longo prazo, principalmente para a produção de conhecimento, sua eficiência na prática ainda é bastante questionada (saiba mais aqui).
A habilidade de colocar diversos stakeholders para conversarem entre si e conjuntamente orquestrarem soluções é um costume frequente entre muitos dos profissionais de hoje. Empresas e fornecedores, relacionamentos com ONGs e comunidades, governos e outras autoridades, sem falar das start-ups e inclusão de pequenas e médias. Essas colaborações e parcerias estão acontecendo, e o aprendizado se dá durante o processo.
Há 20 anos, aprendia-se sobre negócios de forma muito departamentalizada: marketing, financeiro, logística. Quando novas abordagens surgiam, tal qual a sustentabilidade, cada um desses departamentos se especializava em adotar uma abordagem que coubesse dentro da sua rotina. Mais tarde, como já era esperado, a sustentabilidade se tornou – ou deveria se tornar – um tema transversal e capilar, permeando todas indústrias, negócios, governos, universidades e sociedades.
A prática tem mostrado que uma regra geral precisa ser adotada para a integração prática de diferentes disciplinas: todo o time deve ter a disposição de se abrir para o novo, respeitar os limites de cada um, e investir tempo nas interações, para que um entendimento mútuo seja criado e fortalecido. As pessoas tendem a não se interessar ou se abrir para o que desconhecem. A abertura para o novo vem, então, pela necessidade, curiosidade ou oportunidade.
Quando as caixinhas começam a ser rompidas, e diferentes stakeholders são colocados para trabalharem conjuntamente, os desafios acompanham o processo. Para superar essas dificuldades, cada vez mais as seguintes habilidades são desejadas:
Tradutores de contexto: times que são formados entre profissionais com diferentes experiências e formações muitas vezes sentem que é difícil antever os benefícios práticos daquela interação por desconhecimento dos contextos específicos além de sua área de origem. Assim, profissionais que sejam capazes de explicar seu próprio contexto para outras áreas, ou mesmo que traduzam outras áreas para o seu próprio contexto têm aí um valor para unir o time, criar senso comum e intensificar trocas.
Capacidade de adaptar linguagens[4]: em colaborações entre diferentes grupos de stakeholders, uma das principais dificuldades para estabelecer entendimento mútuo e engajamento é o fato de que diferentes setores e indústrias falam línguas diferentes. A habilidade de adaptar a linguagem corporativa para membros da comunidade ou ONGs, por exemplo, facilita o processo de cooperação e aumenta a possibilidade de interesse e trocas.
Criadores de pontes entre diferentes organizações/áreas de conhecimento: essa habilidade é fortemente ligada a capacidade de adaptar linguagens e traduzir contextos. Criadores de pontes não só “falam mais de uma língua”, como também percebem sinergias entre esses diferentes contextos e áreas, indicando onde existe potencial para interfaces e interesses comum. Esses profissionais são capazes de acelerar parcerias e facilitar a coesão do time.
Hubs: são profissionais capazes de apresentar pessoas com interesses comuns e complementares. Geralmente participam em diferentes círculos profissionais e sociais e têm uma ampla rede de contatos. Em um time, atuam conectando pessoas de fora com pessoas de dentro, aumentando as chances de parcerias e colaboração entre diferentes organizações.
Você identifica essas habilidades no seu próprio trabalho e na organização em que atua?
[1] https://www.nsf.gov/od/oia/additional_resources/interdisciplinary_research/definition.jsp
[2] https://www.hsph.harvard.edu/trec/about-us/definitions/
[3] https://www.nature.com/articles/s41599-020-00598-5
[4] Lyra, M.G., Gomes, R.C. and Pinto, M.M. (2017), “Knowledge sharing relevance in social responsibility partnerships”, Journal of Management Development, Vol. 36 No. 1, pp. 129-138. https://doi.org/10.1108/JMD-10-2014-0123
*Mariana Galvão Lyra é pesquisadora na plataforma Greenrenew, Lappeenranta University of Technology, Finlândia, e colunista da Página22
[Foto: Ante Hamersmit/Unsplash]