Este é o primeiro capítulo do livro-reportagem que dá nome ao Projeto Manaus de Frente para a Floresta, idealizado pelo jornalista Sérgio Adeodato e lançado hoje
A herança dos povos antigos e as lições rumo a um novo paradigma para Manaus na relação com a floresta, sob os olhares globais centrados na Amazônia
Quem caminha pelas ruas do bairro do Japiim, Zona Sul de Manaus, vê sob os pés vestígios de vasos de cerâmica e urnas funerárias de milhares de anos que afloram à superfície. Uma parte da história pré-colonial sobre a formação da maior metrópole da Amazônia está ali, descuidada. Ônibus do transporte urbano passam por cima, sem qualquer proteção – um legado não valorizado até pela escola pública local, vizinha a palmeiras relictuais, como o tucumã e o inajá. Dos 16 pontos com achados arqueológicos na área, em cinco as ruínas podem ser vistas no barro do chão. São sinais de uma vida produtiva, inacreditavelmente planejada e resiliente em meio às condições impostas pelo ambiente selvagem no passado. Lições para o convívio com a floresta e as águas no presente?
“Sepultamentos e utensílios das sociedades primitivas estão aqui e acolá, ao redor das atuais moradias desse e de outros bairros da cidade”, aponta Carlos Augusto da Silva, mais conhecido como Tijolo, arqueólogo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Em meio ao conglomerado urbano, o local foi palco de dois momentos da trajetória cultural ao longo dos milênios: primeiro, a indústria lítica, na construção de ferramentas de trabalho; depois, cultivos e plantações, com uma indústria cerâmica para atendimento à demanda social do cotidiano há 6 mil anos – vasos, potes e urnas, usadas e depois enterradas, algumas com até 1 metro de altura. “Na produção dos objetos, utilizavam-se cinzas de cascas de madeira, o ‘plástico’ da época, para tornar as peças mais leves e duráveis”, compara o pesquisador.
Além do bairro do Japiim, a Praça Dom Pedro II, a Praça da Saudade e o Reservatório do Mocó, entre outros pontos da capital, guardam relíquias arqueológicas. Ele lembra que o antigo prédio do Paço da Liberdade, atual Museu da Cidade, teve a estrutura de vigas construída séculos atrás sobre esses vestígios, hoje – após obras de reforma – expostos aos visitantes. No município, foram mapeados 42 sítios arqueológicos, todos impactados pela expansão urbana. Trata-se de um patrimônio que começou a aflorar na década de 1990: “Só agora é desvendado e, por isso, não há um sentimento de valorização”, avalia o pesquisador.
Os estudos revelam a lógica produtiva das populações primitivas, baseada na premissa de que “se utilizamos, precisamos cultivar”. Atualmente, pesquisas realizadas por Tijolo em sítios arqueológicos da Ilha de Terra Nova – área alagável na confluência do Rio Negro com o Solimões, território da Região Metropolitana de Manaus – buscam um novo olhar sobre o uso de recursos naturais. O objetivo é transmitir conhecimento às atuais comunidades diante das demandas locais da agricultura familiar e criação de animais: “Se as antigas populações só utilizassem fogo para fazer roças, a região já estaria como um deserto”, afirma o pesquisador no afã de achar respostas para reconstruir a vida e entender a dinâmica entre os primeiros habitantes de Manaus e o meio ambiente.
A atual pesquisa decorre de importantes revelações obtidas na última década sobre as antigas ocupações humanas e seus sistemas produtivos naquela parte da Amazônia. “É uma grande ferramenta para o presente e o futuro da bioeconomia”, observa Tijolo, integrante da equipe coordenada pelo pesquisador Eduardo Neves, da Universidade de São Paulo (USP), responsável pelo resgate arqueológico na obra do gasoduto Coari-Manaus, entre 1995 e 2010. Na área atualmente ocupada pelo município de Iranduba, na Região Metropolitana, há mais de 100 sítios arqueológicos, herança de uma ocupação humana provavelmente densa, entre os anos 700 d.C. e 1.200 d.C.
Inteligência ancestral
Havia gente morando ali há pelo menos 8,5 mil anos. Os conglomerados localizavam-se em torno das terras pretas, altamente férteis, formadas artificialmente pela ação humana: aterros, manejo de restos orgânicos e carvão decomposto, por exemplo – em equilíbrio com solos estáveis e clima quente e úmido favorável à agricultura. Os arqueólogos descobriram várias plantas já cultivadas em tempos remotos, como mandioca (10 mil anos) e castanha-do-Brasil (11 mil anos), manejados com critérios ambientais e produtivos, com a seleção de espécies da biodiversidade e domesticação de plantas.
“Até hoje, apesar do esforço científico, ninguém conseguiu reproduzir as terras pretas como na lógica indígena, base das estratégias econômicas dos povos do passado, centradas na diversificação e em técnicas que aumentavam o potencial produtivo, uma inteligência que não chegou aos dias de hoje”, explica Neves. Além dos cultivos manejados para alimentação, vestígios de pescados, como o jaraqui e o tambaqui, além de tartarugas e jacarés, datados de 2 mil anos, retratam a dieta dessas populações. São hábitos que perduraram por milênios em processo de continuidade cultural até a adaptação a novas formas de comportamento e consumo, principalmente devido à industrialização e expansão urbana, em meados do século XX.
De acordo com Neves, diferentes níveis de sociedade ocuparam a região antes da chegada dos europeus. Na margem direita do Rio Negro, por exemplo, nas proximidades do atual município de Manaus, existiam aldeias integradas por redes de troca e comércio, com grandes malocas ao alto e casas ao redor, em área que poderia chegar a 90 campos de futebol. Posteriormente, com o desenvolvimento de maior mobilidade, os antigos habitantes passaram a viver em aldeias menores, com a construção de instrumentos de defesa e maior número de conflitos e guerras.
Foi um processo dinâmico de ocupação. Dessa forma, os estudos têm contribuído para recontar a história da Amazônia – e, por tabela, do ambiente que originou a sua maior cidade. Tratava-se de uma Amazônia povoada, diferente da visão de uma floresta vazia e intocada, a ser ocupada e explorada. Um cenário distinto de bordões como “inferno verde” ou “ilusão do paraíso”, presentes em relatos dos primeiros viajantes.
Havia cerca de 10 milhões de indígenas na Amazônia em 1.500 d.C., e cerca de 90% dessa população pereceu nos primeiros séculos da colonização europeia, basicamente pelo massacre de doenças e escravidão, segundo relato de Neves em webinar organizado por Uma Concertação pela Amazônia, objeto de reportagem na Página22. “Quando os primeiros cientistas europeus viajaram pela Amazônia no século XVIII – portanto, dois séculos depois dos primeiros contatos –, já encontraram extensas áreas esvaziadas de gente e cobertas por matas.”
Neves reforça que Manaus está em cima de um patrimônio arqueológico, destruído pelo crescimento da cidade e seus problemas, com os quais o pesquisador conviveu no longo trabalho da obra do gasoduto, em que, como resultado, ajudou a montar laboratórios de Arqueologia na Ufam. “É preciso uma nova relação com a floresta e as águas, fazendo as pazes com os igarapés, para uma melhor qualidade de vida. Não faz sentido Manaus estar ao lado dos maiores rios do mundo e não ter água para abastecer a periferia”, aponta. Ao banhar a cidade, o Rio Negro – para além da orla da Ponta Negra como reduto de edifícios, shopping e restaurantes de alto padrão – “tem o desafio de ser visto de maneira mais ampla com o olhar da saúde pública, da beleza cênica e do bem-estar”.
Diante das revelações até o momento, o atual projeto de Neves é fazer uma ampla varredura por imagens com tecnologia capaz de enxergar abaixo das arvores e encontrar mais sítios arqueológicos de forma que possam ser registrados e protegidos em áreas de risco de desmatamento. “Manaus é centro de um movimento científico para fazer a Amazonia valer mais, não exclusivamente pela natureza, mas pela ocupação humana”, destaca Filippo Stampanoni, arqueólogo do Museu da Amazônia (Musa), integrante do projeto colaborativo entre instituições.
O objetivo é sustentar novos argumentos para mecanismos de proteção legal e viabilizar a floresta em pé, mostrando a sua relação com a espécie humana ao longo do tempo. “São necessárias perguntas incômodas para não alimentar o mantra da floresta com onças e araras”, diz o pesquisador. Em um dos galpões do museu, à frente das ossadas de crocodilos de 5 a 10 milhões de anos, período anterior à formação da própria Floresta Amazônica, o arqueólogo reforça a importância de estudos multidisciplinares para desvendar o passado.
Do forte à cidade na floresta
Em resumo, o cenário atual provém de uma história marcada, há milhares de anos, pela existência de populações mais numerosas do que se imaginava e por práticas produtivas de convívio com a floresta, conforme sugerem os grandes cemitérios de urnas funerárias e os demais vestígios arqueológicos. Foram povoações que, na dinâmica dos padrões culturais ao longo do tempo, integraram o ambiente originário da fundação de Manaus, no rastro da colonização portuguesa iniciada na Amazônia, no século XVII, com a criação inicial de fortes e missões religiosas para posterior constituição de vilas e cidades.
As vilas serviam de sede, tanto para a representação do poder da coroa portuguesa como do poder espiritual, além dos interesses econômicos em torno da Amazônia. No século XVIII, com a política do Marques de Pombal (1750-1777), elas tinham a função geoestratégica de ocupar e conquistar a Amazônia, quando a fronteira dos domínios da Espanha e Portugal ainda não havia sido estabelecida por tratados – escrevem os autores José Aldemir de Oliveira e Tatiana Schor, no capítulo “Manaus: Transformações e Permanências, do Forte à Metrópole Regional” do livro Cidades na Floresta, organizado por Edna Castro.
Nesse processo, primeiro veio a criação, em 1669, da Fortaleza Barra de São José do Rio Negro, desativada um século depois, após a consolidação do domínio português na Amazônia. Ao redor do forte, formou-se um aldeamento às margens dos cursos d’água, com pontes rudimentares de madeira, sem qualquer planejamento. Em 1833, o lugar foi elevado à condição de vila com a denominação de Manaós –“mãe dos deuses”, nome do grupo indígena que habitava a região do Rio Negro antes da colonização –, passando por fim a chamar-se Manaus, em 1856.
A cidade tornou-se capital com a elevação do Amazonas à categoria de província, em meados do século XIX, e já se apresentava como núcleo urbano primaz na região, diante de acontecimentos do processo de reorganização econômica e política do sistema colonial: a introdução do transporte fluvial a vapor com exclusividade para a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, dirigida pelo Barão de Mauá, e a abertura do Rio Amazonas à navegação estrangeira. Como dizem Oliveira e Schor, o cenário se somou à grande demanda internacional pela borracha, que culmina no boomeconômico pela exploração extensiva dos seringais nativos, dando novas feições urbanas a Manaus – mais ligada ao mercado externo do que ao nacional.
Destacava-se uma economia exploratória baseada em matérias-primas tropicais da floresta, fruto do conhecimento que veio das populações indígenas originárias no período pré-colonial e que, naquele momento, na transição do século XIX para o XX, tomava impulso sob a égide do capitalismo industrial que avançava no mundo. No primeiro ciclo econômico da extração do látex para produção de borracha, entre 1879 e 1912, ocorreu a chegada de grande contingente de nordestinos, principalmente do Ceará, que trocaram a seca e a fome pelos perigos da selva e pelo trabalho em condições precárias, análogas à escravidão. O “ouro branco” dos seringais representava, em média, 28% do valor de todas as exportações brasileiras, atrás apenas do café.
Em 1910, Manaus reunia 5,3% da população brasileira. Após a derrocada por conta da competição com a borracha produzida por colônias inglesas no Sudeste Asiático, o apogeu foi retomado em 1942 pelas demandas americanas de importação no contexto da II Guerra Mundial, até 1945. Na época, a Amazônia, e principalmente a região de Manaus, recebeu uma nova leva de migrantes nordestinos, os “soldados da borracha”, alistados compulsoriamente por Getúlio Vargas para trabalhar nos seringais – e por lá ficaram ao deus-dará, escravizados por dívidas com os “coronéis”. Novamente, a cidade experimentou a sensação de riqueza e de pujança até o fim da guerra: como o fomento ao segundo ciclo da borracha ocorreu apenas pelo interesse externo dos Estados Unidos, não houve um plano para o desenvolvimento da região. E com a reorganização das economias globais, além do advento da borracha sintética, a demanda pelo extrativismo nos seringais amazônicos voltou a cessar.
Belle Époque no calor da floresta
A economia da borracha deixou um legado de profundas marcas na capital do Amazonas. No auge do primeiro ciclo, no fim do século XIX, a cidade vivenciou um expressivo processo de modernização e expansão de infraestrutura e serviços urbanos junto a várias contradições. Eram tempos de reformas urbanísticas, como em outras grandes cidades brasileiras, em nome da “higienização”. A “capital da borracha” concentrava poder e recursos além do suficiente para caprichos em meio à floresta, com características peculiaridades. Predominava uma espécie de “lei da selva” no contexto exploratório de uma riqueza que provinha da seiva da Hevea brasiliensis e do sangue dos seringueiros, subjugados pelos patrões em ambiente inóspito e desconhecido, segundo destacam Oliveira e Schor. Por trás dessa cortina, associada à exploração de produtos naturais para benefício de poucos, despontava uma cena urbana e cultural de vanguarda, como uma cidade “sem problemas, desejada, imaginada e, em alguns casos, vivida pela elite extrativista”.
Era a “Cidade do Fausto”, a “Paris dos Trópicos” – das avenidas, dos cafés, dos hotéis, dos teatros, dos palacetes. Um urbanismo artificial, que se impunha pela abertura de ruas, construção de pontes e aterros de igarapés, entre outras “soluções de problemas de uma cidade marcada por profundas desigualdades sociais”. Sem raízes locais, escrevem Oliveira e Schor, a capital representava um lugar imaginário, onde só a elite tinha face, cultural e socialmente inspirada nas relações da borracha com o exterior.
Na Manaus da Belle Époque, não se economizou no planejamento urbano da zona central da cidade, com quadras e praças arborizadas, como uma pretendida cópia do famoso Plano de Haussmann para Paris (1853-1882), que previa abertura de grandes avenidas, a demolição de 19.730 prédios históricos e a construção de 34 mil novos, em estilo neoclássico, na capital francesa. Proporções à parte, Manaus avançou no plano de embelezamento, retratado por inovações também inglesas, como a construção do porto. No processo de maquiagem, o Código de Postura da época impedia construir casas de madeira cobertas por palha na área central, empurrando os mais pobres para a periferia e aumentando o hiato entre as dimensões da riqueza econômica e as condições de bem-estar da maioria da população.
Em várias partes do mundo, e não diferente no Brasil, a imitação dos estilos importados é uma marca do processo colonizador baseado na destruição da natureza e da cultura local. A ladainha se repetiu em Manaus? Em qual medida? Como influenciou historicamente a relação da cidade com a grande floresta ao seu redor?
Teatro Amazonas, agora símbolo da economia criativa
“Manaus é uma capital cosmopolita, sem cultura própria, sempre aberta para o que vem de fora, em detrimento dos valores locais, desde o tempo dos seringais até o atual perfil industrial”, afirma Joaquim Melo, sentado em meio a pilhas de livros, revistas e cartões-postais no estabelecimento considerado quase um patrimônio cultural da cidade. A tradicional banca de jornal situada no Largo São Sebastião, ao lado do Teatro Amazonas, ícone maior do apogeu cultural no ciclo econômico da borracha, guarda raridades sobre a região. É ponto de encontro de intelectuais, turistas e transeuntes em busca de lançamentos, registros do passado ou uma boa conversa a respeito das lições da história para o futuro.
O livreiro, economista com mestrado em História da Amazônia, levou para a banca uma parte nobre de sua biblioteca particular. No total, são 3 mil títulos à venda, entre os quais obras raras, como o livro de autoria de Barbosa Rodrigues, naturalista final do século XIX, editado em Bruxelas, em 1903. “De um lado, a cidade não dá importância aos indígenas; de outro, abre as portas aos forasteiros que chegam para as indústrias”, ressalta. Habituado a apreciar o Rio Negro da janela do apartamento, ao contrário de muitos que viram as costas, Machado vê paradoxos: “Quem gosta de Amazônia são os gringos e quem mora na cidade não está tão ligado à floresta como em Belém, no Pará, que tem raízes culturais mais profundas. Por aqui, sempre ouvimos que Manaus é a terra do que já teve e não tem mais”.
Ele resume que o atual momento é resultado de uma complexa trajetória histórica envolvendo colonizadores, catequizadores e fluxos migratórios – e há marcos que retratam como tudo isso se relaciona com a floresta. Um dos mais simbólicos está na imponência do monumento à sua frente. Inaugurado em 1896 pelas riquezas extraídas do látex nos seringais, o Teatro Amazonas fechou as portas após a decadência econômica e só foi reaberto em 1997, mantendo-se hoje vivo e ativo, com uso público o ano inteiro, destaque no centro histórico bem cuidado e bastante acessado pelos manauaras na memória de um passado como capital estratégica ao País.
O legado atualmente representa o potencial da chamada “economia criativa” frente ao desafio de diversificação econômica, com influência na maior valorização da indústria cultural ligada à relação com a floresta. “O teatro movimenta toda uma cadeia de serviços associados aos espetáculos, além de atrair negócios na área de entorno, como uma verdadeira fábrica de empregos”, ressalta Flávia Furtado, diretora executiva do Festival Amazonas de Ópera, que em 2022 chega à 24ª edição. Desde a primeira, há 25 anos, escreve uma história de evolução, com a criação de orquestra e depois coral até alcançar os atuais sete corpos artísticos. Além de viabilizar mais lojas de instrumentos musicais na cidade, o teatro de ópera mobilizou a formação de milhares de alunos no Museu de Arte e Ofício Claudio Santoro para trabalho na central técnica de produção e construção de cenários e figurinos, por exemplo. Não à toa, Manaus é hoje a terceira cidade de maior demanda cenográfica do País, e há boas perspectivas na indústria do audiovisual como fruto das inovações digitais.
“Temos um parque industrial e cultural instalado na cidade, o que valorizou o núcleo urbano no entorno do teatro, com instalação de restaurantes e hotéis padrão cinco estrelas”, observa Furtado, ao lembrar que novas profissões despontam no esteio dos festivais de ópera. A cada edição, o festival tem captado cerca de R$ 5 milhões e gerado quase 600 empregos diretos. “A lógica precisa ser aprimorada por meio de um modelo de desenvolvimento que faça sentido no século atual”, recomenda.
A dinâmica da ocupação e crescimento da cidade está associada aos sucessivos eventos da história socioeconômica da região. Com localização privilegiada, na confluência dos rios Negro e Solimões, Manaus está a meio caminho entre a fronteira oriental, no Atlântico, e a ocidental, com uma vasta rede hidrográfica. Ao longo da história, a posição geográfica possibilitou conexões com diferentes localidades da Amazônia como importante polo de circulação de mercadorias e de pessoas, inclusive da região para outras partes do mundo. Essa concentração de fluxo tem sido um dos principais fatores de crescimento da maior cidade amazônica, tanto no período da borracha como, posteriormente, com o desenvolvimento do polo industrial da Zona Franca de Manaus (ZFM).
A constituição da ZFM, na década de 1960, como política federal para impulso do comércio, agropecuária e indústria via incentivos fiscais, visava gerar empregos e ocupar a Amazônia na estratégia de soberania sobre os territórios. O marco representa o segundo grande capítulo da história da cidade após a borracha, apresentando novos desafios e paradoxos – sociais, ambientais, culturais e econômicos – na convivência com a floresta. É a saga de uma metrópole amazônica em tempos de transformação digital e da informação que viraliza nas redes sociais, onde navega o manauara Clauter Carvalho, coordenador do grupo Minha Manaus, no Facebook, com mais de 14 mil seguidores.
Nas histórias, imagens antigas e curiosidades, o conteúdo retrata ícones da expansão urbana ao longo das décadas. “Devemos nos preocupar em resgatar essa trajetória cunhada pela especulação imobiliária, em nome do progresso. A floresta que foi preservada pode acabar. Sempre ouvia na escola a referência da cidade como pulmão verde, mas isso já passou”, ressalta o influenciador, quando menino habituado ao lazer no Igarapé Petrópolis onde colhia frutas de palmeiras, como o buriti e o tucumã. Hoje, não há mais esse convívio, porque a expansão urbana poluiu águas e derrubou árvores, como as que soçobraram pelo arruamento do Distrito Industrial, no início da década de 1960, para a chegada das fábricas com a ZFM. Por lá, assim como em outras partes da cidade, restaram fragmentos de mata — memória de um passado eloquente e inspiração para o debate de uma nova economia para a Amazônia ao redor.