Uma boa gestão das águas pode beneficiar 48 milhões de pessoas em bacias que são estratégicas para 20% do PIB nacional e para 14 estados
Por Angelo José Rodrigues Lima*
Em 1997, tendo uma ampla participação de atores e instituições, foi aprovada a Política Nacional de Recursos Hídricos. Uma conquista da sociedade brasileira, a lei tem como objetivo garantir água em quantidade e qualidade para todos os usos. Com base nessa política, a gestão das águas deve ser realizada de forma descentralizada e participativa: o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh) é constituído e abre espaço para que os setores públicos, usuários públicos e privados e organizações da sociedade civil dialoguem por meio de instâncias para resolver os desafios e problemas relacionados as águas.
O Singreh é um sistema complexo e ousado, assentado na necessidade de intensa articulação e ação coordenada entre as diferentes esferas, atores e políticas para a sua efetiva implementação, indicando assim que a governança é um elemento importante deste Sistema.
Rapidamente, vários atores se mobilizaram e atualmente o Brasil conta com cerca de 243 Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs), sendo que 10 destes são CBHs em rios de domínio da União, como o CBH São Francisco e o CBH Doce.
Identificando que a governança é um elemento central para obtenção dos resultados de gestão das águas, representantes de organizações da sociedade civil, instituições do poder público e setor privado mobilizaram-se para construir um Sistema de Monitoramento da Governança das Águas.
O Sistema está representado pela construção do Observatório da Governança das Águas (OGA Brasil) que atualmente é uma rede de 61 instituições e 22 pesquisadores e foi construída a ferramenta de monitoramento da governança – o Protocolo de Monitoramento da Governança das Águas, lançado no final de 2019.
Por que monitorar a governança pode beneficiar a população?
A governança prepara a gestão para implementação de programas e projetos. O monitoramento da governança amplia os resultados dos Comitês de Bacias e dos órgãos gestores para garantir água em quantidade e qualidade para todos os usos.
A gestão das águas apresenta uma série de instrumentos de gestão, entre eles os planos de bacias. Ao elaborar os planos de bacia, identifica-se qual é a situação real da bacia e, a partir deste diagnóstico, programas e ações são preparados para garantir água para todos os usos. Além disso, podem ser construídas ações para prevenção com relação a secas e cheias.
Havendo governança, os Comitês de Bacias elaboram seus planos de forma integrada com outras instituições, temas e instrumentos de planejamento de outras políticas públicas. Isso significa que os atores dos comitês estão mais articulados e integrados e que as informações serão transparentes e as mais precisas para uma adequada tomada de decisão sobre a gestão das águas na bacia.
Além disso, a governança prepara os membros do Comitê e do órgão gestor para um olhar integrado e sistêmico sobre os desafios do monitoramento, do desmatamento, do manejo inadequado no uso e ocupação do solo na área urbana e rural. A governança, portanto, é um elemento central para que os mais de 243 comitês de bacias no Brasil tenham ainda mais resultados.
A aplicação do Protocolo de Monitoramento da Governança
Desde o segundo semestre de 2020, o Protocolo vem sendo apresentado às instâncias de gestão das águas no Brasil e, até o momento, 16 CBHs de bacias estratégicas do Brasil e a Companhia de Gestão de Recursos Hídricos do Ceará (Cogerh) aderiram ao monitoramento da governança das águas.
O monitoramento da governança desses comitês e da Cogerh (CE) podem beneficiar cerca de 22% da população brasileira, uma parte do PIB Nacional e grande parte dos PIBs Estaduais.
Tendo governança nestes comitês e no órgão gestor, eles colaboram para garantir segurança hídrica, o desenvolvimento social, econômico e ambiental e das atividades que necessitam do uso da água nestas bacias.
A importância econômica das bacias
Os 16 CBHs e a Cogerh estão em bacias hidrográficas importantes onde se dão diversas atividades econômicas que representam cerca de 20% da arrecadação do PIB nacional e estadual.
A tabela abaixo apresenta a estimativa de valor do PIB com algumas referências nacionais (no caso da Bacia do São Francisco), as referências estaduais (nos casos das Bacias dos rios de domínio do estado) e a arrecadação anual da Cogerh, que tem responsabilidade de executar a gestão em todo o estado do Ceará.
Na tabela, é possível identificar os 16 CBHs que aderiram ao monitoramento da governança, pois estes têm os mesmos nomes das bacias hidrográficas. O grande significado da adesão desses CBHs e da Cogerh ao monitoramento da governança é que estes já perceberam a importância da governança para ampliação dos resultados de gestão e para garantir os múltiplos usos das águas.
A governança ajuda a se antecipar aos desafios de garantir água para todos os usos, mesmo – e principalmente – nos tempos da mudança climática.
*Angelo José Rodrigues Lima é biólogo (UFRRJ), mestre em Planejamento Ambiental (Coppe/UFRJ), Especialista em Recursos Hídricos (UFPB), doutor em Geografia (Unicamp) e atualmente exerce a função de secretário executivo do Observatório da Governança das Águas.
[Foto: RNW/Flickr]