A depender do processo produtivo e do descarte pós-consumo, o bioplástico garante menor pegada de carbono, redução da dependência de recursos fósseis e oportunidade de ter a compostagem como mais uma opção de destinação final ambientalmente adequada
Kim Fabri*
Um dos principais desafios para a preservação do meio ambiente é o que fazer com as 400 milhões de toneladas de plásticos produzidas pela humanidade todos os anos. Dados da Organização das Nações Unidas (ONU) revelam que apenas 10% do plástico é reciclado, enquanto outros 14% são incinerados para gerar energia, liberando CO2 e substâncias químicas. O restante vai para lixões e oceanos, onde leva centenas de anos para se recompor.
Os países estão se mobilizando. Em março do ano passado, a ONU assinou o primeiro acordo internacional de combate aos resíduos plásticos, que inclui 70 países e prevê um cronograma de metas e obrigações até 2024. A União Europeia, por exemplo, editou leis que tornam obrigatória a reciclagem de garrafas e limitam o uso de plástico em embalagens.
Mas será que apenas a reciclagem é suficiente para retirar da natureza esse grande vilão do meio ambiente? Reportagem especial publicada pelo jornal Valor Econômico no último dia 6 de janeiro mostra que apostar todas as fichas na reciclagem de plástico é “como enxugar gelo”. São necessárias, diz a matéria, soluções além das regulamentações atuais.
Estudo divulgado pela revista Science Advances em 2017 já observava que, como a maioria das matérias-primas utilizadas na fabricação de resinas eram de fontes não renováveis e, portanto, dificilmente biodegradáveis, o plástico se acumulou no ambiente, em vez de se decompor, causando inúmeros prejuízos ambientais. A humanidade já produziu mais de 9 bilhões de toneladas de plásticos, conforme dados da ONU.
Um dos caminhos de solução mais simples e imediata pode ser a substituição das resinas tradicionais pelo bioplástico, feito, por exemplo, a partir da cana-de-açúcar, como no Brasil. No lugar de um polímero tradicional, é produzido um biopolímero que, além de desempenhar como plástico em termos de qualidade, pode ser descartado com o lixo orgânico, ou seja, ser compostado em um processo de três a seis meses e virar adubo. A Braskem, por exemplo, oferece o que chama de plástico verde, também feito da cana-de-açúcar. Contudo, no caso da petroquímica, o produto degrada como um plástico comum, ou seja, precisa de centenas de anos.
Eliminar totalmente a produção plástica tradicional no mundo é impossível, pelo menos por enquanto, já que ainda dependemos dos benefícios de isolamento, maleabilidade e baixo valor econômico que o material oferece. Para se ter uma ideia, o mercado mundial de resinas plásticas em 2021 foi de 7,19 bilhões de toneladas, com crescimento anual de 4,3%, de acordo com levantamento do instituto European Bioplastics.
No caso das resinas bioplásticas, foram apenas 2,2 milhões de toneladas também em 2021, mas com um crescimento anual bem maior, de 25%. Ou seja, o bioplástico ainda engatinha no mundo, mas tem cada vez mais chamado a atenção das empresas.
Os investimentos em bioplásticos começaram apenas na última década, diante da necessidade de buscar um substituto ao plástico convencional. Por isso, ainda são pouco utilizados. As plantas grandes de produção de bioplástico, como a existente no Brasil, em Curitiba, só entraram em operação nos últimos anos. Além disso, há ainda uma limitação de disponibilidade de matéria-prima para a produção dos biopolímeros.
Estudos mostram também que o bioplástico e o PLA (termoplástico biodegradável) não contaminam a cadeia de reciclagem de plásticos convencionais. Pesquisa conduzida em 2017 pela Wageningen University demonstrou que adicionar 10% de PLA em cadeias de reciclagem de poliolefinas (termoplásticos de commodities) não tem nenhuma influência nas propriedades em relação a adicionar 10% de PET e PS (plásticos convencionais). O estudo demonstra ainda que nenhum problema específico foi achado na contaminação de PLA na cadeia de PET. Outras substâncias, como o PVC ou EVOH, possuem um impacto muito mais negativo. Além disso, o PLA pode ser reciclado tanto mecânica quanto quimicamente.
Ninguém discorda de que uma mudança gradual é necessária. Não poderemos adiar o enfrentamento das ameaças à vida aquática, aos ecossistemas e à saúde humana. O bioplástico é uma ferramenta importante nessa trajetória, pois, dependendo do processo produtivo e do descarte pós-consumo, garante uma menor pegada de carbono, a redução da dependência de recursos fósseis – como o petróleo – e a oportunidade de ter a compostagem como mais uma opção de destinação final ambientalmente adequada.
Recentemente, o The New York Times noticiou que a Danone, gigante francesa dos laticínios, está sendo processada por três organizações ambientais porque não teria reduzido suficientemente seu impacto ambiental em termos de resíduos plásticos, em um processo judicial que representa um desafio à responsabilidade social das empresas diante da crise do clima.
A Danone – uma das 10 maiores poluidoras do planeta em termos de resíduos plásticos – é acusada de “não cumprir as suas obrigações” sob uma inovadora lei francesa que exige que as grandes empresas lidem com o seu impacto ambiental e abriu caminhos para processá-las caso não o façam.
Os plásticos de base orgânica, feitos a partir de materiais renováveis, poderiam evitar casos como esse, pois oferecem a marcas de todos os segmentos a possibilidade de substituir suas embalagens tradicionais por outros recipientes plásticos para qualquer uso e em qualquer formato, mas tendo em comum o fato de serem totalmente funcionais, biodegradáveis e compostáveis.
Será que é possível reverter os danos ambientais que o plástico tradicional já causou ao nosso planeta e à nossa saúde? De acordo com um estudo de pesquisadores da Suécia, Noruega e Alemanha publicado em julho de 2021 na revista Science, estamos lidando com um problema “pouco reversível” e, por isso, devemos agir o mais rápido que pudermos.
Soluções como o plástico biodegradável podem ser uma das contribuições mais importantes para a preservação do meio ambiente. Não podemos simplesmente aguardar medidas governamentais. É preciso que a sociedade como um todo se mobilize, tanto a indústria como a população em geral, para garantir a sobrevivência da vida no planeta.
*Kim Fabri é graduado em Administração de Empresas pela PUC-PR com MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV-Rio e Programa de Desenvolvimento de Conselheiros pela Fundação Dom Cabral. Presidente e CEO da Earth Renewable Technologies, companhia americana produtora de Biopolímeros. Atuou liderando a companhia no exterior, quando regressou ao Brasil para inaugurar a 1ª planta de BioPolímeros Biodegradáveis da América Latina.