Com o crescente debate sobre minorias, diversidade, equidade e inclusão, a teoria dos fringe stakeholders ganhou fôlego. Politicamente mais fracos, com baixa legitimidade e ideais divergentes com relação à empresa, são geralmente negligenciados em iniciativas multistakeholders. Mas a inclusão desses atores forneceria conhecimento mais profundo sobre como instituições e dinâmicas sociais podem apoiar mudanças ou resistir a elas na transição para a sustentabilidade
Por Mariana Galvão Lyra*
Criada na década de 1980, a teoria de stakeholders (partes interessadas) partiu de uma vertente acadêmica segundo a qual as empresas precisam gerar valor, desenvolver relacionamentos e dialogar com outros atores além dos acionistas e investidores. Esses acadêmicos defendem a ideia de que as empresas atuam em um espaço no qual coabitam comunidades, fornecedores, clientes e órgãos do governo.
De lá pra cá, teoria e prática evoluíram. Empresas, consultores e acadêmicos começaram a trabalhar com esse tema na tentativa de mapear, engajar e gerenciar stakeholders e suas expectativas com relação à empresa. Diante da crescente importância de temas como responsabilidade social e sustentabilidade, produtos e processos corporativos começaram a se institucionalizar. Relatórios de sustentabilidade, relacionamento com comunidades de entorno e impactos sociais e ambientais ao longo da cadeia de fornecedores passaram a ser comuns em grandes empresas.
Juntamente com essas novas demandas, aumentou a complexidade que envolve cada stakeholder: cada um possui seu próprio interesse, muitas vezes em conflito com os interesses da empresa, e também em não-sintonia com outros stakeholders.
A teoria de criação de valor compartilhado, por exemplo, enfatiza em demasia os relacionamentos positivos que a empresa tem ou pode ter com stakeholders, e recomenda que a empresa foque nesses tipos de relacionamento para agregar valor não só à sociedade, mas também – e principalmente – ao próprio negócio daquela empresa.
Tanto a teoria de stakeholders quanto a prática gerencial ainda têm dificuldades para estabelecer critérios e processos que envolvam todos os tipos de atores, para além dos que podem gerar mais valor para a empresa.
Mas, e quanto aos casos mais negativos, críticos e complexos – aqueles que nem sempre são capazes de automaticamente gerar um valor ou uma imagem positiva para a empresa? A esses stakeholders alguns teóricos deram a denominação de “marginais”. Eles não ameaçam fortemente a empresa e, ao mesmo tempo, não são necessariamente cooperativos. A recomendação geral para gerenciá-los é monitorar as questões que levantam, mas só intensificar o uso de recursos e atenção caso essas questões sejam diretamente afetadas por alguma decisão estratégica da empresa.
Na prática, a gestão de stakeholders marginais ficou, como o nome sugere, à margem. Entretanto, mais recentemente, com o crescente debate sobre minorias, diversidade, equidade e inclusão, a teoria de stakeholders ganhou um novo e pequeno fôlego teórico, com artigos discutindo o conceito e características dos fringe stakeholders (stakeholders periféricos, que estão nas franjas da sociedade). Estes são os mais pobres, politicamente mais fracos, com baixa legitimidade e ideais divergentes com relação à empresa.
Muitas vezes, os periféricos não têm inclinação a colaborar com a empresa, pois são atores que questionam as atuais estruturas da sociedade e as formas pelas quais governos, empresas, pesquisadores e outros em posições de poder na sociedade buscam solucionar e resolver crises relacionadas à sustentabilidade. Ativistas e grupos de resistência local são comumente vistos como intransigentes e questionadores do status quo, mesmo que tenham poucos recursos, legitimidade e influência.
Assim como o conceito e práticas envolvendo stakeholders, o alinhamento de empresas a temas relacionados ao desenvolvimento sustentável é algo relativamente recente, mas que cresceu bastante em termos de relevância nos últimos 20 anos. Ao mesmo tempo em que empresas buscam explicar como suas práticas estão cada vez mais sustentáveis, questiona-se se o nível corporativo é um bom indicador de gerenciamento de impactos que possuem escala global.
Junto a isso vem a certeza de que esforços em prol de transições para sustentabilidade se desencadeiam em mudanças sistêmicas tecnológicas, mas também, sociais e culturais, com impactos diretos nas rotinas de instituições e crenças pessoais. Isso significa que essas transições não são capazes de oferecer oportunidades iguais ou impactos positivos para todos. Assim, desigualdades sociais e ambientais ligadas às transições para a sustentabilidade merecem nossa atenção.
É o ponto que os teóricos sobre stakeholders da periferia querem frisar. Em iniciativas e abordagens multistakeholders, os periféricos são negligenciados. Nos mapeamentos de stakeholders corporativos, também. A inclusão desse grupo de atores forneceria um melhor entendimento das visões críticas sobre as instituições e um conhecimento mais profundo sobre como instituições e dinâmicas sociais podem apoiar as mudanças ou resistir a elas na transição para a sustentabilidade.
Algumas teorias têm discutido a relevância de incluir mais iniciativas de “baixo pra cima” em meio aos esforços tão massivos que acontecem de “cima pra baixo”. Outras iniciativas enfatizam o impacto dos trabalhos de base comunitária ou a inclusão da visão de usuários mais vulneráveis em iniciativas de sustentabilidade.
Como, então, incluir e dar voz aos stakeholders periféricos? Tudo começa no mapeamento. As recomendações são: seja apreciativo e abrangente e use conceitos que vão além dos atores que possuem mais saliência. Depois, durante a interação, seja criativo, use diferentes metodologias e técnicas para que os participantes se sintam à vontade para se expressar, sempre considerando as relações de poder que possam existir, e como reduzi-las ou neutralizá-las para que todos tenham espaço e voz.
Por fim, tenha um olhar atento e menos centrado na empresa. Inverta prioridades e aprecie um pouco mais a perspectiva dos stakeholders periféricos antes de contrabalançar esses pontos com os de partes interessadas mais poderosas e influentes. Busque engajar-se em diálogos com os mais vulneráveis.
Ao cruzar essas barreiras no pensar e agir de forma inclusiva, as chances de contribuir para transições de sustentabilidade de forma mais justa e válida aumentam, assim como o reconhecimento das estruturas de poder e privilégio existentes nessas discussões e iniciativas.
“Das feridas/Que a pobreza cria/Sou o pus/Sou o que de resto/Restaria aos urubus/Pus por isso mesmo/Este blusão carniça/Fiz no rosto/Este make-up pó caliça/Quis trazer assim/Nossa desgraça à luz” (Gilberto Gil ~ Punk da Periferia, 1983)
Mariana Galvão Lyra é pós-doc na LUT Business School, Universidade Tecnológica de Lappeenranta, Finlândia
Galvão Lyra, M. and Lehtimäki, H. (2023 no prelo). In the margins of stakeholder engagement: Fringe stakeholders’ inclusion in sustainability transition initiatives. In: Stakeholder Engagement in Sustainable Circular Economy: Theoretical, Methodological and Practical Perspectives. Edited by Johanna Kujala, Anna Heikkinen, Annika Blomberg. Palgrave MacMillan.