Evento promovido pela rede Uma Concertação pela Amazônia, em parceria com Página22, mostra como a inovação e uma boa dose de financiamento estão conseguindo aprimorar as cadeias produtivas de empreendimentos nos estados amazônicos
Por Magali Cabral
José Claudio Balducci tinha uma pequena fábrica de polpa e sorbet de açaí em Macapá, no Amapá, muito lucrativa. Um dia ele decidiu “sair da caixa” e criar uma startup, mas não sem antes passar por um MBA na Fundação Getulio Vargas, de onde mergulhou no mundo da inovação. Dessa inquietude de Balducci nasceu a Amazonly, a primeira indústria legalmente apta à extração, beneficiamento e comercialização de manteigas e óleos vegetais derivados de sementes florestais, muito usados na fabricação de cosméticos.
Nesse processo, o empresário abraçou tão fortemente a ideia de seguir injetando inovação nos negócios, que hoje ele mesmo se espanta com a velocidade com a qual novos empreendimentos dentro de sua própria cadeia produtiva estão se tornando realidade.
Nem era para menos. Balducci fez tudo como mandava o figurino. Alinhou-se a todos os atores envolvidos na cadeia extrativista de sementes: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, ICMBio, Resex Cajari, além de importantes lideranças do estado. Mal inaugurou essa planta e já retomou a segunda parceria técnica e financeira com a Associação Brasileira de Pesquisa em Inovação Industrial (Embrapii), o BNDES e a Senai Química Verde para levar adiante um novo projeto: a construção de uma biorrefinaria que fará o tratamento dos resíduos oriundos da sua produção de óleos e manteigas vegetais.
Dos resíduos, a Amazonly vai gerar novos produtos de valor agregado muito demandados no mercado europeu, como biochar e biocarvão ativado, usados na fertilização do solo e na fabricação de cosméticos, respectivamente, entre várias outras aplicações.
A história de Balducci retrata na prática o objetivo do webinar O valor da inovação para o desenvolvimento das Amazônias, realizado em 24 de abril pela rede Uma Concertação pela Amazônia, em parceria com a Página22 e a Embrapii: mostrar que a inovação é chave para qualquer empreendedor dar o salto tecnológico de que muitas vezes precisa para gerar mais valor agregado ao seu produto e, consequentemente, mais riqueza local, conciliando produção com conservação de florestas.
O webinar, mediado pela secretária executiva da Concertação, Lívia Pagotto, foi o primeiro da série Notas Amazônicas, que se desenrolará ao longo de 2023, com temas pertinentes ao desenvolvimento sustentável da região. O evento contou com a participação de representantes da Embrapii, do BNDES, do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), além do próprio José Cláudio Balducci.
Apoiar a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) tem sido foco do BNDES, que no evento foi representado pela gerente no Departamento de Gestão do Fundo Amazônia, Thaissa Ferreira de Sousa. Ela aponta os principais desafios a serem superados para que o potencial da bioeconomia amazônica transforme em realidade o desenvolvimento sustentável da região.
São desafios que demandam uma atuação coordenada em diversas frentes, desde ações de regularização fundiária a investimentos robustos em infraestrutura básica, em saúde, em educação, em conectividade. Lembrando que não haverá floresta em pé sem monitoramento e controle e sem cadeias produtivas muito bem estruturadas no campo da economia florestal ou bioeconomia. “No BNDES, trabalhamos com um conceito de economia florestal, cujo intuito é a conservação de florestas nativas e o desenvolvimento de cadeias produtivas mais inclusivas”, explica. No atual momento, segundo Sousa, o apoio à CT&I tem sido peça chave para o enfrentamento de muitos desses desafios.
Ela destaca que “é muito difícil pensar em ampliar a competitividade dos produtos nativos sem apoiar a inovação e sem pensar na qualidade do monitoramento e controle, principalmente no que diz respeito à Amazônia florestal sob pressão – uma das várias Amazônias de que se tem falado”.
Além da Amazônia florestal, que se refere às áreas pouco ou nada impactadas pela ação humana, há a Amazônia em transição, com ação antrópica em curso mas com muita chance de uso sustentável dos recursos naturais; a Amazônia convertida, que já teve maior exposição às ações antrópicas e atualmente encontra-se em processo de regeneração; e a Amazônia urbana, onde estão cidades e povoações. Taissa de Sousa lembra que entre as principais exigências do mercado externo está a transparência do processo produtivo das mercadorias ofertadas.
Capilaridade
O BNDES possui várias linhas de financiamento para a estruturação de cadeias produtivas silvícolas, quase todas não reembolsáveis, ou seja, a fundo perdido. Faltava-lhe, porém, a capilaridade para que os recursos chegassem aos territórios mais necessitados da região amazônica. O encontro do banco com a Embrapii, organização social qualificada pelo governo federal para apoiar instituições de pesquisa tecnológica e fomentar a inovação na indústria brasileira, deu origem a uma parceria bastante estratégica nesse sentido.
Um dos instrumentos financeiros do BNDES, o Fundo Tecnológico (Funtec), via de regra, destinava recursos a projetos de grande porte com alto risco tecnológico a centros tecnológicos e empresas com intuito de levar conhecimento da academia para o mercado. A parceria com a Embrapii proporcionou a oportunidade para que esses recursos alcançassem projetos e empresas de menor porte. “De certa forma, estamos conseguindo interiorizar a CT&I na Amazônia, o que significa vencer o grande desafio de dar maior celeridade ao processo de contratação de projetos na região”, comemora (leia mais em box).
A parceria firmada com o BNDES, na opinião do gerente de Mobilização Empresarial da Embrapii, José Menezes, trouxe condições especiais para financiar projetos de inovação de empreendedores, cooperativas e pequenas indústrias da Amazônia. “A Embrapii existe para fazer a aproximação entre pesquisa de excelência e empreendedorismo inovador”, define.
Como funciona
Para conhecer mais profundamente as demandas do território amazônico por inovação e levar as soluções, a Embrapii firmou parceria com o Idesam. Um pequeno empresário como Claudio Balducci, que precisa vencer o desafio tecnológico de criar novos produtos com valor agregado a partir dos resíduos de sua fábrica, pode chegar à Embrapii por meio do Idesam ou de uma das 96 unidades tecnológicas credenciadas na Embrapii que tenha a competência tecnológica específica de que precisa. No caso de Balducci, foi o Instituto Senai de Inovação em Química Verde, do Rio de Janeiro.
Utilizando recursos do BNDES, como os do Funtec, a Embrapii aporta até 50% do valor total do custo da pesquisa para que o centro tecnológico encontre soluções ao desafio apresentado. Parte do restante para cobrir o custo da pesquisa pode vir de instituições, como o Senai ou Sebrae, por exemplo. “E tudo isso – pontua Menezes – sem a necessidade de o empreendedor responder a editais nem tampouco submeter seu projeto a bancas examinadoras”. Segundo ele, custe R$ 100 mil ou R$ 2 milhões, o tempo médio entre esse primeiro contato e o início dos trabalhos dos centros tecnológicos é de apenas um mês.
“Nosso modelo parte do princípio de que o setor empresarial privado precisa se tornar mais inovador”, afirma o diretor interino de Planejamento e Relações Institucionais da Embrapii, Fabio Stallivieri. “Até hoje já apoiamos mais de 2 mil projetos em todo o País, totalizando R$ 2,8 bilhões em recursos não reembolsáveis”.
Segundo Stallivieri, desse total de projetos, mais da metade está vinculada a inovações verdes e tecnologias com um grau de sustentabilidade, tanto para conservação do meio ambiente como para os métodos de exploração. E 88% estão vinculados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A Embrapii atua em todo o Brasil e, de acordo com Stallivieri, foi a parceria com o BNDES que ajudou o órgão a intensificar a linha da economia florestal. “Conseguimos criar modelos de financiamento muito atrativos para empresas da Região Norte dispostas a inovar”, informa.
Inclusão socioprodutiva
Sem tirar o mérito das ações de apoio tecnológico, que fortalecem elos das cadeias produtivas, o diretor de Inovação em Bioeconomia do Idesam e coordenador do Programa Prioritário de Bioeconomia (PPBio), Carlos Koury, acrescenta que o conhecimento tecnológico precisa se estender por todo o processo de produção e não apenas na solução de gargalos.
“Teremos mais chance de ver um desenvolvimento sustentável com base na bioeconomia acontecer efetivamente na Amazônia se a tecnologia estiver presente desde a inclusão socioprodutiva, passando pela solução de gargalos e chegando ao incremento tecnológico e à agregação de valor”, afirma Koury.
Para ilustrar, ele cita o projeto Café Apuí Agroflorestal, um caso de sucesso em Apuí, cidade no sul do Amazonas, que recuperou a produção de um cafezal abandonado com o uso da Integração Lavoura Floresta, e que hoje beneficia mais de 30 famílias. “O café Apuí Agroflorestal e o café Apuí Orgânico são produtos com valor agregado, lucrativos, com uma base inclusiva e sustentável. Esse projeto une o conhecimento tradicional e a modernidade que a academia hoje oferece para se trabalhar no solo tropical.”
Koury destaca ainda o papel do PPBio, cuja missão é justamente descentralizar a produção científica, ajudando a aportar recursos para enriquecer as cadeias produtivas locais. “O PPBio tem uma iniciativa de criação de um modelo similar ao blended finance do BNDES Socioambiental. Juntos, Embrapii, BNDES e PPBio conseguem fortalecer os negócios de impacto na Amazônia”. Essa parceria pode ajudar a acelerar os processos de financiamento para a inovação, pois o mundo globalizado está evoluindo muito mais rapidamente do que o interior da Amazônia consegue acompanhar.
Nesse caso, José Claudio Balducci é uma exceção. Ele sabe que, para alcançar o mercado externo, precisa fazer a Amazonly crescer rapidamente mas de forma sustentável, valorizando seus stakeholders e sem agredir o meio ambiente. Para não deixar brechas, Balducci afirma ter fechado parceria com o ICMBio, uma garantia de vem trabalhando com os extrativistas de forma justa.
“Sem os quilombolas do Oiapoque eu não consigo operar. Consegui também a anuência da The Nature Conservancy (TNC), um importante organismo internacional da sociedade civil de conservação ambiental, para o meu projeto”, conta.
O mesmo reconhecimento que atribui ao extrativismo, Balducci confere à parceria com BNDES, Embrapii e Senai Química Verde, que não só trouxeram as soluções para a concretização da fábrica de óleo e manteiga vegetais, como em menos de dois meses traçaram as rotas da planta da biorrefinaria, com inauguração prevista para o primeiro trimestre de 2024.
Suas metas daqui para a frente? Ganhar escala, continuar verticalizando a produção, entrar para o “clube” das indústrias net zero (com emissões líquidas de carbono iguais a zero) e conquistar o mundo.
Novos instrumentos de fomento A gerente no Departamento de Gestão do Fundo Amazônia, Taissa de Sousa, assinala outros instrumentos financeiros e tecnológicos do BNDES que podem contribuir com o fomento do desenvolvimento sustentável na Amazônia. O próprio Fundo Amazônia e o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) estão entre eles. Ambos podem financiar novas tecnologias de monitoramento e controle na região. Ainda nessa área, ela cita a Plataforma Brazil Datacube, atualmente em fase de consulta pública, que irá processar e analisar, por meio de inteligência artificial, grandes volumes de imagens de observação da Terra. Segundo a gerente, a Datacube fará uma grande diferença nas pesquisas sobre o uso do solo e seus impactos. Recentemente, o banco lançou o BNDES Blended Finance, que tem a economia florestal como uma de suas vertentes. O foco desse instrumento, de acordo com Sousa, é apoiar estruturas de finanças híbridas, que usam capital não reembolsável, na alavancagem de capital comercial privado para a realização de projetos com impacto socioambiental. |