Recursos de US$ 2,5 mi financiam programa de pesquisa sobre espécies florestais nativas de alto valor econômico e produtivo. Com duração inicial de 20 anos, foi lançado pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e parceiros. A seguir, informações prestadas pela entidade
Embora as espécies de árvores nativas dos biomas da Amazônia e da Mata Atlântica tenham um papel central para o cumprimento das metas brasileiras em conservação, restauração e bioeconomia, elas não têm se beneficiado das iniciativas de pesquisa e desenvolvimento proporcionadas às espécies exóticas. É preciso aumentar o rendimento e qualidade das espécies nativas, além de otimizar os custos de produção e gestão. Para isso, o Bezos Earth Fund está apoiando um projeto pioneiro focado no aprimoramento de espécies nativas da Amazônia e da Mata Atlântica, por meio de uma doação de US$ 2,5 milhões.
Os recursos apoiarão o Programa de Pesquisa e Desenvolvimento de Silvicultura de Espécies Nativas (PP&D-SEN), um projeto com duração inicial de 20 anos, lançado em 2021 pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura com o apoio de diversos parceiros. A doação é proveniente do Bezos Earth Fund e fortalecerá a proposta do programa, que está em fase de estruturação e negociação com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O PP&D-SEN é o primeiro programa nacional de pesquisa e desenvolvimento com espécies florestais nativas de alto valor econômico e produtivo. Ele conecta instituições de pesquisa, universidades, empresas, governos, sociedade civil e financiadores, formando uma rede que trabalha para promover inovações e desenvolvimento tecnológico necessário para o estabelecimento da silvicultura de espécies nativas em escala comparável à dos principais setores agroindustriais brasileiros.
Os recursos da Bezos Earth Fund serão empregados ao longo dos próximos três anos para viabilizar algumas atividades do PP&D-SEN sob responsabilidade do Parque Científico Tecnológico do Sul da Bahia (PCTSul), em parceria com a Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e a Coalizão Brasil.
Entre essas atividades, estão a implantação de dois sítios de pesquisa em áreas de parceiros do projeto e a realização de coleta de dados e estudos em um campo experimental que foi implantado nas últimas décadas. Também serão elaborados mapas de áreas prioritárias para plantio de espécies nativas, modelos de negócios e propostas de melhoria da gestão e conservação de áreas protegidas e seus entornos – sempre priorizando espécies arbóreas nativas de alto valor econômico e produtivo.
Segundo Daniel Piotto, professor da UFSB e cientista principal do projeto junto ao PCTSul, o investimento vai permitir um salto na silvicultura de espécies nativas no Brasil, com a instalação de experimentos voltados para produção de madeiras nativas de alto valor comercial e disseminação de tecnologias que permitirão ampliar as opções de produção de madeiras para produtores rurais e investidores na Mata Atlântica e Amazônia. Uma das principais missões do parque científico e tecnológico é oferecer alternativas para conciliar a produção de bens com a conservação da rica biodiversidade da região.
“O Sul da Bahia já concentra um grande polo de produção florestal de eucalipto e, mais recentemente, tem se tornado um hotspot para vários investimentos voltados para instalação de projetos de sequestro de carbono e produção de madeiras nobres através da restauração e de reflorestamento misto de espécies nativas e sistemas agroflorestais”, explica Piotto.
Segundo ele, os resultados do programa de P&D vão alavancar essas iniciativas e trazer muitos investimentos para produção florestal na região. O apoio do Bezos Earth Fund também viabilizará o desenvolvimento e a divulgação de modelos de silvicultura de espécies nativas e restauração produtiva para as zonas de amortecimento de áreas protegidas, visando reduzir a pressão de desmatamento e degradação e melhorar a biodiversidade no território. Estão previstos ainda o desenvolvimento e a divulgação de pacotes de investimentos para potenciais investidores públicos e privados, com o objetivo de melhorar a gestão e a conservação de áreas protegidas nos biomas Amazônia e Mata Atlântica.
Estão previstas atividades de treinamento e capacitação para disseminar os conhecimentos adquiridos, que também serão utilizados para aprimorar propostas de políticas públicas para o Ministério do Meio Ambiente, o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre outros.
Colíder da Força-Tarefa Silvicultura de Nativas da Coalizão Brasil e consultor sênior do WRI Brasil, Miguel Calmon avalia que esta atividade econômica tem potencial comparável com o de importantes commodities, como soja e milho.
“O alto valor e a grande demanda nacional e internacional por madeiras nobres permitem que o investimento em reflorestamento gere lucro ao investidor, comunidades e proprietários rurais. Este é um dos melhores exemplos de como o desenvolvimento econômico pode ser alinhado à preservação ambiental”, diz Calmon.
Cristián Samper, diretor executivo e líder de Soluções para a Natureza no Bezos Earth Fund, acrescenta que as espécies de árvores nativas são essenciais para o enriquecimento, conservação e restauração das florestas, proporcionando os máximos benefícios para o sequestro de carbono e proteção da natureza.
“Mas, por muito tempo, as espécies nativas foram ignoradas, enquanto as espécies exóticas se beneficiaram de décadas de investimento privado. Nossa parceria com o PCTSul e a Coalizão Brasil começará a reduzir a lacuna de pesquisa e coleta de dados sobre as espécies nativas. Vamos aplicar essas descobertas para obter resultados de conservação e restauração mais eficazes”, afirma Samper.
Nova fronteira da silvicultura nacional
Em 2021, os principais exportadores de produtos de madeira foram Canadá (US$ 22,5 bilhões), China (U$ 20,5 bilhões), Alemanha (US$ 13,3 bilhões), Rússia (US$ 12 bilhões) e Estados Unidos (US$ 9,82 bilhões). O Brasil ficou bem atrás, com apenas U$ 4,6 bilhões em exportações, ou 2,37% do total de US$ 194 bilhões comercializados pelo mercado internacional de produtos madeireiros.
Além da pouca quantidade exportada, o Brasil tem um portfólio limitado: atualmente, a silvicultura nacional prioriza espécies como eucalipto, pinus e teca que, nos últimos 40 anos, foram objeto de um trabalho de P&D que resultou em sistemas de gerenciamento mais eficientes e em maiores rendimentos. Essas exóticas, junto com apenas duas nativas (araucária e paricá), respondem por 91% de toda a madeira produzida para fins industriais no País, segundo o Instituto Brasileiro de Árvores (Ibá) apenas 9% vêm de florestas naturais legalmente manejadas.
O interesse internacional por madeiras nobres, de espécies nativas, é explicitado pela exploração ilegal que avança sobre as florestas. Embora não existam dados oficiais, estima-se que até 90% das madeiras exportadas sejam extraídas irregularmente – ou seja, não pagam impostos, não geram empregos de qualidade, fomentam o desmatamento e comprometem a imagem internacional do Brasil.
Ao mesmo tempo, o País possui cerca de 50 milhões de hectares de pastagens degradadas com baixa aptidão para a agricultura e que poderiam ser recuperados com a silvicultura de espécies nativas, gerando uma nova oportunidade de renda para os produtores.
Como o PP&D-SEN funciona
O PP&D-SEN concebe projetos de pesquisa em três áreas prioritárias: produção florestal, meio ambiente e paisagem, e dimensões humanas.
A área de produção florestal conta com três linhas de pesquisa focadas em temas prioritários, como melhoramento florestal, por exemplo. Esse tema inclui biologia molecular, com propagação vegetativa e sementes/mudas. A linha de manejo florestal cobre ecofisiologia, modelagem florestal, práticas silviculturais e zoneamento topoclimático. A linha de tecnologia de produtos florestais, por sua vez, dedica-se a produtos madeireiros e não-madeireiros.
A área de meio ambiente e paisagem tem duas frentes de pesquisa: serviços ecossistêmicos, e biodiversidade. Na área de dimensões humanas ficam as pesquisas sobre socioeconomia e políticas públicas. A primeira desenvolve análises de custos, estudos sobre a geração de empregos, produtos e os mercados. Em políticas públicas, as prioridades são Código Florestal e marco regulatório. Além da pesquisa, o programa baseia-se em outros dois pilares: capacitação e comunicação.
Ao todo, 30 espécies da Amazônia e da Mata Atlântica foram priorizadas para este programa, devido ao alto valor econômico para a silvicultura de nativas.
Espera-se que o escalonamento da área de plantios silviculturais e a adoção das práticas e inovações resultantes deste programa contribuirão para atender a demanda por madeira tropical, recuperar os 12 milhões de hectares de áreas degradadas até 2030 e aumentar o sequestro e estoque de carbono, gerando milhares de empregos e melhorando os meios de subsistência nas áreas rurais.