País provocará discussões sobre metas para redução das emissões de gases de efeito estufa, mas será cobrado a se posicionar em questões como exploração de combustíveis fósseis e agricultura de baixo carbono
Por Renato Grandelle
A delegação brasileira que aterrissará em Dubai na Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança Climática, a COP 28, terá de se multiplicar para dar conta do leque de agendas do encontro e retomar o protagonismo nas negociações internacionais, perdido nas cúpulas ocorridas durante o governo de Jair Bolsonaro. Lula e seu primeiro escalão levarão debaixo de braço a revisão de sua meta climática, a NDC, e o resultado do Prodes, que constatou a queda do desmatamento da Amazônia em 22% nos últimos 12 meses. Ainda não se sabe, entretanto, se poderá exibir a regulação do mercado brasileiro de carbono, cujo projeto de lei ainda tramita na Câmara dos Deputados.
A missão brasileira é complexa. O País quer retomar seu posto de intermediador entre o G77, bloco dos países em desenvolvimento, e as nações desenvolvidas, capitaneadas por Estados Unidos e União Europeia. Em agosto, o governo Lula tentou mostrar coesão entre o Brasil e seus vizinhos na Cúpula da Amazônia. O encontro, no entanto, foi parcialmente marcado pela disputa pelos holofotes com a Colômbia, que constrangeu o Brasil ao defender publicamente o fim da exploração de petróleo na região da floresta.
Bogotá, assim, pisou no calo do Palácio do Planalto, que se via no meio de um fogo cruzado entre os ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Minas e Energia, após o Ibama rejeitar um pedido de exploração de petróleo na margem equatorial do País feito pela Petrobras. A ala política do governo posicionou-se contra Marina Silva, que, apesar de liderar o MMA, exerce um papel coadjuvante em temas importantes da pasta. É o caso do fomento à bioeconomia e da transição energética, que estão sob o guarda-chuva do Plano de Transformação Ecológica, capitaneado pelo Ministério da Fazenda. Já a política climática tem influência crescente do Itamaraty.
Os combustíveis fósseis, aliás, são o calcanhar de Aquiles dos Emirados Árabes Unidos, anfitrião da COP 28. Mais uma vez, o Brasil deve ser instado pela sociedade civil a adotar um discurso assertivo contra fontes de energia poluentes. Esta postura, no entanto, não seria consenso dentro do próprio governo.
“O Ministério do Meio Ambiente resiste à pressão da indústria (petroleira), mas há empresas brasileiras que fazem um lobby profundo para a exploração desses recursos na Amazônia”, avalia Diego Casaes, diretor de campanhas da rede de mobilização social Avaaz. “O Brasil deverá alinhar-se com China e Índia e defender um phase down (redução) do uso de combustíveis fósseis, e não um phase out (abandono).”
Financiamento climático
Casaes elogia a posição brasileira em prol do financiamento climático, que pode levar a recursos para mitigação e adaptação à mudança do clima nos países em desenvolvimento.
Diretora de Políticas Públicas e Relações Governamentais da The Nature Conservancy Brazil, Karen Oliveira avalia que o financiamento é “uma eterna questão” nas cúpulas climáticas, que ganha corpo no momento em que medidas de adaptação tornam-se cada vez mais necessárias.
Um relatório divulgado em agosto pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) alertou que, mantido o atual ritmo de devastação da Amazônia, mais de 2 milhões de quilômetros quadrados do bioma podem atingir o ponto de não retorno até 2029, em um acelerado processo de savanização.
“Eu me pergunto se já não estamos vivendo o ponto de não retorno da Amazônia e a seca decorrente. É importante, então, que os recursos cheguem no chão e que não fiquemos restritos a compromissos”, atenta Oliveira. “Ao abordarmos a adaptação, precisamos levar em conta o impacto do agravamento da crise climática sobre povos indígenas, comunidades tradicionais e as periferias.”
Marcas do colapso climático também podem ser enxergadas em outros biomas. Em novembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) identificaram, no norte da Bahia, uma região brasileira com clima árido, semelhante ao de desertos. Esta foi o primeiro registro do tipo já realizado no País.
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, destaca que o Brasil terá de se fazer presente em diversos temas na COP, inclusive em nível ministerial. Entre as principais questões a serem abordadas estão a transição energética, a operacionalização do Fundo de Perdas e Danos, o Global Stocktake (GST) – um balanço global das metas climáticas – e o Objetivo Global de Adaptação, que tem como compromisso reduzir a vulnerabilidade às alterações do clima.
Unterstell avalia que o Brasil terá papel ativo no debate provocado pelo GST. Sua expectativa é que o País comece a trabalhar, em breve, no estabelecimento das metas para redução das emissões que valerão entre 2030 e 2035.
O Brasil, no entanto, deve ter uma participação mais discreta nas negociações relacionadas a perdas e danos. Espera-se, ainda, saber como será seu envolvimento no debate ligado à transição dos sistemas alimentares, visando o incentivo à agricultura de baixo carbono. A presidência da COP pretende angariar apoio para uma declaração sobre o tema.
Para Unterstell, o Brasil precisará aderir à iniciativa, já que é um dos maiores produtores de alimento do mundo – uma posição contrária poderia comprometer a imagem do País no cenário internacional.
Para além de questões centrais ao governo, como a busca por maior ambição climática de outras nações, o País deverá responder, ainda, as demandas trazidas por outros Estados.
“O Brasil levará uma grande delegação, provavelmente a maior de todos os tempos, e quer se posicionar como um elo entre as nações”, destaca a presidente do Instituto Talanoa. “Terá, ainda, a possibilidade de avançar em Isso pode significar uma abertura para agendas em que estamos parados. A ministra da Saúde (Nísia Trindade), por exemplo, irá a Dubai. É um bom sinal, já que nosso sistema de saúde não conta com nada relacionado à adaptação climática.”