Três das seis missões do programa Nova Indústria Brasil contemplam aspectos da economia circular, o que é bem-visto por Luisa Santiago, diretora-executiva da Fundação Ellen MacArthur na América Latina. Mas, em sua avaliação, há espaço para avançar nos instrumentos que causarão mudanças ainda mais sistêmicas, como políticas públicas de estímulo ao reparo, ao recondicionamento e à remanufatura
Por Amália Safatle
Contexto: Em 22 de janeiro de 2024, o Governo brasileiro lançou o programa Nova Indústria Brasil (NIB). No plano de ação, com metas até 2026 para a neoindustrialização, os objetivos detalhados incluem o estímulo a longo prazo do progresso técnico e, consequentemente, a produtividade e competitividade nacionais, visando gerar empregos de qualidade, aproveitar as vantagens competitivas do País e reposicionar o Brasil no comércio internacional. A NIB apresenta seis missões em diferentes setores da economia brasileira para que seus objetivos sejam alcançados, sendo três relacionadas à economia circular:
Missão 1: Cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética
Missão 3: Infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis para a integração produtiva e o bem-estar nas cidades
Missão 5: Bioeconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas para garantir os recursos para as gerações futuras
Diante disso, Página22 propôs Três Perguntas Para…
Luisa Santiago, diretora-executiva da Fundação Ellen MacArthur na América Latina
1:
Em sua avaliação, a implementação de uma economia circular está devidamente contemplada nas missões 1, 3 e 5 definidas pelo programa Nova Indústria Brasil? O que ficou faltando ou precisa melhorar?
É excelente ver que, dentro de um programa para modernizar a indústria brasileira, o governo levou em consideração aspectos da economia circular em três das suas missões. Vemos, por exemplo, a Estratégia Nacional de Economia Circular como um dos principais instrumentos para o avanço do plano. A unificação dos processos de logística reversa também é importante e pode potencializar outras cadeias reversas, como, por exemplo, a de reuso de materiais. Há ainda espaço para avançar nos instrumentos que causarão mudanças ainda mais sistêmicas, como políticas públicas de estímulo ao reparo, ao recondicionamento e à remanufatura [conheça o significado neste glossário]. Remanufaturar [ou refabricar] é, inclusive, uma oportunidade econômica que pode ser mais bem aproveitada quando pensamos a neoindustrialização. É uma das estratégias mais eficientes para preservar o valor dos produtos e seus materiais e que gera empregos de maior remuneração. O Brasil tem potencial para ter um parque industrial pujante de remanufatura.
2:
Quais as chances de essas diretrizes virarem realidade no curto a médio prazo?
O governo acertou ao lançar um programa ousado, com peso político e investimento robusto – o que vai ao encontro de um dos objetivos das políticas para a economia circular, que é o de criar condições econômicas favoráveis à transição [de um sistema linear para o circular]. Dadas essas condições, a expectativa de que o plano se torne realidade é boa. Identificamos que o avanço da Estratégia Nacional de Economia Circular será um dos pontos mais importantes para acelerar essa transição no Brasil.
3:
Em janeiro, o jornal Financial Times publicou reportagem mostrando que a abundância de resinas novas, provocada pela escalada da produção na China e nos EUA, levou a um excesso de oferta, tornando o uso de resina reciclada ainda menos vantajoso. Que implicações isso traz para a economia circular de produtos e embalagens plásticas, inclusive no Brasil, e de que forma isso afeta os compromissos assumidos pelas empresas?
Essas variações de preços das matérias primas recicladas reforçam que, embora seja necessária, a reciclagem não é a melhor estratégia para reduzir a poluição por plásticos ou por outros materiais. É fundamental e mais importante priorizar as soluções que deixam de colocar na economia mais desses materiais que eventualmente se tornam resíduos. Essas soluções incluem os modelos de reúso ou reutilização e inovações de design que eliminam a necessidade desses materiais. Além de mais eficientes contra a poluição, essas estratégias trazem melhor retorno econômico no longo prazo, maior resiliência às empresas e empregos de melhor qualidade.
[Este conteúdo inaugura a seção “Três perguntas para…”, voltada a ouvir especialistas sobre temas quentes da sustentabilidade]