DEU NA PÁGINA22…há 15 anos
Um pouco de História ajuda a contextualizar o massacre na Faixa de Gaza, em resposta à ação terrorista do Hamas contra israelenses, em outubro de 2023
Por Magali Cabral
“Mesmo que hoje se criasse um Estado palestino, isso não apaziguaria o conflito, porque seria um Estado muito aquém das exigências palestinas”. As aspas são da historiadora Arlene Clemesha, professora de História Árabe do Departamento de Letras Orientais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e atual diretora do Centro de Estudos Árabes da USP, e não são recentes. Foram extraídas de entrevista intitulada “Ocupantes e ocupados”, concedida à Página22, em 2009
Essas exigências não seriam só da Autoridade Palestina, ou da então Organização para Libertação da Palestina (OLP), ou de algum partido, mas da população. “Não se fala muito, mas há uma sociedade civil organizada na Palestina. Isso tem um peso político muito importante”, disse ela à época. Segundo a historiadora, são reivindicações complicadas de implementar, mas simples de resumir:
Primeiro: estabelecer um Estado palestino com as fronteiras na linha de armistício de 1949, a chamada Linha Verde. Hoje, o muro que Israel construiu está além da Linha Verde, cobrindo 10% do território da Cisjordânia. Ou seja, estabelecer um Estado palestino com territórios na Faixa de Gaza, mais a Cisjordânia e a fronteira na Linha Verde.
Segundo: isso significa que a Jerusalém Oriental é palestina e a Jerusalém Ocidental, israelense. Só que hoje Israel ocupa toda a Jerusalém. Inclusive, a comunidade internacional não reconhece Jerusalém como capital de Israel, tanto que a capital é Tel-Aviv.
Terceiro: o direito de retorno dos refugiados. A UNRWA, agência da ONU para refugiados palestinos, registra 5 milhões e meio de refugiados [hoje em torno de 6 milhões]. Com isso, o Estado israelense passaria a ter maioria árabe.
A historiadora também aborda na entrevista o apoio dos Estados Unidos a Israel naquela época. “Os EUA repassam para Israel, em média, US$ 3 bilhões por ano. Não é empréstimo, é repasse. Os EUA sabem que Israel vai retornar grande parte disso na forma de compra de armas. O papel de Israel como aliado dos EUA dentro do Oriente Médio é fundamental para explicar a própria dominação do Oriente Médio hoje”.
Para Clemesha, esse apoio dos Estados Unidos explica por que a ONU não tomou atitudes concretas para fazer com que suas resoluções fossem cumpridas. “Nem sequer as resoluções de controle de segurança foram cumpridas, como a Resolução nº 242, da guerra de 1967, que obrigaria o Estado de Israel a retirar toda a ocupação dos territórios da Cisjordânia e de Gaza”, afirma Clemesha.
Indagada pela jornalista Ana Cristina D’Angelo se os israelenses não teriam desocupado esses territórios em 2005, a historiadora responde que, naquele ano, 8 mil colonos israelenses de fato saíram de Gaza. Mas essa retirada não significou que o território tenha sido desocupado.
“O que define um território ocupado é a capacidade de um país de controlá-lo. Há o controle das fronteiras, espaço aéreo, espaço marítimo. Israel destruiu o aeroporto de Gaza. As fronteiras são todas fechadas, muradas, controladas pelo Exército israelense. O espaço marítimo também é controlado e praticamente não se pode pescar, o que seria uma das principais atividades para a população de Gaza. Então, é território ocupado, e a ONU não considera como território desocupado”.
Nesse contexto histórico de ocupação de territórios, o Hamas entra em cena, aumentando a pressão na região. Quer saber mais sobre o surgimento do Hamas e como essa organização acabou se tornando governo na Faixa de Gaza em 2006? Acesse a íntegra da entrevista com Arlene Clemesha aqui.