Em vez de polarização, conexão. Decio Zylbersztajn busca resgatar o conceito original do agronegócio, que analisa a maneira pela qual as cadeias produtivas se organizam, envolvendo tanto o grande como o pequeno produtor. Ele defende que o pequeno se conecte cada vez mais com o mercado, ou seja, que se torne capaz de usufruir de renda suficiente e de protegê-la
Por Amália Safatle
A expressão “agronegócio” desperta visões controversas e costuma dividir alas da sociedade, como ambientalistas e produtores rurais, setores mais à esquerda e à direita, progressistas e conservadores. Mas o resgate do conceito original expõe um outro olhar: em vez de criar polaridade, gerar conexão, de acordo com o professor Decio Zylbersztajn. Juntamente com Elizabeth Farina, ele instituiu em 1991 o Pensa, núcleo dedicado aos estudos sobre gestão e governança no agronegócio da FIA Business School.
Em encontro de professores, alunos e ex-alunos do Pensa realizado em maio na FEA-USP, Zylbersztajn discorre sobre o conceito de agronegócio e propõe: “O que a gente tem defendido é transformar o agro ‘não negócio’ em agronegócio”. Diante disso, Página22 fez três perguntas ao professor:
1.Por que, em sua opinião, o conceito de agronegócio está sendo desvirtuado? A mídia contribui para reforçar preconceitos em relação ao assunto?
Ele é desvirtuado porque no pensamento popular, o agro é considerado algo ligado ao grande capital, é ligado a aspectos negativos de cuidado ambiental, é ligado, enfim, a um tipo de produção predatória. Quando, na verdade, o conceito do agronegócio original de Ray Goldberg [criador do conceito na Harvard Business School], que nós sempre adotamos aqui no Pensa e na universidade, não tem nada disso: ele é simplesmente uma conexão. Ele analisa a maneira pela qual as cadeias produtivas se organizam, seja de grande produtor, seja de pequeno produtor, não raras vezes envolvendo o grande e o pequeno no mesmo tipo de objetivo ou de mercado.
Eu e várias pessoas com quem compartilho essa questão sentimos muito que uma visão negativa tenha chegado até os bancos escolares. O meu neto, por exemplo, recebe informações que são enviesadas no sentido de uma ideologização indevida, eu diria. Indevida e imprópria, mas os conceitos voam. É muito difícil a gente lidar com um conceito quando ele ganha corpo. Então, tem, sim, um preconceito. E parte da mídia contribui para isso, talvez por desconhecimento, embora algumas iniciativas tenham sido feitas.
Se você contrapuser a experiência europeia, lá é o contrário: a visão do agricultor para o meio urbano é uma visão quase heroica. E no Brasil, a visão do agricultor para o meio urbano é uma visão de predador.
2. Isso não se deve à desigualdade socioeconômica que temos aqui, à existência de latifúndios, ao fato de que os pequenos são mais explorados? Na Europa há uma igualdade maior. E também tem a História do Brasil escravocrata. A produção agrícola está historicamente ligada à exploração das pessoas e do ambiente e talvez isso também tenha contribuído para criar uma má imagem, não é?
Na Europa, a relação é um pouco mais homogênea, sim. Mas nós sabemos que existem algumas características em comum. O agricultor é conservador em todo lugar do mundo. Temos de pensar até nas razões sociológicas que levam a isso. Mas esse viés persiste e é bastante difícil lidar com ele. E também existe essa carga histórica do Brasil.
Agora, o mundo mudou. Toda a nossa preocupação nos estudos do Pensa, quando lidamos com pequenos produtores, é trabalhar a questão de como eles podem se organizar, por exemplo, por meio do associativismo e das cooperativas, no sentido de se antepor à perda de renda. Porque ele está espremido entre indústrias muito grandes, insumos, tanto fertilizantes de um lado, agroquímicos, como do outro lado, a indústria de processamento.
Com relação aos pequenos agricultores, especialmente aqueles que estão distantes ou se organizando, a nossa preocupação é que ele se conecte com o mercado. O que a gente tem defendido é transformar o que é agro “não negócio” em agronegócio.
O agro “não negócio” é aquele produtor que está distante, desconectado do mercado. Transformá-lo em agronegócio significa que ele se torna capaz de usufruir de renda suficiente e de proteger essa renda. Isso, em geral, vai por caminhos do tipo coordenação fina com a indústria, por meio de contratos, ou coordenação fina entre o elo da própria cadeia, ou seja, entre outros pares agricultores. Aí entra o associativismo e, não raras vezes, o misto das duas coisas.
3.Persiste a polarização entre o ambientalismo e o agronegócio. O senhor vê alguma possibilidade de mudança no futuro em relação a um maior diálogo entre as partes?
Não vejo essa mesma polarização com a indústria. A indústria lato sensu também desequilibra o meio ambiente. Entretanto, a gente não vê esse “pré-conceito” contra a indústria que a gente vê contra o agro. Conhecemos iniciativas da agricultura, grande ou pequena, que são muito preocupadas com a temática ambiental e cooperativas que estão trabalhando os seus membros no sentido de se organizar de forma compatível com o meio ambiente. E conhecemos grandes ou pequenos que não fazem isso. Ou seja, não tem a ver com o tamanho da atividade.
A atividade humana é predatória, sempre. A agricultura, não tenha dúvida, mas nós que vivemos em cidade também somos. A indústria também é. Ou seja, temos de repensar – e acho que estamos nesse processo – como a nossa sociedade se organiza como um todo para conseguirmos manter a nossa vida e as gerações que vêm pela frente. Ou a nossa própria, do jeito que a coisa está. Então, eu vejo que aí também prevalece essa visão enviesada. A nova geração que hoje está cuidando do Pensa tem essa preocupação.