Será a tragédia climática no Rio Grande Sul um divisor de águas, ou seja, funcionará como um despertar de consciência, um chamado para a ação de pessoas, governos, empresas, mercado financeiro e da grande mídia? Mudará a forma de organizar cidades? De ocupar o solo? De lidar com a ciência? De consumir e produzir? De informar e mobilizar a sociedade?
Desde 2006, a Página22 questiona a sustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento e alerta para efeitos que, cedo ou tarde, viriam na forma de calamidade. Outros veículos especializados também vêm há tempos se dedicando à cobertura ambiental e climática, a muito custo e pouco apoio.
Conteúdos produzidos há décadas ainda soam atuais, porque as soluções estruturantes não foram suficientes, enquanto os problemas se avolumaram. No ritmo atual de emissões, a vida na Terra caminha para o colapso, sendo o desastre no Sul apenas uma modesta amostra.
De nossa parte, um sentimento de frustração prepondera, o que provavelmente é partilhado por outros profissionais, seja da imprensa, seja de outros campos do conhecimento, que veem a janela climática se fechando apesar de toda a informação gerada e alardeada nos últimos anos.
No campo científico, a frustração chegou a ser medida. Em maio, o jornal britânico The Guardian publicou o resultado de uma pesquisa com 380 cientistas climáticos de ponta, e deles ouviu desabafos, como sentir-se desesperançado e sem forças, embora continuem lutando. Outro disse se sentir aliviado por não ter tido filhos, sabendo o que o futuro reserva.
A grande maioria dos cientistas entrevistados (77%) estima que as temperaturas globais atingirão pelo menos 2,5 graus acima dos níveis pré-industriais, quase metade (42%) pensa que será superior a 3 graus; e apenas 6% acham que o limite de 1,5 grau será alcançado.
O atual aumento de temperatura, que tem produzido tragédias como a do Sul, é de 1,2 grau. Isso dá uma ideia do que vem pela frente. A adaptação à mudança do clima ainda é possível, mas será inviabilizada nos cenários de altas mais expressivas na temperatura global.
Se no Brasil o divisor de águas não vier com a calamidade no Sul, o que mais precisará acontecer para tocar corações e mentes?