As aplicações da IA na agricultura podem direcionar as inovações na cacauicultura. Foi assim que o Centro de Inovação do Cacau conseguiu reduzir em um quinto o tempo de análise de amêndoas do fruto
Por Martina Medina
A Inteligência Artificial (IA) tem sido cada vez mais aplicada na gestão sustentável de recursos naturais na agricultura. O objetivo é coletar e processar informações para que o produtor rural tome melhores decisões. Um exemplo é a combinação de IA com sensores em campo que fornecem dados sobre condições climáticas, umidade do solo e saúde das culturas, ajudando a definir irrigação e tratamentos fitossanitários.
Este é um projeto que vem sendo feito pela brasileira Agrosmart e que já apoiou mais de 100 mil produtores na América Latina. Já a fabricante americana de máquinas agrícolas John Deere, junto com a startup de robótica Blue River Technology, desenvolveu equipamentos inteligentes, baseados em câmeras e processamento de imagem, que identificam ervas daninhas e aplicam herbicidas apenas onde é necessário, reduzindo em até 90% o uso dos produtos através da técnica “See & Spray”.
As inovações tecnológicas que visam uma cadeia produtiva mais resiliente, rentável e menos suscetível a intempéries chegam, aos poucos, à cacauicultura. “Quando falamos do uso da IA na cadeia do cacau ainda temos muito poucos exemplos práticos”, admite Cristiano Villela Dias, diretor científico do Centro de Inovação do Cacau (CIC). Por isso, ele vê a necessidade de acompanhar as inovações de IA na agricultura como um todo para direcionar sua aplicação ao cenário cacaueiro. Foi assim que o CIC conseguiu reduzir em um quinto o tempo de análise de amêndoas de cacau.
A entidade adquiriu uma máquina classificadora de grãos de soja e a treinou para classificar o cacau com base nas cores, formas e padrões das amêndoas. “Foram mais de 50 mil fotos de cada tipo de amêndoa para treinar o algoritmo”, conta Dias. A iniciativa baseia-se em machine learning, uma metodologia da IA em que o computador aprende, por conta própria, a fazer previsões e classificações usando dados existentes. Criado pelo Parque Científico e Tecnológico do Sul da Bahia em 2017, o CIC é um laboratório dedicado a fazer análises de amêndoas de cacau e, agora, possui uma das únicas máquinas do mundo que fazem essa classificação de maneira automatizada.
Se antes um classificador humano levava de 20 a 30 minutos para classificar uma amostra de 300 amêndoas, a máquina leva quatro minutos para realizar o mesmo trabalho, com 99% de acurácia. “Conseguimos fazer uma análise mais precisa e entregar o resultado para o nosso cliente em menos tempo”, afirma o diretor científico. “Isso só foi possível com o apoio do Arapyaú, que financiou o desenvolvimento dessa máquina.”
Segundo Dias, ferramentas de machine learning também podem permitir o reconhecimento de deficiências nutricionais nas plantas e o desenvolvimento de aplicativos que geram recomendações de adubação com maior precisão. Ainda estão no radar do CIC o uso de sensores Internet das Coisas (IoT) e IA para monitorar condições climáticas e de solo, gerando relatórios de intervenção baseados no processamento de dados, de modo a adaptar práticas agrícolas em tempo real, incluindo a redução de ataque de pragas.
Diagnóstico de pragas
Um dos grandes traumas do setor cacaueiro são as pragas. A vassoura-de-bruxa, causada por um fungo endêmico da Amazônia, destruiu plantações do sul da Bahia nos anos 1990, tendo sido responsável por tirar o Brasil da liderança da produção global cacaueira. É justamente na região amazônica que um projeto de IA surge agora para ajudar produtores a fazerem o diagnóstico precoce de doenças do cacau. A vassoura-de-bruxa e outras pragas da cacauicultura se destacam visualmente, característica essencial para a inovação baseada em técnicas de reconhecimento de imagem e já aplicada em plantações de milho e banana.
Trata-se de um software que permite detectar de forma automática as pragas por meio de visão computacional. “Estamos construindo a base de dados com imagens do cacau saudável e com doenças para treinamento da Inteligência Artificial”, explica Marcus de Barros Braga, pesquisador do Núcleo de Pesquisas em Computação Aplicada da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), do Pará.
A iniciativa visitou sete lavouras em quatro cidades, produzindo 1.500 imagens até o momento. A previsão é de que o programa, cujo desenvolvimento recebe apoio do governo do estado, seja finalizado em setembro deste ano, quando a tecnologia deve chegar diretamente ao setor produtivo do Pará – o maior produtor de cacau do Brasil, segundo levantamento de 2021 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Identificar o surgimento de doenças na lavoura em estágio inicial é extremamente importante para que o produtor possa tomar precaução com antecedência e, assim, evitar perdas na safra”, destaca Braga. “O maior resultado é ofertar isso para produtores, especialmente os pequenos, que não têm tanto recurso para investir em inovações tecnológicas, bem como em mão de obra especializada.”
Para ele, o investimento em IA aumenta a produtividade, ampliando a preservação ambiental na produção do cacau, que já possui uma alta sustentabilidade por precisar de sombra e, para isso, ser plantado sob a copa das árvores (no sistema cabruca), o que evita o desmatamento. “O cacau recebe agora uma atenção especial, à altura da sua importância como cadeia produtiva e geradora de emprego e renda”, aposta.
Segundo Braga, a tendência é que tecnologias inovadoras agreguem valor à produção. A biologia molecular e bioinformática, por exemplo, têm trazido uma nova dimensão às pesquisas científicas ao analisar não apenas a imagem externa do fruto, mas a sua constituição genômica, aponta. “Com esse tipo de tecnologia, é possível fazer inferências em nível molecular sobre sabor, fragrâncias, resistência a fungos e bactérias.”
Demais tendências
Outro destaque de avanço da IA na cadeia do cacau é uma ferramenta de coleta de dados meteorológicos e do desenvolvimento do cacaueiro por celular que está sendo desenvolvida pela Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), em parceria com a Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus (BA).
“Estamos prestes a lançar a plataforma AgroBrasil+Sustentável, uma ferramenta digital governamental voluntária, universal e gratuita para fornecer informações organizadas, rastreáveis e fiáveis aos produtores, incluindo a cadeia do cacau”, acrescenta a diretora da Ceplac, Lucimara Chiari.
Ela destaca ainda um chatbot da Nestlé Brasil, lançado em 2021, que responde dúvidas técnicas de agricultores sobre as fases de cultivo do cacau no campo, utilizando informações do Manual do Cacauicultor: perguntas e respostas, publicado pela Ceplac[1].
Entre as demais tendências de inovação, Chiari aponta os sensores de clima interligados à IA, essenciais em um cenário de mudança climática; softwares de gestão das fazendas, capazes de fornecer dados desde o planejamento da colheita até a comercialização da safra; e drones, com captura de imagens que podem ser úteis na demarcação de áreas, geração de mapas, controle de pragas e aplicações localizadas de defensivos, beneficiando o meio ambiente e reduzindo os custos de produção.
A especialista elenca como as áreas mais urgentes para a aplicação da IA na cacauicultura a assistência técnica digital, a rastreabilidade e o uso racional da água em sistemas irrigados. Sobre o benefício trazido pela IA com a redução da necessidade de mão de obra em diversas fases do processo produtivo, a diretora da Ceplac lembra que isso não deve ser considerado uma ameaça ao trabalhador rural, uma vez que, atualmente, a mão de obra no campo está cada vez mais escassa.
Limitações
A ampliação do uso de IA na cadeia cacaueira, porém, enfrenta alguns gargalos. Um deles é o alto custo de investimento em sistemas e máquinas. Falta uma distribuição eficaz e democrática das tecnologias, que acabam sendo menos acessíveis aos pequenos produtores. A escassez de recursos públicos e privados destinados à pesquisa científica, principalmente em universidades fora dos grandes centros econômicos do País, é outra limitação.
“Faltam empresas de desenvolvimento interessadas na cultura do cacau, diferentemente de outras commodities, como algodão, soja, milho e café”, lamenta Chiari. “Faltam também bons projetos e financiamento público e privado que poderiam contribuir com o desenvolvimento de tecnologias de IA para a cadeia do cacau.”
Para resolver essas questões, os especialistas defendem que os setores público e privado atuem em parceria. Enquanto ficaria a cargo do poder público promover regulamentação, incentivos fiscais e pesquisa tecnológica, caberia ao setor privado gerar demandas reais por soluções inovadoras e investir em IA, fomentando parcerias com startups.
Em síntese – mensagens-chave
- As aplicações da IA na agricultura podem direcionar as inovações na cacauicultura. Foi assim que o Centro de Inovação do Cacau conseguiu reduzir em um quinto o tempo de análise de amêndoas do fruto
- Ferramentas de machine learning também podem permitir o reconhecimento de deficiências nutricionais nas plantas e o desenvolvimento de aplicativos que geram recomendações de adubação com maior precisão
- Estão no radar o uso de sensores Internet das Coisas (IoT) e IA para monitorar condições climáticas e de solo, gerando relatórios de intervenção baseados no processamento de dados, de modo a adaptar práticas agrícolas em tempo real, incluindo a redução de ataque de pragas, como a vassoura-de-bruxa
- Um software desenvolvido na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), do Pará, ajuda produtores na região amazônica e na Mata Atlântica a fazerem o diagnóstico precoce de doenças e, assim, evitar perdas
- Essa tecnologia faz diferença sobretudo para os pequenos, que não têm tanto recurso para investir em inovações tecnológicas e nem em mão de obra especializada
- A tendência é que tecnologias inovadoras agreguem valor à produção, por exemplo, por meio da biologia molecular e bioinformática, que permitem fazer inferências em nível molecular sobre sabor, fragrâncias, e resistência a fungos e bactérias
- Outras ferramentas para aumento de produtividade são coleta de dados meteorológicos e do desenvolvimento do cacaueiro por celular. Entre as tendências de inovação na área estão rastreabilidade, sensores de clima, softwares de gestão das fazendas e captura de imagens por drones
- A ampliação do uso de IA na cadeia do cacau, porém, enfrenta gargalos como o custo de investimento em sistemas e máquinas e a escassez de recursos públicos e privados destinados à pesquisa científica, principalmente em universidades fora dos grandes centros econômicos do País
- Especialistas recomendam que os setores público e privado atuem em conjunto. Ficaria a cargo do poder público promover regulamentação, incentivos fiscais e pesquisa tecnológica, enquanto caberia ao setor privado gerar demandas reais por soluções inovadoras e investir em IA, fomentando parcerias com startups
Perguntamos ao Chat GPT como a Inteligência Artificial é aplicada na cadeia do cacau. Eis a resposta:
A Inteligência Artificial (IA) está sendo aplicada em várias áreas da cadeia do cacau para melhorar a produção, a qualidade, a sustentabilidade e a eficiência. Aqui estão algumas maneiras pelas quais a IA está sendo utilizada: Agricultura de Precisão: Os agricultores podem usar IA para analisar dados de satélites, drones e sensores no campo para monitorar o crescimento das plantas, identificar áreas de estresse, prever safras e otimizar o uso de insumos como água e fertilizantes. Diagnóstico de Doenças e Pragas: Sistemas de IA podem analisar imagens de plantações de cacau para detectar sinais de doenças ou infestações por pragas, permitindo uma resposta rápida e precisa para proteger as plantações. Melhoria Genética: A IA pode ser usada para analisar o genoma do cacau e identificar genes associados a características desejáveis, como resistência a doenças, produtividade e qualidade do cacau. Isso pode acelerar os programas de melhoramento genético. Otimização da Colheita: Algoritmos de IA podem analisar dados climáticos, previsões de mercado e padrões de demanda para ajudar os agricultores a determinar o momento ideal para colher suas safras, maximizando o rendimento e os lucros. Rastreabilidade e Qualidade: Sistemas de IA podem ser usados para rastrear o cacau desde o campo até o consumidor final, garantindo a autenticidade, a qualidade e a sustentabilidade do produto. Isso é especialmente importante no combate ao trabalho infantil e à exploração nas plantações de cacau. Processamento e Fabricação: Na fase de processamento do cacau, a IA pode ser usada para otimizar os processos de fermentação, secagem e torrefação, garantindo a consistência e a qualidade do produto final. Personalização de Produtos: Empresas de chocolate podem usar IA para analisar preferências de consumidores e criar produtos personalizados, desenvolvendo novos sabores e formulações com base em dados de mercado e feedback dos clientes. Essas são apenas algumas das maneiras pelas quais a IA está transformando a cadeia do cacau, desde o cultivo até a produção e o consumo final. – Texto gerado pelo Chat GPT |
[1] https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/ceplac/publicacoes/boletins-tecnicos-bahia/boletim-tecnico-no-221-2021_compressed.pdf
Esta reportagem integra o Dossiê Página22 sobre IA, produzido com o apoio do Instituto Arapyaú, por meio de seu Programa de Fellows. Acesse também: