Iniciativa traz dignidade menstrual para indígenas, combate a poluição nos rios amazônicos, gera renda e promove a saúde feminina no Alto Rio Negro
Por Magali Cabral
Cinco anos atrás, mulheres indígenas da comunidade Baniwa, de Assunção do Içana, distrito de São Gabriel da Cachoeira (AM), no Alto Rio Negro, participaram de um encontro em que foram apresentadas aos absorventes de pano produzidos pela Korui, uma empresa especializada em soluções menstruais sustentáveis. O que essas mulheres não sabiam à época é que desse encontro surgiria o coletivo Amaronai, que hoje costura, vende, doa e distribui absorventes de pano para todo o País.
Além de proporcionar mais dignidade menstrual a elas próprias, a iniciativa gera renda para as mulheres do território, ajuda a reduzir a pobreza menstrual para além do Alto Rio Negro e a combater a poluição, uma vez que parte dos absorventes descartáveis tem os rios como destino final. De acordo com o coletivo, um absorvente de pano reduz o uso de 300 absorventes descartáveis por ano.
A parceria inicial entre a Korui e o Amaronai consistiu na capacitação de costureiras indígenas e não-indígenas da região e no repasse da tecnologia aplicada aos absorventes, com o propósito de promover autonomia e geração de renda entre as mulheres da região. O coletivo agregou a arte baniwa de estampas ao tecido tecnológico usado na produção das peças.
“Trouxemos nosso conhecimento ancestral aliado à tecnologia do tecido da Korui. O impacto positivo é enorme, temos menos lixo, menos exposição espiritual e mais proteção do corpo feminino”, afirma Francy Baniwa, líder do coletivo Amaronai, que segue atuando em parceria com a Korui.
A estamparia aplicada ao tecido remete ao mito da fruta do caruru, que de certo modo explica a relação espiritual das mulheres baniwa com seus ciclos menstruais. Havia um tempo em que apenas mulheres eram xamãs e detinham todo o conhecimento humano e não-humano. Elas não menstruavam e a forma que o demiurgo Nãpirikoli encontrou de roubar-lhes esse conhecimento, foi fazendo-as sangrar. Para isso, atingiu-as com as frutas vermelhas do caruru. Assim, o segredo das xamãs, contido no sangue menstrual, revelou-se ao mundo.
Francy Baniwa conta que o fruto do caruru é venenoso. “Da planta, só se aproveitam as folhas. A fruta, quando amassada, ‘sangra’. E o mito diz que a única forma de paralisar Amaro, a primeira mulher baniwa [inspiração para o nome do coletivo Amaronai, que significa filhas de Amaro], é trazendo a menstruação. Por isso, é tão importante para as indígenas terem controle sobre o destino do seu sangue menstrual”, ressalta a líder indígena.
O projeto conta com um programa de doações, por meio do qual qualquer pessoa pode contribuir financeiramente para a produção e distribuição dos absorventes pelo site oficial do coletivo Amaronai, onde também há um passo a passo sobre a forma de uso e a higienização do produto. Este modelo de financiamento colaborativo assegura que mulheres sem condições de pagar pelos absorventes os recebam gratuitamente. Os absorventes costurados pelo povo baniwa estão à venda no site da Korui, onde a cada três absorventes vendidos, um é doado para uma mulher indígena.