A fumaça de queimadas que toma o País pode ser usada para aumentar a conscientização sobre a urgência do controle da poluição atmosférica, segundo Carolina Maciel, do Instituto Alana. Conheça os melhores exemplos de ações e medidas internacionais, entre os países pesquisados em levantamento, que poderiam inspirar o Brasil, onde 50 mil pessoas morrem por ano devido à má qualidade do ar
Por Amália Safatle
Devido à combinação de crise climática agravada pelo El Niño, ações criminosas de incendiários e descuidos no manejo, o Brasil vem pegando fogo. Esse impacto se soma a uma qualidade do ar que já é prejudicada pela falta de controle nas diversas fontes de poluição, como a causada por veículos e por indústrias, fazendo com que fique ainda mais difícil respirar. Nesse contexto, acaba de ser lançado o levantamento Qualidade do ar em alerta, uma análise comparativa dos níveis críticos e planos de emergência entre o Brasil e outros oito países no combate à poluição atmosférica: Chile, Colômbia e Equador (América do Sul), Estados Unidos e México (América do Norte) Espanha, França e Inglaterra (Europa).
O estudo, realizado pelo Instituto Alana e pelo Instituto Ar, apresenta referências de níveis de episódios críticos de poluição do ar adotados em diferentes países e medidas de mitigação e adaptação de episódios críticos de poluição do ar vigentes, além dos protocolos específicos utilizados para proteger os grupos mais vulneráveis, como as crianças, e destaca as principais leis internacionais de qualidade do ar e mostra exemplos de planos e suas respectivas ações para o enfrentamento de episódios críticos de poluição.
“Quando se atingem níveis de poluição do ar muito altos, a situação pode necessitar ações imediatas para a redução de emissões e proteção à saúde da população. Na pesquisa, o Brasil e o Equador possuem os piores resultados. Nosso País está desatualizado há mais de 35 anos e nenhum Estado tem um plano de ação para episódios críticos, a não ser São Paulo, cujo plano é de 1978, muito desatualizado. Ou seja: não atuamos”, diz Evangelina Araújo, especialista em qualidade do ar e diretora executiva do Instituto Ar, que coordenou o estudo.
Documentos da Organização Mundial da Saúde indicam que a poluição atmosférica representa, hoje, um dos maiores fatores de risco ambiental para a saúde humana. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 50 mil brasileiros morrem a cada ano devido à poluição atmosférica. Os padrões de qualidade no País seguem índices estabelecidos em 1990. E mesmo com picos de poluição até cinco vezes mais altos do que nos países analisados no novo estudo – somos superados apenas pelo Equador – raramente os níveis estabelecidos são alcançados, por serem muito brandos e defasados.
As crianças, segundo o Alana, são o público mais vulnerável à poluição atmosférica, sofrendo impacto desde a sua vida intrauterina até o desenvolvimento da infância. De acordo com a OMS, atualmente, 99% das crianças respiram um ar com níveis de poluição acima do recomendado. Além disso, uma a cada quatro mortes de crianças menores de cinco anos em todo o mundo são atribuídas à poluição ambiental. Isso se deve ao fato de que o sistema respiratório e imunológico das crianças ainda está em desenvolvimento, tornando-as mais suscetíveis aos efeitos nocivos de poluentes atmosféricos. Crianças têm uma maior taxa de respiração relativa ao seu tamanho corporal – elas respiram 50% mais por quilo corporal do que adultos – e passam mais tempo ao ar livre, o que aumenta sua exposição a poluentes.
Por isso, o Alana defende que elas sejam prioridade absoluta em decisões acerca do que a Organização das Nações Unidas (ONU) denomina tríplice crise planetária: a crise climática, a crise da perda de biodiversidade e a crise de poluição em si. E dentro dessa prioridade absoluta, crianças em situação de vulnerabilidade socioeconômica são mais intensa e frequentemente afetadas. Em geral, a população mais pobre, incluindo idosos, é especialmente impactada, pois tende a viver em áreas com menor cobertura vegetal natural, maior concentração de poluição e têm menos acesso a cuidados de saúde adequados.
Diante desse quadro, propusemos Três Perguntas Para… Carolina Maciel, analista de Natureza do Instituto Alana:
1.
O levantamento “Qualidade do Ar em Alerta” mostra como o Brasil está atrasado em relação ao controle da poluição atmosférica e na adoção de planos emergenciais, em comparação com outros países. A que se pode atribuir esse atraso, considerando que o Brasil tem um arcabouço legal ambiental que é considerado um dos mais avançados do mundo, além de uma sociedade civil organizada com larga atuação histórica, e importantes órgãos ambientais? Como isso se explica?
Esse atraso do Brasil em controlar a poluição atmosférica, apesar de realmente possuir um arcabouço legal ambiental avançado, pode ser atribuído a diversos fatores. Primeiro, existe uma desconexão entre a legislação existente e a sua aplicação efetiva, refletida na falta de atualização e implementação de planos emergenciais, como observado na Resolução Conama 491/2018, que manteve definições desatualizadas desde 1990, prazos não alcançados pelos estados e sem avanço em novos prazos na sua atualização de 2018.
Além disso, há uma falta de coordenação entre as diferentes esferas de governo – que não enfrentam instrumentos punitivos – e uma insuficiente articulação com a sociedade civil, que embora organizada, enfrenta dificuldades em transformar mobilização social em ações concretas e políticas públicas efetivas. Um exemplo disso é o fato de termos aprovado a primeira Política Nacional de Qualidade do Ar só em 2024 – antes disso não havia nenhum instrumento que orientasse e regulamentasse a gestão da qualidade do ar no Brasil.
Sobre os episódios críticos de poluição do ar também, até este ano o Brasil possuía os mesmos níveis há 35 anos, sem nenhuma atualização anterior. Assim, os níveis seguem muito altos, raramente atingidos em cidades industriais ou em grandes queimadas, como na Amazônia. E isso não condiz com a realidade para que a população tenha conhecimento sobre altas concentrações de poluentes que possam causar danos em sua saúde e para que haja medidas imediatas para sua proteção.
2.
A fumaça que recentemente encobriu o Brasil nos últimos dias, em intensidade nunca vista, pode contribuir como um alerta e assim gerar maior conscientização, engajamento da sociedade e dos entes governamentais para buscar reverter esse quadro? De que forma as organizações da sociedade civil que trabalham nessa pauta podem utilizar – ou já estão utilizando – esse momento para aumentar a mobilização e o advocacy?
A fumaça intensa que cobriu primeiramente o Norte e o Centro-Oeste do Brasil e, recentemente, o Sul e oSudeste, pode, sim, servir como um alerta para aumentar a conscientização e o engajamento tanto da sociedade civil quanto dos entes governamentais. Organizações da sociedade civil, como o Instituto Alana e o Instituto Ar, já utilizam esse momento para intensificar a mobilização e o advocacy promovendo as pesquisas, reuniões e campanhas de comunicação que destacam os impactos da poluição do ar na saúde pública em diferentes regiões, especialmente entre populações mais sensíveis e vulneráveis como crianças e no Norte do país, geralmente invisibilizado.
Essas organizações podem aproveitar o momento para pressionar por políticas públicas mais rigorosas, como a formulação de planos de ação para preservar a saúde da população e o meio ambiente, mas conscientes de que essa atuação também precisa de continuidade, visto que esses eventos não são isolados. Todos os anos acontecem episódios como esses. Em 2019, as queimadas na Amazônia causaram o dobro de internações de crianças e agora estamos novamente enfrentando esse cenário, então não podemos agir de forma esporádica a cada ano.
3.
Quais os melhores exemplos de ações e medidas internacionais, entre os países pesquisados no levantamento, que poderiam inspirar o Brasil no controle da poluição atmosférica e que estão ao nosso alcance?
Embora estejamos avançando na pauta e nas políticas públicas relacionadas à qualidade do ar, a jornada é de fato longa e precisa contar com ações e medidas de adaptação da nossa realidade, assim como já fazemos frente à crise climática, por exemplo. Essas medidas e ações fazem parte de um protocolo que prevê iniciativas para cada momento em que há uma alteração nos índices de poluição do ar, separados por níveis de atenção, alerta e emergência. Podem ir desde um aviso quando há um índice alterado, até protocolos mais severos, como a interrupção na produção de fábricas, caso o nível ultrapasse o que foi estabelecido como padrão de qualidade para emergência.
São exemplos que podem inspirar o Brasil ações tomadas em:
Paris: Se um nível de episódio crítico é deflagrado, os carros não circulam mais na área de grande tráfego no centro da cidade. A cidade proíbe a circulação de carros e dá gratuidade de metrô para que as pessoas deixem de pegar ônibus e de utilizar seus carros. Além disso, pede-se para as crianças não irem à escola e ficarem em casa, tudo para proteger a sua saúde.
Estados Unidos: O Índice de Qualidade do Ar, IQAr, é uma ferramenta qualitativa de comunicação que facilita a compreensão da população, inclusive com estabelecimento de indicativo por cor do nível de poluição, o que facilita o reconhecimento e as decisões acerca de medidas de adaptação à poluição do ar.
Colômbia: Dentro do Plan para la atención de episodios de contaminación del aire de la área metropolitana de Bucaramanga (CDMB), existem ações específicas associadas a cada um dos níveis críticos. Para proteção das crianças, as ações são tomadas a partir do nível de “Alerta”, com possibilidade de suspensão das aulas em toda a área que está dentro do nível específico de concentração de poluentes. No caso do nível de “Emergência”m a ordem é a mesma, de suspensão das atividades de todas as instituições de educação. Em alguns casos, até a evacuação é aplicada a toda a população exposta.
Londres: Dentro do Plano de Ação de Qualidade do Ar de 2019 a 2024, foi elaborada uma medida para as escolas – o programa é chamado Health School Street. A estratégia é reduzir a poluição do ar dentro e no entorno das escolas, com a implementação de sensores para monitorar a qualidade do ar e de uma série de ações como diminuição do tráfego veicular, implementação de ciclofaixas, áreas verdes, parques e outros.
Essa estratégia é super replicável porque escolas são o equipamento público mais numeroso dentro das cidades brasileiras e a educação baseada na natureza (EbN) pode ser uma ferramenta crucial para incorporarmos medidas de mitigação, adaptação e resiliência não só na comunidade escolar, mas nas famílias, cuidadores e na cidade inteira ao entorno daquela escola. Para as crianças das florestas, campos, rios e das cidades, são os ambientes naturais que beneficiarão a saúde física, mental e emocional frente às crises ambientais, inclusive da poluição do ar.