Tudo indica que as grandes empresas americanas estão aproveitando o realinhamento político nacional promovido pela reeleição de Trump para também promover um realinhamento corporativo e, assim, maximizar lucros em detrimento dos direitos humanos
Por Theófilo Rodrigues*
O ano de 2025 teve início com uma mudança radical nos rumos do mundo corporativo americano. Muitas grandes empresas globais sediadas nos Estados Unidos anunciaram nos últimos dias o desmantelamento de suas políticas de diversidade e inclusão, entre elas Walmart, Boeing, McDonald’s, Amazon e Meta, proprietária de redes sociais como Facebook, Instagram e WhatsApp.
As políticas de diversidade e inclusão têm por objetivo incorporar critérios de raça, gênero e sexualidade, por exemplo, nos processos corporativos internos. Na prática, isso significa ter mais mulheres, negros ou LGBTQIA+ nas empresas. São ações de governança corporativa que estão inseridas no chamado ESG – sigla em inglês para Ambienta, Social e Governança, critérios usados na tomada de decisões econômicas e financeiras.
O ESG vinha em um crescente desde seu surgimento, em 2004, no relatório Who Cares Wins, documento produzido pelo Banco Mundial em parceria com o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU). Agora, parece que o ESG inicia uma trajetória de declínio.
Com efeito, a origem desse processo de recuo está em julho de 2023 quando a Suprema Corte dos EUA decidiu vetar programas de ações afirmativas nas universidades do país. A partir daí, movimentos conservadores passaram a utilizar a decisão da Suprema Corte para criticar empresas que assumiram compromissos com ações afirmativas. Entrementes, esse mesmo movimento conservador cresceu na política dos Estados Unidos e culminou na reeleição de Donald Trump em fins de 2024.
Trump, como se sabe, foi reeleito tendo como promessa a erradicação da agenda woke no país – a expressão sintetiza o politicamente correto das políticas de diversidade e inclusão. Tudo indica que as grandes empresas dos EUA estão aproveitando o realinhamento político nacional para também promover um realinhamento corporativo e, assim, maximizar lucros em detrimento dos direitos humanos.
Em Capitalismo e sustentabilidade: empresa regenerativa e a sustentabilidade corporativa no século XXI (Ed. Vozes, 2024) eu já havia criticado o ESG. Mas não pelas mesmas razões conservadoras de Trump. Ao contrário, a crítica que apresentei foi a de que o ESG era insuficiente para os grandes desafios atuais que estamos vivendo, como o aquecimento global e as desigualdades sociais e econômicas. O ESG, em algumas vezes, não passava de greenwashing ou socialwashing, ou seja, mecanismos de publicidade das empresas sem efeitos concretos e profundos na vida real.
Tratava-se, portanto, de criticar o ESG para aprofundá-lo, para alargar seu escopo e sua escala, para torná-lo crítico do modo como produzimos atualmente. O argumento era o de que o ESG deveria ser substituído por uma verdadeira economia regenerativa. O mundo corporativo, no entanto, parece querer caminhar na direção contrária. O fim do ESG parece mais próximo, mas pelos motivos errados.
Felizmente, a sociedade civil e os stakeholders estão mais atentos do que nunca e serão trincheiras contra essa guinada empresarial conservadora que busca a acumulação desenfreada do capital em detrimento do planeta e das pessoas. A sobrevivência de nossa espécie depende disso.
*Theófilo Rodrigues é autor de Capitalismo e sustentabilidade: empresa regenerativa e a sustentabilidade corporativa no século XXI (Ed. Vozes, 2024) e professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Candido Mendes (Ucam).
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