Ao reunir o maior conjunto de florestas tropicais do mundo e ter metas ambiciosas de restauração, o Brasil é campo fértil para inovações que utilizam a conservação da natureza como ativo
Por: Redação de Página22*
Fotos: Fiesp/ Divulgação
Buscar soluções circulares para reduzir as perdas em biodiversidade no setor florestal representa um desafio imenso, mas também uma grande oportunidade de criação de valor. A avaliação foi feita pelo líder sênior de Programas Internacionais do Fundo de Inovação da Finlândia (Sitra), Tim Forslund, no painel “Soluções Baseadas nas Florestas: avançar na circularidade e sustentabilidade nas cadeias de valor”, realizada na terça-feira, 13/5, durante o Fórum Mundial de Economia Circular 2025 (WCEF2025, na sigla em inglês).
O evento, realizado de 13 a 16 de maio, em São Paulo, foi organizado em conjunto pelo Fundo de Inovação Finlandês Sitra, Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Confederação Nacional da Indústria do Brasil (CNI), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai Nacional) e Senai-SP. Foi a primeira vez que o maior evento do mundo sobre economia circular ocorreu na América Latina, destacando soluções dos trópicos, especialmente para o setor produtivo.
Forslund destacou três formas de a economia circular lidar com a perda de biodiversidade. A primeira é por meio de práticas regenerativas e de gestão em áreas de florestas. A segunda é extrair menos matéria-prima e maximizar o valor dos materiais das florestas, deixando sempre espaço para a natureza se regenerar.
Por fim, é necessário baixar a pressão sobre a biodiversidade, por exemplo, reduzindo as emissões de gases de efeito estufa e a eutrofização – excesso de nutrientes em rios e lagos, que leva a um crescimento descontrolado de plantas e algas, processo acelerado por lançamento de esgoto em corpos d’água ou pelo uso excessivo de fertilizantes.
O tema da circularidade de produtos da floresta é de fato oportuno, na visão de José Carlos da Fonseca Jr, CEO da Associação Brasileira de Embalagens em Papel (Empapel) e diretor executivo da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá). Não só porque a América Latina reúne o maior conjunto de florestas tropicais do mundo, mas também pelo compromisso brasileiro de restaurar cerca de 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030 – o acordo foi firmado durante a COP 21 do Clima em 2015 e formalizado no Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg). Para o executivo, muitas empresas poderão se inspirar nas experiências em circularidade desenvolvidas nas florestas brasileiras.
O especialista em Bioeconomia da Secretaria Técnica da Rede Bioamazônia, Daniel Lage Chang, comemorou o fato de o Brasil já ter sua Estratégia e seu Plano Nacional de Economia Circular, lançados no último dia 8 de maio. A nova política pública somada à realização do Fórum Mundial de Economia Circular, pela primeira vez sediado por um país do Sul Global, mostra a dimensão e a proporção que essa temática tomou. “Se tempos atrás existia muita curiosidade em relação ao tema, hoje não é exagero dizer que economia circular é um imperativo”, avalia.
Chang apresentou slides com três marcadores para reforçar a sua afirmação. O primeiro traz uma estatística do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) mostrando que a concentração de carbono na atmosfera chegou a 428 ppm (partes por milhão), quando a ciência dizia que acima dos 400 ppm, os extremos climáticos se intensificariam, tanto em ocorrências como em intensidade. “E de fato é o que temos observado”, sublinha.
Outro marcador demostra a pegada ecológica do planeta. Aponta que o “orçamento anual” do planeta em extração de recursos naturais termina em 1º de agosto. “Esgotamos esse orçamento e passamos mais cinco meses em uma espécie de saldo negativo, isto é, sem deixar espaço para a capacidade natural de regeneração do planeta”, explica.
E terceiro gráfico revela que dos nove limites planetários propostos pelo Centro de Resiliência de Estocolmo (Suécia), em 2009, seis já foram ultrapassados, entre os quais mudança do uso da terra, mudança no uso da água, ciclos bioquímicos e integridade da biosfera. Cruzar esses parâmetros pode provocar impactos ambientais abruptos e irreversíveis, segundo os pesquisadores.
Dito isso, Chang recomenda aos empresários não adeptos das boas práticas que usem a lente da economia circular e avaliem o risco de seus fornecedores de insumos falharem em suas entregas devido à exaustão de recursos. “Há uma tendência de achar que sempre haverá fornecedores de água, de energia e de matérias-primas em geral”, afirma.
Esse não é o caso da Suzano, empresa de papel e celulose que mantém a circularidade no centro de sua estratégia de negócios, segundo a diretora Global de Sustentabilidade da empresa, Marina Negrisoli. A Suzano detém cerca de 3 milhões de hectares florestados para a produção de papel e celulose e pouco mais de 1% desse total é destinado à regeneração. “Atualmente temos 45 mil hectares sendo restaurados com espécies nativas dentro da nossa plantação”, afirma.
Quando a empresa implementa objetivos de longo prazo, Negrisoli explica que o foco recai principalmente sobre o setor de redução de impactos, de poluição e de emissões. “Para nós, a descarbonização é uma pauta enorme, não apenas sob uma perspectiva industrial, mas também ambiental. A ideia é que as árvores capturem sempre mais carbono”, afirma ela, lembrando que a Suzano planta por dia 1,2 milhão delas.
Casos de inovação
Não são poucos os casos de inovação em empresas relacionadas a florestas. A Valmet América do Sul, por exemplo, fornece matéria-prima de produtos químicos para indústrias de papel e celulose e também oferece aos clientes ajuda para encontrar ou desenvolver tecnologias sustentáveis e circulares.
O CEO da Valmet, Celso Tacla, citou o exemplo de uma máquina desenvolvida para a Klabin que substituiu o papel de fibras longas por um papel com 100% de fibras curtas. Com isso, a fabricante de papel aumentou sua produtividade: em vez dos 50 mil hectares que eram necessários para produzir determinada quantidade do produto, obteve o mesmo volume usando apenas 30 mil hectares, com propriedades físicas melhores e poupando 10% de fibras na formulação.
A Finlândia é um país que enfrenta o problema de sub aproveitamento de resíduos de madeiras de construções. O país nórdico costuma incinerar as sobras de madeiras usadas em construção, mas agora tem uma opção bem mais interessante, atraente e circular. A startup Hiil nasceu do desejo dos irmãos Joona e Miikka Kotilainen de aproveitar melhor os recursos desperdiçados, em benefício da natureza e das pessoas. Para eles, cada pedaço de madeira representa uma parte valiosa do mundo natural e uma oportunidade de criar algo belo.
Com formação em gestão da inovação e tecnologia, Joona atua atualmente como diretor de marketing da empresa. Ele conta que seu irmão é carpinteiro e desenvolveu uma técnica de carbonização da superfície das madeiras à base de fogo e água. O resultado é uma madeira escura e renovada, que tanto pode voltar para a cadeia produtiva do setor de construção como ter uma destinação mais elegante.
“Além de melhoramos a aparência, damos nova vida à madeira que, de outra forma, seria descartada. Acreditamos que cada empresa, organização e indivíduo deve fazer escolhas mais sustentáveis e com menor consumo de recursos. A madeira Hiil é nossa maneira de contribuir para um mundo mais belo e ético”, afirma Joona Kotilainen.
Outro caso de inovação foi apresentado por Daniel Weingart Barreto, diretor executivo da Assessa, uma empresa B2B que faz ingredientes ativos para a indústria de cuidados pessoais. Seus clientes são grandes empresas globais de cosméticos. “As florestas são parte dos nossos interesses porque tentamos encontrar moléculas na natureza”. O objetivo é atingir a marca de 100% de moléculas em cadeias sustentáveis.
*Por meio de parceria com a Fiesp, a Página22 cobriu o WCEF2025