Com a presença da Jovem Campeã Climática da COP 30 e de representantes amazônidas, a nova edição do webinário Notas Amazônicas debate a influência dos jovens na Conferência e nas ações de combate à mudança do clima a partir de seus territórios
Por Magali Cabral
“Querer um meio ambiente saudável é querer uma vida digna”. A frase da Jovem Campeã Climática da COP 30, a carioca Marcele Oliveira, traduz a essência do webinário “Juventudes, Territórios e COP 30: Diálogos sobre Impactos e Estratégias Climáticas”, realizado por Uma Concertação pela Amazônia e Página22 no dia 5 de junho. O evento contou também com a participação de três jovens paraenses, cujas manifestações indicam que essa geração não deixará que as desigualdades sociais no entorno de Belém passem despercebidas durante o maior evento climático do mundo.
Alex Soares, coordenador da temática de justiça climática, gênero e sexualidade no Palmares Lab; Matheus Botelho, jornalista e presidente da Associação Cultural Na Cuia; e Beatriz Lacerda, facilitadora do GT Juventudes da Concertação (mediação), além de Marcele Oliveira, compuseram a 11ª edição do Notas Amazônicas – para assistir na íntegra acesse o YouTube da Página22.
A proposta desse encontro foi fortalecer o papel das juventudes na agenda climática e refletir criticamente sobre os impactos da COP 30 nos territórios amazônicos e a importância de manter o engajamento e o controle social após sua realização.
“Querer um meio ambiente saudável é também reconhecer a ação climática feita no campo local, que muitas vezes não se expressa com termos técnicos em inglês, mas se expressa através da arte, da cultura, da poesia, da música, das manifestações culturais”, complementa a jovem campeã climática, de 26 anos, que, além da nova função na COP, é diretora do PerifaLab, uma produtora cultural de Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Em sua opinião, o mundo tem muito a aprender com o Brasil, principalmente no campo da participação social e do respeito à diversidade dos biomas.
Adaptação e financiamento nos territórios
Sobre o legado que deverá extrapolar os portões da Conferência, ela destaca ações de adaptação e de financiamento climático. “Nós precisamos de programas urgentes de adaptação e, para isso, vamos trabalhar para que o financiamento climático chegue na ponta”, afirma, destacando o fato de que esta COP tem a missão de priorizar a implementação de ações para conter a mudança do clima – em contraponto com conferências anteriores mais dedicadas a negociações multilaterais.
Para o ativista Alex Soares, a crise climática é também uma crise de direitos humanos. Advogado, ele atua com temáticas de justiça climática, gênero, raça, sexualidade e territórios na Palmares Lab, uma think tank criada e gerida por jovens das regiões Norte e Nordeste, que se dedica ao desenvolvimento de tecnologias de promoção de justiça social. “A adaptação climática perpassa a questão das desigualdades. Uma política pública de adaptação que venha ao encontro de resolver os problemas dessa crise, precisa, primeiramente, eliminar essas desigualdades”, observa.
Sobre a proposta brasileira de priorizar implementação e financiamento nesta COP, Alex Soares diz que as organizações brasileiras já fazem tantas coisas incríveis sem receber nada em troca, imagine o que farão quando acessarem recursos mais robustos. Segundo ele, o ativismo é um trabalho como outro qualquer e, para exercê-lo, as pessoas precisam de um mínimo de conforto no dia a dia, como conseguir pagar boletos e colocar comida na mesa.
O jovem advogado está à frente de uma campanha da Palmares Lab por políticas de saneamento básico e urbanização nas ilhas situadas no entorno de Belém. Políticas que sejam de fato adequadas à característica insular daqueles territórios. O poder público, segundo ele, precisa escutar mais essas comunidades em vez de apresentar projetos universalistas. Afinal, o que é bom para a porção continental de Belém pode não ser para ilhas como Caratateua, a 35 quilômetros do centro da cidade, com dinâmicas geográficas muito próprias.
Ele diz que a população local tem propostas sobre o modelo de infraestrutura que gostaria de ver implementado na ilha. “É o caso de o poder público atravessar a ponte de Outeiro, ou navegar até Caratateua, e ouvir a sociedade”. A cartilha Soluções Comunitárias Já é um exemplo das demandas e das propostas dessas comunidades.
A importância da comunicação popular
O ativista e educador Matheus Botelho denomina de racismo ambiental as disparidades na forma como os investimentos em infraestrutura estão sendo distribuídos na cidade que receberá a COP. Ele afirma que enquanto as áreas mais elitizadas de Belém são agraciadas com belos e verdes parques lineares, comunidades como a tradicional Vila da Barca, um dos maiores conglomerados de palafitas da América Latina, servem como depósito de resíduos das obras do centro da cidade.
Botelho lembra ainda que Vila da Barca está abrigando a construção de uma estação elevatória para tratamento de esgoto de outra região da cidade. A medida tem provocado protestos por não contemplar o tratamento do esgoto local, mas apenas os detritos que serão conduzidos por emissários desde o Parque Linear da Nova Doca. “Enquanto isso, Vila da Barca segue desprovida de saneamento básico, água potável, coleta seletiva de lixo e serviços essenciais de saúde”, reclama.
Na posição de comunicador social da Associação Cultural Na Cuia, ele manifesta preocupação com a qualidade dos discursos ativistas no campo ambiental e o impacto dessas falas sobre as comunidades. Seu temor é que a comunicação comunitária não esteja alcançando o grande público, e o tema climático siga sob o controle da mídia tradicional e restrito às “bolhas” da esquerda e do ativismo socioambiental. “O limiar entre a denúncia e estereotipação nesse tipo de discurso é muito tênue”, reconhece o jornalista.
Nesse sentido, Botelho endossa a recomendação de Marcele Oliveira de que é preciso saber traduzir as terminologias do movimento ambiental para uma linguagem que faça sentido no cotidiano de quem mais é afetado pela mudança climática, principalmente quando se atua em espaços de negociação com as comunidades. “Afinal, o que significa blue zone e green zone? O que é mitigação e adaptação climática? São termos técnicos que viram barreiras para a inclusão, impedindo que nos sintamos pertencentes [a esse debate]”, avalia.
Infâncias na COP 30
A mediadora Beatriz Lacerda ressalta que em meio a essa fatia da população que ainda não se conectou integralmente com a questão ambiental estão as crianças. Mas destaca uma iniciativa “bonita e promissora” dirigida ao público infantil: o projeto Barca Literária, uma biblioteca itinerante que leva acesso à leitura para as crianças de Vila da Barca e, entre as atividades, faz uma iniciação à temática ambiental. “Uma preocupação que temos no GT de Juventudes da Concertação é sobre como as várias infâncias das Amazônias estão vivenciando a crise climática e como devem ser preparadas para combatê-la no futuro”, observa.
A 20ª Conferência das Juventudes (COY 20), que ocorrerá em Belém dias antes da COP 30, incluirá pela primeira vez um programa dedicado especialmente às crianças. Dos 500 jovens de várias partes do mundo que os organizadores do evento esperam receber na capital paraense, 100 devem ser crianças. O evento será uma oportunidade para que as vozes dessas novas gerações sejam ouvidas pelos líderes globais.
Saiba como se engajar
Aos jovens que desejam se engajar às ações climáticas, mas ainda não sabem como, um caminho é buscar uma das unidades da Lcoy Brasil, sigla em inglês para a Conferência Local das Juventudes sobre Mudança do Clima. São espaços espalhados pelo País onde é possível se juntar a movimentos regionais e nacionais, aprender sobre os mecanismos da COP, além de poder contribuir com os debates da COY 20. Para buscar mais informações, uma opção é acessar o perfil @lcoybrasil, no Instagram.
Nesse ambiente virtual, Marcele Oliveira sugere o uso da hashtag #copdasjuventudes nas postagens e o envio de dúvidas e demandas para ela por meio dos e-mails da PYCC, Presidency Youth Climate Champion. “Eu estou lá para ouvir as demandas dos jovens de todo o mundo e orientar organizações da sociedade civil a integrarem suas ações locais com objetivos climáticos globais ao movimento”.
Oliveira recomenda também uma busca para conhecer o trabalho realizado pela Youngo, a Constituinte Oficial da Juventude da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), em prol do fortalecimento da ação climática protagonizada pela juventude em suas várias representações.
Em resposta à pergunta enviada ao webinário sobre o principal papel das juventudes na COP 30, a Jovem Campeã diz que, em primeiro lugar, é preciso manter-se em movimento. “Da forma que puder e de onde estiver, convido cada jovem a participar do Mutirão Global pelo Clima [proposta lançada em maio de 2025 pelo presidente da Conferência, o embaixador André Corrêa do Lago, em sua primeira carta ao mundo]. Essa é uma oportunidade de sairmos vitoriosos enquanto geração”, conclama.
Em segundo lugar, ela sugere manter a atenção voltada à agenda de implementação, ou seja, sempre que possível apresentar propostas concretas de solução climática. No caso dela, as soluções terão por base a cultura, mas cada um deve valorizar suas áreas de atuação, sejam educação, saúde, habitação, adaptação aos eventos extremos, justiça climática, racismo ambiental, entre outros. “Vamos conversar e discursar sobre esses temas, não porque estudamos o assunto, mas porque estamos todos presos a um ambiente que está nos impondo as consequências de decisões que não fomos nós que tomamos”.
Ela reconhece, no entanto, que a posição para a qual foi escolhida talvez exija um papel mais burocrático do que gostaria para levar adiante a sua missão. Por isso, ela convida os jovens de todos os biomas a reforçarem suas ações climáticas nos territórios, a contribuírem para as políticas municipais, a participarem de seminários, congressos e outros eventos no campo subnacional para que isso se reflita nos diálogos maiores que estão sendo feitos no campo internacional. “Contem comigo para ajudar a conduzir esse processo, mas também liderem, porque somos todos liderança”, conclui.
(As assessorias de comunicação do Estado do Pará e da Prefeitura de Belém foram procuradas, mas até o momento não responderam sobre as críticas contidas na reportagem. Se responderem, atualizaremos a publicação.)