Presidência da cúpula aposta em nova narrativa para atrair recursos em meio a um cenário geopolítico fragmentado. Para recuperar a confiança internacional nas negociações, o Brasil pretende repetir a fórmula que adotou no ano passado, quando liderou a cúpula do G20: conectar a agenda climática à economia
Por Renato Grandelle

Tema de impasses históricos nas Conferências das Partes das Nações Unidas (COPs) sobre o Clima, o debate sobre financiamento climático voltará ao centro das atenções em Belém, que receberá, a partir do dia 10, a COP 30. O Brasil, que ocupa a presidência da cúpula, herdou a missão de elevar a doação de países ricos às nações em desenvolvimento dos atuais US$ 300 bilhões a US$ 1,3 trilhão anuais. A demanda será apresentada em meio a um cenário geopolítico fragmentado, com a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e a escalada de investimentos da União Europeia em defesa nacional.
“O financiamento é a espinha dorsal de todas as negociações da COP”, explica Miriam Garcia, gerente de Clima do WRI Brasil. “Os países estão desiludidos. O processo de negociação na COP 29, em Baku, da nova meta quantificada foi muito traumático. Muitos saíram da sala de negociações dizendo que o valor acordado (US$ 300 bilhões) não era suficiente.”
De acordo com Garcia, o multilateralismo “envergou, mas não quebrou”. Para recuperar a confiança internacional nas negociações, o Brasil pretende repetir a fórmula que adotou no ano passado, quando liderou a cúpula do G20: conectar a agenda climática à economia.
O presidente da COP 30, embaixador André Corrêa do Lago, estabeleceu o Círculo de Ministro de Finanças da conferência, liderado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ao longo do ano, a nova estrutura promoveu dezenas de consultas aos “czares” da área econômica de outros países, aos bancos multilaterais, organismos internacionais e representantes do setor privado.
“Há uma busca por inovações na narrativa sobre o financiamento climático”, ressalta Miriam Garcia. “A COP 30 quer que gestores públicos e privados incluam o clima como uma variável importante para a elaboração de orçamentos domésticos, no funcionamento de mercados de capitais e na tomada de decisões. Não é, portanto, um assunto que deve ser restrito à chancela dos ministros de Meio Ambiente. Resta saber qual será a aderência a essa mensagem.”
Do que estamos falando?
Outra dificuldade é a falta de clareza sobre uma questão elementar: o que se entende por “financiamento climático”. Hoje, não há consenso sobre quais investimentos podem ser adequadamente classificados como destinados a políticas de adaptação ou mitigação. Por isso, André Guimarães, enviado especial da sociedade civil para a COP 30, avalia que o foco atual da discussão está equivocado:
“O termo ‘financiamento climático’ serve mais para confundir do que para esclarecer. É preciso dissipar a névoa sobre ele e tratar o tema de forma mais tangível, dizendo o quanto custa especificamente cada aspecto, como a transição energética, a conservação de florestas e a infraestrutura verde”, sublinha.
Guimarães, que também é diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), acrescenta que o debate parte de um pressuposto errado: o de que não há dinheiro suficiente no planeta para enfrentar a crise climática.
“Na verdade, há muito capital circulando no mundo, inclusive para soluções para o clima. O que falta são condições básicas para acessar esses recursos, como capacidade de endividamento, bons projetos, indicadores de desempenho e capacidade técnica para avaliar e executar”, alerta André Guimarães.
Novo mecanismo
Em paralelo às discussões sobre o financiamento trilionário, o Brasil tenta angariar doações ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), que será lançado oficialmente na COP. O mecanismo destinará recursos a países que garantam a conservação da cobertura vegetal. Mais de 70 nações em desenvolvimento podem ser contempladas.
Anunciado em setembro, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, o fundo já ganhou apoio público dos nove países da Amazônia e de outros com florestas tropicais relevantes, como Indonésia e República Democrática do Congo. Algumas nações desenvolvidas – entre elas Alemanha, Noruega e Reino Unido – sinalizaram que podem contribuir com recursos.
Segundo Miriam Garcia, do WRI, o TFFF deverá operar a partir de uma abordagem de pagamentos baseados em desempenho:
“Isso significa que os países recebem transferências regulares por hectare de floresta mantido, com base em dados de satélite e verificações independentes. O monitoramento, reporte e verificação é o coração do TFFF, já que garante a legitimidade dos pagamentos”, ressalta. “Então, independentemente de as nações assumirem metas florestais em compromissos climáticos como o Acordo de Paris, elas terão de garantir que os hectares foram conservados para continuarem recebendo os pagamentos”.
Um dos pontos mais inovadores do mecanismo, segundo a especialista, é a destinação de pelo menos 20% dos pagamentos a povos indígenas e comunidades locais, o que garantiria que os benefícios chegassem a quem realmente conserva a floresta, evitando reproduzir desigualdades históricas.
Guimarães, por sua vez, avalia que um dos maiores acertos do fundo é apresentar à comunidade internacional a relação entre florestas, economia e segurança alimentar.
“O mérito do TFFF é criar uma transferência regular e multilateral de recursos do Norte para o Sul Global, remunerando a floresta em pé e abrindo um precedente histórico”, elogia Guimarães. “Hoje, desmatar ainda dá dinheiro. Precisamos inverter essa lógica, criando valor para a floresta em pé e transformando-a em um ativo ambiental que beneficia o clima, o produtor rural e os países tropicais.”

