A falta de ambição em temas essenciais da agenda climática mostra que o setor empresarial orientado por impacto terá de ocupar um espaço que a política internacional ainda não consegue preencher. Isso significa assumir compromissos voluntários e mais ambiciosos do que aqueles firmados entre países e agir de forma coletiva com outras empresas, governos locais, academia e movimentos sociais para buscar uma transformação sistêmica
Por Cinthia Gherardi*
O ano de 2025 foi marcado pela COP 30, considerada histórica por ocorrer pela primeira vez na Amazônia, mas que também explicitou um paradoxo: a potência da mobilização social contrastou com a fragilidade dos avanços políticos. Para o Movimento B e para o ecossistema de negócios de impacto, a ocasião exige uma leitura clara: se os acordos formais não evoluem com a urgência que a crise exige, cabe às empresas verdadeiramente comprometidas liderarem a transformação que falta.
A conferência foi uma das mais democráticas já realizadas, com a sociedade civil ocupando os espaços com força e legitimidade, e com representatividade inédita de povos indígenas, populações quilombolas e outras comunidades tradicionais. Houve avanços importantes no reconhecimento da justiça climática e dos direitos humanos, menção inédita a afrodescendentes e inclusão, ainda que inicial, de mecanismos de transição justa e adaptação. Esses elementos refletem princípios historicamente defendidos pelo Movimento B, colocando pessoas e planeta no centro das decisões econômicas.
Por outro lado, os pilares estruturantes da crise continuaram praticamente intocados. Não houve compromissos formais para o fim do uso de combustíveis fósseis, nem um plano robusto de desmatamento zero, resultando em um vazio particularmente simbólico em uma COP realizada na Amazônia. O financiamento climático também permaneceu insuficiente e sem previsibilidade, dificultando respostas efetivas para adaptação e proteção das populações mais vulneráveis.
A combinação de avanços sociais e entraves estruturais evidencia um diagnóstico que o Movimento B defende: o setor público, sozinho, não conseguirá entregar a velocidade necessária, e o setor privado tradicional segue preso a incentivos de curto prazo. É nesse espaço que os negócios de impacto assumem um papel decisivo.
A conferência mostrou que existe demanda global por uma ação climática mais humana, inclusiva e baseada em justiça. O reconhecimento explícito da importância dos povos tradicionais, da sociedade civil e da natureza nas decisões climáticas vai ao encontro da visão de interdependência defendida pelas Empresas B. Da mesma forma, a criação de mecanismos iniciais de transição justa reforça a urgência de redesenhar a economia para que gere benefícios para todos, e não apenas para alguns.
Entretanto, a falta de ambição em temas essenciais deixa evidente que o setor empresarial orientado por impacto terá de ocupar um espaço que a política internacional ainda não está conseguindo preencher. Na prática, isso significa assumir compromissos voluntários e mais ambiciosos do que aqueles firmados entre países e agir de forma coletiva com outras empresas, governos locais, academia e movimentos sociais para que suas ações impulsionem, de fato, uma transformação sistêmica.
Como intensificar o protagonismo empresarial
No período pós-COP 30, o protagonismo da atuação empresarial precisa se intensificar. O primeiro passo é acelerar a transição justa onde o acordo internacional não avançou. Isso implica descarbonizar radicalmente as cadeias produtivas, reduzir a dependência de combustíveis fósseis, investir em energia renovável, adotar modelos circulares e redesenhar processos para que a regeneração e os direitos humanos sejam parte central do negócio. Se a linguagem diplomática evitou compromissos diretos, o setor privado não pode cometer o mesmo erro.
O segundo passo envolve financiar o que a COP não financiou. Se os países desenvolvidos não ampliaram os recursos destinados à adaptação e à justiça climática, as empresas precisam atuar como catalisadoras dessa agenda. Fundos de impacto, investimento em tecnologias regenerativas, apoio a negócios liderados por povos indígenas, mulheres e comunidades periféricas e mecanismos de financiamento inovadores devem ganhar protagonismo.
Esse movimento reforça que justiça climática não é filantropia, e sim, estratégia de negócio.
O terceiro movimento necessário é liderar com transparência, especialmente porque os indicadores internacionais aprovados para adaptação foram considerados insuficientes e pouco mensuráveis. As empresas precisam avançar mais rápido do que os governos na adoção de métricas robustas, mitigar e reportar emissões com rigor, incorporar planos de adaptação e padrões de impacto positivo, e influenciar suas cadeias de valor na transição com evidências claras de impacto socioambiental.
A COP 30 tornou incontornável a noção de interdependência. Se nenhum país conseguirá enfrentar a crise sozinho, nenhum negócio também o fará. O período pós-COP exige coalizões empresariais mais fortes, acordos setoriais, estratégias colaborativas e uma aproximação contínua entre empresas, governos, movimentos sociais e academia. A aceleração da ação climática será obrigatoriamente coletiva.
A COP 30 não entregou a ambição climática necessária, mas deixou claro que existe uma crescente mobilização social e um protagonismo empresarial capaz de preencher algumas das lacunas deixadas pela diplomacia. Para o Movimento B, o caminho pós-Belém exige empresas que adotem compromissos voluntários mais fortes do que os acordos multilaterais, que operem não apenas para mitigar danos, mas para regenerar ecossistemas e comunidades, e que pressionem governos em vez de esperar por eles.
A lição final da COP30 é simples: não há futuro econômico possível em um planeta em colapso, e não há empresa verdadeiramente líder que não reconheça sua responsabilidade na construção de uma nova lógica econômica mais inclusiva, equitativa e regenerativa.
O Movimento B na COP 30
Durante a conferência, o B Lab Global, que lidera o Movimento B, divulgou um estudo realizado no simulador En-ROADs, desenvolvido pela empresa de Tecnologia Climate Interactive em parceria com o Massachusetts Institute of Technology (MIT). A pesquisa mostra que se todas as empresas globais adotassem os padrões de impacto das Empresas B seria possível evitar o aumento de temperatura em 0,5 grau.
Mais de 300 lideranças, dentre Empresas B, ministros e líderes de governo, parceiros do ecossistema de impacto e sociedade civil, participaram de eventos realizados durante a COP 30. Além das pessoas presentes, mais de 500 empresas assinaram o Manifesto B COP30, se comprometendo com a adoção de uma governança climática que privilegia a natureza e os direitos humanos.
Os eventos, realizados juntamente com Latimpacto, Open Society Foundation e World Climate Foundation, tiveram como foco gerar debates e engajamento do setor empresarial na aceleração da agenda e na compreensão do papel do modelo de negócios de impacto como soluções aos desafios climáticos.
Durante a conferência, o Sistema B Brasil foi reconhecido pelo Balanço Ético Global por ter implementado, de forma inovadora e participativa, durante o Encontro+B, a metodologia que envolveu mais de 750 lideranças na construção de propostas concretas para a transição justa em uma Carta de Mensagem ao Mundo entregue à Presidência da COP 30.
*Cinthia Gherardi é co-CEO do Sistema B Brasil

