Por Amália Safatle
Roberto Lima, presidente da Vivo desde 2005, não teme usar um dos chavões mais repetidos no meio empresarial quando o assunto é sustentabilidade. Abre esta conversa dizendo que esse valor “está no DNA” da companhia. Isso para contrariar a velha máxima, de autoria do economista Milton Friedman, nos idos dos anos 1960, segundo a qual “o negócio dos negócios são os negócios”, ou seja, a função de uma empresa na sociedade se limita à boa prestação de serviços e produtos, enquanto o desenvolvimento social cabe ao Estado.
Mas para o executivo, assim como na visão de outros adeptos da sustentabilidade empresarial, a questão não é excludente: interesse econômico e virtude socioambiental não só convergem, como se autoalimentam. A formação em Administração Pública, acredita Lima, ajudou-o a perceber isso. E o caráter essencial dos serviços de telefonia permite colocar essa percepção em prática. Hoje, ele chega a afirmar que a Vivo é uma empresa totalmente equilibrada nas relações com todos os seus públicos de interesse. Muito embora, em sustentabilidade, não haja desfecho nem conclusão. É um processo contínuo, naturalmente feito de conquistas, dilemas e conflitos, em que o caminho vale mais que a chegada.
Enquanto alguns bancos e empresas já trilham o caminho da sustentabilidade há vários anos, a Vivo parece ter despertado para essa ideia apenas recentemente. Por quê? Na verdade, acho que a Vivo já tem isso no seu DNA há pelo menos cinco ou seis anos, quando começamos um reposicionamento da empresa. A questão é que isso tem ficado mais público recentemente. Seria um erro grave fazer manifestações sobre um assunto que a gente não tinha tratado internamente, com os funcionários. Só a partir da implementação de planos importantes, como mudar todos os processos da empresa para podermos estar de acordo com o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores (ISE), e uma vez comprovado que esses processos colocaram a empresa em uma situação melhor em termos de sustentabilidade, é que a gente começou a tornar isso público.
Do contrário pareceria greenwashing? A gente criaria uma imagem que não é verdadeira. Você não cria programas em seis meses. Tem de fazer as pessoas incorporarem isso. Por que está no DNA? Porque temos uma visão muito clara na nossa empresa, que é até um pouco filosófica. Toda organização, quando se estabelece, a primeira coisa que faz é chamar um advogado e pedir para escrever o estatuto ou o contrato social. Ninguém escreve o contrato financeiro ou econômico. Por quê? Porque uma organização existe com o propósito de atender à sociedade. De cinco anos para cá, dentro da Vivo, nós existimos porque temos uma razão de existir, que é a de prestar serviços de telecomunicação. E de inclusão digital. E de melhoria de qualidade de vida na sociedade em que estamos inseridos. Tem outra coisa que os advogados escrevem, que é o prazo de duração desta sociedade. O que aparece normalmente? Indeterminado. Pressupõe-se uma empresa de duração indeterminada, perene. E ela só será perene se for sustentável. Para nós, estas coisas estão muito claras e é a partir daí que estabelecemos nossas ações. A vida fica muito simples quando as pessoas entendem os conceitos. Nós só seremos perenes se tivermos práticas que permitam a sustentabilidade, o que faz com que a gente tenha de raciocinar muito além do trimestre no qual temos de produzir resultado para apresentar ao mercado financeiro.
Esse foi o gatilho que fez a Vivo se reposicionar? Esse foi o gatilho. Sou administrador público de formação (pela FGV), então tenho um pouco dessa consciência da prestação de serviço. Mas sempre trabalhei na iniciativa privada, nunca na pública. Talvez tenha até um pouco de frustração de querer, através da iniciativa privada, ter um grande impacto na sociedade. O que a gente começou cinco anos atrás foi um processo de dizer: nós só seremos bem-sucedidos se estabelecermos relação de confiança com todos os nossos públicos. E a gente vivia uma crise de confiança com nossos clientes: tinha fraude, clonagem, faturas com erros. E começamos a trabalhar isso como prioridade número 1 da empresa. Porque, com quebra de confiança entre empresa e cliente, existia imediatamente uma quebra de confiança entre empresa e colaborador. Os colaboradores não tinham orgulho de trabalhar em uma organização que não respeitava o direito dos clientes. Sem confiança dos clientes e dos colaboradores, o resultado não aparece, a empresa vai se desfazendo. Ao recuperar isso, reconquistamos a confiança dos nossos acionistas. Com isso, eles começaram a nos dar liberdade de ação, ou seja, propor investimentos, trocar a tecnologia de CDMA para GSM – que foi o primeiro grande projeto para o qual pedimos dinheiro: R$ 1,1 bilhão para fazer a troca. No ano seguinte, mais um cheque de R$ 3 bilhões para comprar a Telemig. As relações de confiança permitiram à empresa ser mais ambiciosa, crescer, oferecer serviços através de várias tecnologias. A partir daí, você ganha atratividade na Bolsa. Aí, o que tem de fazer? Estabelecer relações de confiança com os investidores institucionais.
Se o objetivo foi tornar a empresa mais competitiva e perene, esse foi um posicionamento tomado mais pela conveniência do que pela convicção? Não, porque é exatamente aí que você consegue fazer uma convergência entre interesse e virtude. É por convicção, é por convicção. Eu prego isso. Ontem (19 de janeiro) eu tive uma reunião na Campus Party com quase 40 pessoas e disse: a empresa que não assume seu compromisso social começa errada. Se ela escreveu que seu objeto social é fazer o maior lucro possível para distribuir para seus acionistas, ela se esqueceu de dizer para que existe. Se formos orientados pela função social, estaremos orientados para as necessidades daquilo que é chamado de mercado. Tenho até um discurso na Futurecom (evento de telecom e TI), segundo o qual se orientar pelas necessidades do mercado é importante, mas se orientar pelas necessidades do cidadão é mais importante ainda. O cidadão brasileiro precisa hoje do quê? De uma vida mais humana – dar acesso a redes sociais –, de uma vida mais segura – para que ele possa ser localizado –, mais inteligente – acesso a educação, conteúdo – e também uma vida mais divertida, porque entretenimento faz parte. A nossa visão é: na sociedade em rede, o indivíduo pode mais e vive melhor. Do ponto de vista dos resultados, o que significa isso? Eu posso desenvolver produtos e serviços que façam com que eu não dependa só de receita de tráfego. Eu vendo curso de inglês. Ontem nós celebramos aqui nesta sala 1 milhão e 80 mil usuários dos nossos cursos de inglês. Alguém sabe disso?
Acho que não. Pois estou levando curso de inglês para garçom, para bombeiro, para motorista de táxi, que tem tempo livre, que pode fazer curso pelo celular, mas não pode ir a uma escola de inglês. Essas serão as pessoas que terão mais oportunidade de trabalho e serão necessárias quando tiver uma Copa do Mundo ou uma Olimpíada. Então é convicção e é negócio. Interesse e virtude convergem. É possível ganhar muito dinheiro se você for orientado pelas necessidades do cidadão. Atendendo a isso somos uma das empresas mais bem-sucedidas do setor de telecomunicações do mundo. Já falei de clientes, colaboradores, acionistas, investidores. Agora, fornecedores. Uma relação de sustentabilidade com os fornecedores não passa por ter um aviso de compra onde torturo o fornecedor e peço descontos até acabar com a margem dele. Esse fornecedor vai trabalhar comigo eternamente. Não é uma relação sustentável. Tenho de dar a ele o direito ao lucro, de ser uma empresa que se organize pelos mesmos padrões que a gente.
Em que estágio de evolução em termos de sustentabilidade o senhor classificaria a Vivo? Acho que já está bastante avançada. Não seria sustentável se em alguma dessas relações tivesse um desequilíbrio muito grande. Ela hoje é uma empresa totalmente equilibrada.
Totalmente equilibrada? Nas relações com todos os seus públicos, sim. Somos voltados para uma prestação de serviços de qualidade não só com os clientes, também com os colaboradores. Os colaboradores têm de ter aqui dentro a chance de progresso profissional, pessoal e material. Tem que ficar rico trabalhando aqui. Tem que ganhar bem. Sustentabilidade não é abraçar árvores e beijar baleias. É estabelecer relações que possam ser perenes. Nós tivemos agora a discussão sindical. E o sindicato normalmente tenta defender o interesse dos colaboradores, e a empresa faz suas propostas. A negociação começou a ficar difícil com os sindicatos, um grupo da empresa se reuniu, foi no sindicato e disse: “Para de exagerar, que nós queremos fechar o acordo com a empresa. Nós amamos essa empresa”. Para mim, isso é sustentabilidade. É uma relação dos colaboradores com a empresa que não está pautada pelo conflito.
A telefonia celular no Brasil tem a segunda tarifa mais cara do mundo, segundo uma pesquisa (da consultoria europeia Bernstein Research)… …que está totalmente errada, não tem o menor sentido.
Errada ou não, a tarifa de celular no Brasil para a população em geral é bem cara, não acha? O que é barato no Brasil? Restaurante? Carro? Serviço de assistência médica?
Então a telefonia se nivela por esses parâmetros? Pergunto isso porque o preço da telefonia é uma questão de inclusão social, e isso tem a ver com sustentabilidade. Se fosse tão cara assim nós teríamos 200 milhões de celulares no Brasil? A penetração é de 100%. Quarenta por cento da população não tem acesso a banco.
Por que a pesquisa está errada? Em que posição estamos, então? Bem lá atrás. A Anatel aprova tarifas-limite para cada uma das operadoras. Só que a força do mercado me faz praticar preços que muitas vezes são dez vezes inferiores. Mas os institutos de pesquisa pegam o dado que está na Anatel. Além disso, no Brasil, você tem 43% na média de impostos sobre as tarifas.
A culpa é sempre dos impostos? E você tem alguma dúvida? Já te falaram que você trabalha metade do ano para pagar imposto?
Sim. Mas o quanto se deve culpar os impostos e quanto se deve à redução da competição, considerando que houve uma porção de consolidações no mercado de telefonia desde a privatização? Mas olha a receita por usuário na privatização e olha neste ano. Este ano meu tráfego de voz cresceu 40% por usuário e minha receita média por usuário caiu 10%. Na Anatel está: preço por minuto, R$ 1,40. Caríssimo. Só que o sujeito faz uma recarga de R$ 12 e recebe R$ 200 de bônus. Os institutos de pesquisa não levam em consideração os bônus, as promoções comerciais.
E em relação ao código de defesa do consumidor, a Vivo melhorou? Tivemos problemas terríveis em 2005. Éramos a empresa mais reclamada do setor de telecomunicações na Anatel, a empresa com o maior número de queixas no Procon e a empresa com os menores índices de atendimento de qualidade da Anatel. De 2007 para cá, sempre fomos os primeiros em atendimento de metas de qualidade e a empresa que menos tem reclamação na Anatel.
Mas a Telefônica, que é controladora da Vivo, está em primeiro lugar no ranking do Procon de São Paulo, em 2009. A controladora da Vivo é a Telefónica de España, que controla a Telefônica Brasil, que não está sob minha gestão. A Telefónica mundial tem, sim, uma expectativa de padrão de qualidade segundo o qual somos benchmark no mundo.
No ano passado, a Exame circulou uma notícia de que a Telefônica, por conta da imagem desgastada, passaria a usar em dois anos a marca Vivo para telefonia fixa. Isso é verdade? Sim. A marca no Brasil será Vivo, para todos os produtos da Telefónica.
E é por causa do desgaste da marca Telefônica? Não, é por causa do valor da marca Vivo. Esta marca tem sete anos e se desgastou muito no processo de lançamento. A Vivo tinha uma campanha de comunicação fortíssima, patrocinava todos os eventos que podiam aparecer, Fórmula 1, rodeio, batizado de boneca… A gente lançava um aparelho, e era motivo de festa com celebridades. Voltando ao assunto do começo: o que você tem que fazer para ter o direito de comunicar? Tinha uma comunicação externa fortíssima, enquanto a entrega de serviços se deteriorava aceleradamente. Quando cheguei, em julho de 2005, a ideia era parar com isso. Hoje nossas campanhas só são colocadas na rua se tiverem um dado de realidade. Depois a gente te passa um papel com a pizza que tem todos os pedaços: relação com clientes, colaboradores, acionistas, investidores, parceiros, órgão regulador, imprensa, comunidade em geral, e o último são os competidores. Criamos uma relação de confiança com os nossos competidores, porque somos parceiros na construção de redes. Se tenho de fazer redes em lugares distantes, onde me custa muito caro e terei poucos usuários, porque vou fazer sozinho? Chamo meus parceiros e vamos fazer juntos, e compartilhar os custos. É uma rede e é sustentável, porque, com um volume menor de investimento, consigo atender muito mais áreas. Cooperação com competição. Eu não construo um quilômetro de rede hoje sem estar em parceria ou com a Claro, ou com a Embratel, com a GVT, com a Telesp, a TIM, a OI.
E como é essa relação com os concorrentes em termos de transparência? Até que ponto vocês abrem informações entre si? Se disser que é 100%, óbvio que não, pois somos concorrentes, mas naquilo em que podemos ser convergentes e cooperativos, as equipes trabalham juntas. Fizemos 4.500 quilômetros de rede de fibra óptica entre o Rio do Grande do Sul, o Paraná e Santa Catarina, em parceria com a Embratel e a Claro. Cada uma construiu 1.500 quilômetros e os três usam os 4.500 como se fossem deles. Dividimos o custo e a manutenção por três, então eu pude aumentar a capacidade. A população tem canais muito mais potentes. Isso é serviço, isso é compromisso com a sociedade.
O que vocês gostariam de fazer em termos de sustentabilidade, mas não conseguem? Acho que já estamos na fase da estratégia depois da estratégia, que é não só estabelecer conexão, mas levar serviços de valor agregado para a população. Precisamos dar dimensão a vários projetos interessantes. Por exemplo, o de Belterra – cidade fundada pelo Henri Ford, no início do século passado, com o ciclo da borracha (no Pará). Com o fim do ciclo, a região se deteriorou. A cidade de 12 mil habitantes (segundo o IBGE, tem 16. 324) vivia de uma cultura extrativista e produzia o suficiente para consumir, e no entorno tinha 70 comunidades ribeirinhas do outro lado do Tapajós que também viviam assim. Tem um barco de uma organização chamada Saúde & Alegria que fazia atendimento médico para toda aquela região. E a gente achou que podia fazer uma experiência de telemedicina. Colocamos uma antena de 3G em Belterra, um repetidor no barco e começamos a conectar a população de Belterra e as comunidades ribeirinhas.
Já tivemos de fazer quatro ampliações nessa antena e colocamos uma segunda antena em Suruacá, que é do outro lado do rio. Isso porque, junto com a ligação do barco com o Hospital Albert Einstein, aqui em São Paulo, para receber radiografia digital, ultrassonografia digital, resultados de exames laboratoriais, second opinion e tudo isso, começaram a surgir oportunidades de ensinar inglês. Por que ensinar inglês? Por que se a gente está levando internet pra esse pessoal e eles quiserem descobrir os segredos da fauna amazônica, as pesquisas sobre biotecnologia – em vez de a gente ficar plantando soja –, só fazendo a população local que vive em equilíbrio com o meio ambiente se fixar na terra, com uma geração de renda mais forte. E as grandes pesquisas sobre biotecnologia estão em inglês.
Belterra é um projeto replicável? Sim, vou te contar. O pessoal fazia educação de saneamento básico através de um jornalzinho impresso no mimeógrafo, o Cachacinha, porque funciona a álcool. O CpqD de Campinas foi com a gente, montou um blog, e agora as pessoas acessam as informações pelo celular. É outro mundo.
Todo mundo tem celular lá? Óbvio, estamos vendendo como nunca. É objeto do desejo. E quando não tem, nós damos. Quando chegamos num município, a primeira coisa é fazer a doação de celular para o Conselho Tutelar, que cuida para que seja aplicado o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas, por ser órgão público, trabalha das 9 às 5. E as crianças são agredidas normalmente de noite e nos fins de semana. Para quem ligam? Não ligam. Com o celular, podem acessar o Conselho Tutelar 24 horas por dia, sete dias por semana. Uns anos depois que fomos para lá, contratamos a Universidade Federal do Pará para ver qual foi o impacto da implantação da antena 3G na região.
Que tipo de impacto? Todos. Socioeconômico, desenvolvimento do comércio. Quarenta por cento dos alunos matriculados na escola normal se inscreveram em cursos de educação à distância. Outro tanto faz pesquisa na internet para seus trabalhos escolares. Setenta por cento dos negociantes fazem uso da rede para poder tocar seus negócios. Já tivemos de instalar outra antena em Suruacá, que está pegando nos outros municípios mais pra cima do Tapajós e você tem hoje uma comunidade totalmente integrada. E tenho certeza de que, quando a gente começar a olhar o PIB, os índices de desenvolvimento socioeconômico daquela região, a gente sabe o que está levando. Podem falar: “Bom, mas é um projeto meio isolado”. Não. Fomos para Guaribas, cidade-símbolo do Fome Zero, no interior do Piauí. Fomos para Craíbas, no sertão das Alagoas, para fazer a mesma coisa, mas quando a gente vai, eu vou – e nem sempre é fácil chegar.
Cabrália e Guaiú, Sul da Bahia, colônia de pescadores. O que a gente pode fazer para eles? Software no celular. O pescador registra que peixe embarcou, quantos quilos, qual o preço desse peixe no mercado, qual o custo de combustível, de gelo e com isso sabe se está no lucro ou no prejuízo e se tem que continuar a pescar. Quando está voltando, já sabe em que mercado tem mais oferta. Se vão todos para a mesma praça, tem uma superoferta, o preço despenca e sobra peixe. Fazenda de ostra na mesma região, em Guaiú: a ostra se desenvolve em função da temperatura da água. Sistemas de medição da temperatura da água, que são comunicados por celular – desenvolvido pela Motorola e pela Qualcomm –, recebem a informação da temperatura da água e dão uma ordem a um equipamento que simplesmente sobe ou desce a gaiola no mar para aproveitar a temperatura mais adequada.
Como vocês escolhem esses projetos? Como identificam os lugares e as necessidades? Sempre tem uma razão. É quase uma demanda interna, vem por sugestão de colaboradores que estão no Brasil todo e percebem uma necessidade local. Muitas vezes também vem de políticos, de prefeitos. Pode vir de parceiros, como esse da Qualcomm em Guaiú e da Ericsson em Belterra. O importante é que não estamos fazendo benemerência. Não estamos dando comunicação gratuita. Os serviços são pagos. Interesse e virtude.
Esses projetos são desenvolvidos com as comunidades? Ou vocês chegam lá com uma solução? São criados conjuntamente com as comunidades locais, com um envolvimento muito forte. No filme de Belterra, você vai ver que as pessoas fazem questão de dizer: “Nós interferimos muito no projeto”. E é verdade. A gente tem que deixá-los interferir, porque eles que sabem qual é a “real realidade”. Nós não podemos chegar lá soltando regras e dizendo que vai ser assim, vai ser assado. A implantação de Belterra não tem nada a ver com a de Guaiú, ou de Craíbas ou de Guaribas.
O grande nó com que as empresas mais alinhadas com sustentabilidade se deparam é o do consumo. A Vivo, por exemplo, ganha com o aumento do consumo e da obsolescência dos produtos, o que gera mais resíduos, não é? Não. Eu não ganho dinheiro com a venda do (aparelho de) celular. Eu perco. Eu vendo celular subsidiado. Eu compro um celular por R$ 100, muitas vezes estou vendendo por R$ 20. No Brasil, o que funcionou foi vender o aparelho subsidiado e barato para que se possa vender o serviço. Se não fosse assim, não tinha crescido o que cresceu. Mas não que a gente estimule a obsolescência. Quanto mais tempo durar um celular, melhor pra gente. É verdade que tem uma evolução tecnológica muito rápida e os celulares de segunda geração estão sendo substituídos pelos de terceira – os smartphones –, que não são feitos só para falar, são quase o arquivo da vida da pessoa. Mesmo não sendo nosso interesse, temos 3.400 pontos de coleta de equipamento – celular, bateria, carregador. Todo esse material é recolhido, temos um índice de aproveitamento que é de 90% em novos aparelhos. Qual nosso processo? Temos os 3.400 pontos, entregamos o material recolhido em uma empresa no Brasil e outra fora, acho que nos EUA, que é especialista em engenharia reversa e distribui o material que volta para a indústria de celulares (mais sobre logística reversa em reportagem desta edição). Toda a renda que a gente arrecada na venda desse produto vai para o Instituto Ipê.
A gente também está preocupado com a questão do lixo eletrônico. Temos um consumo muito grande de baterias em nossas antenas – elas funcionam com a eletricidade da rede pública. Quando cai a rede – exemplo, em Nova Friburgo –, essas baterias duram 4, 5 horas. E essas baterias têm um processo de reciclagem de acordo com os melhores critérios de sustentabilidade. Não fosse assim, a gente não estaria no ISE. E tem nosso Data Center, que vale um box nessa matéria. É um investimento de centenas de milhões de reais, e poderia ser muito mais barato se nós não tivéssemos dito que queríamos um green building.
Esse prédio em que estamos (a sede) é um green building? Esse aqui não tem a certificação, mas é ele novo e tem um índice de sustentabilidade elevado. A pegada ecológica da nossa empresa equivale ao consumo de 15 jatos executivos.
Como assim, o que se considera nessa pegada? Em que período? A emissão de carbono é baixíssima.
Essa é uma característica de todo o setor de telecomunicações, não? Sim, desde que o setor como um todo seja consciente.
Que indicadores a Vivo usa para atestar seu nível de sustentabilidade? O ISE é o principal. O ISE é o indicador da Bolsa de Valores, desenvolvido com a Fundação Getulio Vargas. (mais em Artigo desta edição)
Sim, com o Gvces. Esta revista, inclusive, é do Gvces. Então, pronto, vocês são os melhores. Depois que começamos todos os processos, vimos que tínhamos tamanho para nos candidatarmos ao ISE. E a implantação não é uma coisa fácil. Você tem que se comprometer a ter uma série de processos dentro da empresa. Estamos há dois anos na carteira. A gente tem uma área para fazer a gestão disso aqui na Vivo. Tem uma pessoa jovem, a Juliana Limonta, que tem talvez 29, 30 anos, e nunca vi alguém tão preparado para um assunto. Ela inclusive deveria estar aqui (nesta entrevista). Ela discute com vice-presidentes aqui, pessoas totalmente seniores, de igual para igual, e consegue convencer todo mundo a andar por esse caminho. Junto tem uma área de comunicação da sustentabilidade, pois não adianta fazer as coisas sem envolver todos os parceiros, e os colaboradores principalmente. Então o assunto é esse. Nós somos uma empresa com prazo indeterminado. E, se o mundo acabar, não vamos mais ter prazo indeterminado. Volto ao início da minha conversa: uma razão social muito forte, e uma consciência de que queremos ser perenes.
Então sustentabilidade é a sustentabilidade da Vivo, basicamente? É a sustentabilidade da empresa, porque ela é um grande elemento de desenvolvimento econômico e social no Brasil. Telecomunicações, já dizia o Marechal Rondon, é o que preserva nossas fronteiras, é o que leva educação, saúde, é o que leva entretenimento, acesso a redes sociais hoje. Óbvio, nós temos de ter lucro. Qual o problema do bem da empresa? Quem não quer uma empresa forte e saudável? Só assim que a máquina gira. Então, é sustentabilidade da Vivo? É, sim. A Vivo é uma referência mundial de uma gestão equilibrada, preocupada não só com os resultados financeiros, mas com a relação com todos os seus públicos. Princípios éticos fortes, valores claros para todo mundo e, principalmente, uma estratégia de comunicação intensa com nossos colaboradores, para que isso não fique na cabeça de duas ou três pessoas.[:en]Roberto Lima, presidente da Vivo desde 2005, não teme usar um dos chavões mais repetidos no meio empresarial quando o assunto é sustentabilidade. Abre esta conversa dizendo que esse valor “está no DNA” da companhia. Isso para contrariar a velha máxima, de autoria do economista Milton Friedman, nos idos dos anos 1960, segundo a qual “o negócio dos negócios são os negócios”, ou seja, a função de uma empresa na sociedade se limita à boa prestação de serviços e produtos, enquanto o desenvolvimento social cabe ao Estado.
Mas para o executivo, assim como na visão de outros adeptos da sustentabilidade empresarial, a questão não é excludente: interesse econômico e virtude socioambiental não só convergem, como se autoalimentam. A formação em Administração Pública, acredita Lima, ajudou-o a perceber isso. E o caráter essencial dos serviços de telefonia permite colocar essa percepção em prática. Hoje, ele chega a afirmar que a Vivo é uma empresa totalmente equilibrada nas relações com todos os seus públicos de interesse. Muito embora, em sustentabilidade, não haja desfecho nem conclusão. É um processo contínuo, naturalmente feito de conquistas, dilemas e conflitos, em que o caminho vale mais que a chegada.
Enquanto alguns bancos e empresas já trilham o caminho da sustentabilidade há vários anos, a Vivo parece ter despertado para essa ideia apenas recentemente. Por quê? Na verdade, acho que a Vivo já tem isso no seu DNA há pelo menos cinco ou seis anos, quando começamos um reposicionamento da empresa. A questão é que isso tem ficado mais público recentemente. Seria um erro grave fazer manifestações sobre um assunto que a gente não tinha tratado internamente, com os funcionários. Só a partir da implementação de planos importantes, como mudar todos os processos da empresa para podermos estar de acordo com o Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores (ISE), e uma vez comprovado que esses processos colocaram a empresa em uma situação melhor em termos de sustentabilidade, é que a gente começou a tornar isso público.
Do contrário pareceria greenwashing? A gente criaria uma imagem que não é verdadeira. Você não cria programas em seis meses. Tem de fazer as pessoas incorporarem isso. Por que está no DNA? Porque temos uma visão muito clara na nossa empresa, que é até um pouco filosófica. Toda organização, quando se estabelece, a primeira coisa que faz é chamar um advogado e pedir para escrever o estatuto ou o contrato social. Ninguém escreve o contrato financeiro ou econômico. Por quê? Porque uma organização existe com o propósito de atender à sociedade. De cinco anos para cá, dentro da Vivo, nós existimos porque temos uma razão de existir, que é a de prestar serviços de telecomunicação. E de inclusão digital. E de melhoria de qualidade de vida na sociedade em que estamos inseridos. Tem outra coisa que os advogados escrevem, que é o prazo de duração desta sociedade. O que aparece normalmente? Indeterminado. Pressupõe-se uma empresa de duração indeterminada, perene. E ela só será perene se for sustentável. Para nós, estas coisas estão muito claras e é a partir daí que estabelecemos nossas ações. A vida fica muito simples quando as pessoas entendem os conceitos. Nós só seremos perenes se tivermos práticas que permitam a sustentabilidade, o que faz com que a gente tenha de raciocinar muito além do trimestre no qual temos de produzir resultado para apresentar ao mercado financeiro.
Esse foi o gatilho que fez a Vivo se reposicionar? Esse foi o gatilho. Sou administrador público de formação (pela FGV), então tenho um pouco dessa consciência da prestação de serviço. Mas sempre trabalhei na iniciativa privada, nunca na pública. Talvez tenha até um pouco de frustração de querer, através da iniciativa privada, ter um grande impacto na sociedade. O que a gente começou cinco anos atrás foi um processo de dizer: nós só seremos bem-sucedidos se estabelecermos relação de confiança com todos os nossos públicos. E a gente vivia uma crise de confiança com nossos clientes: tinha fraude, clonagem, faturas com erros. E começamos a trabalhar isso como prioridade número 1 da empresa. Porque, com quebra de confiança entre empresa e cliente, existia imediatamente uma quebra de confiança entre empresa e colaborador. Os colaboradores não tinham orgulho de trabalhar em uma organização que não respeitava o direito dos clientes. Sem confiança dos clientes e dos colaboradores, o resultado não aparece, a empresa vai se desfazendo. Ao recuperar isso, reconquistamos a confiança dos nossos acionistas. Com isso, eles começaram a nos dar liberdade de ação, ou seja, propor investimentos, trocar a tecnologia de CDMA para GSM – que foi o primeiro grande projeto para o qual pedimos dinheiro: R$ 1,1 bilhão para fazer a troca. No ano seguinte, mais um cheque de R$ 3 bilhões para comprar a Telemig. As relações de confiança permitiram à empresa ser mais ambiciosa, crescer, oferecer serviços através de várias tecnologias. A partir daí, você ganha atratividade na Bolsa. Aí, o que tem de fazer? Estabelecer relações de confiança com os investidores institucionais.
Se o objetivo foi tornar a empresa mais competitiva e perene, esse foi um posicionamento tomado mais pela conveniência do que pela convicção? Não, porque é exatamente aí que você consegue fazer uma convergência entre interesse e virtude. É por convicção, é por convicção. Eu prego isso. Ontem (19 de janeiro) eu tive uma reunião na Campus Party com quase 40 pessoas e disse: a empresa que não assume seu compromisso social começa errada. Se ela escreveu que seu objeto social é fazer o maior lucro possível para distribuir para seus acionistas, ela se esqueceu de dizer para que existe. Se formos orientados pela função social, estaremos orientados para as necessidades daquilo que é chamado de mercado. Tenho até um discurso na Futurecom (evento de telecom e TI), segundo o qual se orientar pelas necessidades do mercado é importante, mas se orientar pelas necessidades do cidadão é mais importante ainda. O cidadão brasileiro precisa hoje do quê? De uma vida mais humana – dar acesso a redes sociais –, de uma vida mais segura – para que ele possa ser localizado –, mais inteligente – acesso a educação, conteúdo – e também uma vida mais divertida, porque entretenimento faz parte. A nossa visão é: na sociedade em rede, o indivíduo pode mais e vive melhor. Do ponto de vista dos resultados, o que significa isso? Eu posso desenvolver produtos e serviços que façam com que eu não dependa só de receita de tráfego. Eu vendo curso de inglês. Ontem nós celebramos aqui nesta sala 1 milhão e 80 mil usuários dos nossos cursos de inglês. Alguém sabe disso?
Acho que não. Pois estou levando curso de inglês para garçom, para bombeiro, para motorista de táxi, que tem tempo livre, que pode fazer curso pelo celular, mas não pode ir a uma escola de inglês. Essas serão as pessoas que terão mais oportunidade de trabalho e serão necessárias quando tiver uma Copa do Mundo ou uma Olimpíada. Então é convicção e é negócio. Interesse e virtude convergem. É possível ganhar muito dinheiro se você for orientado pelas necessidades do cidadão. Atendendo a isso somos uma das empresas mais bem-sucedidas do setor de telecomunicações do mundo. Já falei de clientes, colaboradores, acionistas, investidores. Agora, fornecedores. Uma relação de sustentabilidade com os fornecedores não passa por ter um aviso de compra onde torturo o fornecedor e peço descontos até acabar com a margem dele. Esse fornecedor vai trabalhar comigo eternamente. Não é uma relação sustentável. Tenho de dar a ele o direito ao lucro, de ser uma empresa que se organize pelos mesmos padrões que a gente.
Em que estágio de evolução em termos de sustentabilidade o senhor classificaria a Vivo? Acho que já está bastante avançada. Não seria sustentável se em alguma dessas relações tivesse um desequilíbrio muito grande. Ela hoje é uma empresa totalmente equilibrada.
Totalmente equilibrada? Nas relações com todos os seus públicos, sim. Somos voltados para uma prestação de serviços de qualidade não só com os clientes, também com os colaboradores. Os colaboradores têm de ter aqui dentro a chance de progresso profissional, pessoal e material. Tem que ficar rico trabalhando aqui. Tem que ganhar bem. Sustentabilidade não é abraçar árvores e beijar baleias. É estabelecer relações que possam ser perenes. Nós tivemos agora a discussão sindical. E o sindicato normalmente tenta defender o interesse dos colaboradores, e a empresa faz suas propostas. A negociação começou a ficar difícil com os sindicatos, um grupo da empresa se reuniu, foi no sindicato e disse: “Para de exagerar, que nós queremos fechar o acordo com a empresa. Nós amamos essa empresa”. Para mim, isso é sustentabilidade. É uma relação dos colaboradores com a empresa que não está pautada pelo conflito.
A telefonia celular no Brasil tem a segunda tarifa mais cara do mundo, segundo uma pesquisa (da consultoria europeia Bernstein Research)… …que está totalmente errada, não tem o menor sentido.
Errada ou não, a tarifa de celular no Brasil para a população em geral é bem cara, não acha? O que é barato no Brasil? Restaurante? Carro? Serviço de assistência médica?
Então a telefonia se nivela por esses parâmetros? Pergunto isso porque o preço da telefonia é uma questão de inclusão social, e isso tem a ver com sustentabilidade. Se fosse tão cara assim nós teríamos 200 milhões de celulares no Brasil? A penetração é de 100%. Quarenta por cento da população não tem acesso a banco.
Por que a pesquisa está errada? Em que posição estamos, então? Bem lá atrás. A Anatel aprova tarifas-limite para cada uma das operadoras. Só que a força do mercado me faz praticar preços que muitas vezes são dez vezes inferiores. Mas os institutos de pesquisa pegam o dado que está na Anatel. Além disso, no Brasil, você tem 43% na média de impostos sobre as tarifas.
A culpa é sempre dos impostos? E você tem alguma dúvida? Já te falaram que você trabalha metade do ano para pagar imposto?
Sim. Mas o quanto se deve culpar os impostos e quanto se deve à redução da competição, considerando que houve uma porção de consolidações no mercado de telefonia desde a privatização? Mas olha a receita por usuário na privatização e olha neste ano. Este ano meu tráfego de voz cresceu 40% por usuário e minha receita média por usuário caiu 10%. Na Anatel está: preço por minuto, R$ 1,40. Caríssimo. Só que o sujeito faz uma recarga de R$ 12 e recebe R$ 200 de bônus. Os institutos de pesquisa não levam em consideração os bônus, as promoções comerciais.
E em relação ao código de defesa do consumidor, a Vivo melhorou? Tivemos problemas terríveis em 2005. Éramos a empresa mais reclamada do setor de telecomunicações na Anatel, a empresa com o maior número de queixas no Procon e a empresa com os menores índices de atendimento de qualidade da Anatel. De 2007 para cá, sempre fomos os primeiros em atendimento de metas de qualidade e a empresa que menos tem reclamação na Anatel.
Mas a Telefônica, que é controladora da Vivo, está em primeiro lugar no ranking do Procon de São Paulo, em 2009. A controladora da Vivo é a Telefónica de España, que controla a Telefônica Brasil, que não está sob minha gestão. A Telefónica mundial tem, sim, uma expectativa de padrão de qualidade segundo o qual somos benchmark no mundo.
No ano passado, a Exame circulou uma notícia de que a Telefônica, por conta da imagem desgastada, passaria a usar em dois anos a marca Vivo para telefonia fixa. Isso é verdade? Sim. A marca no Brasil será Vivo, para todos os produtos da Telefónica.
E é por causa do desgaste da marca Telefônica? Não, é por causa do valor da marca Vivo. Esta marca tem sete anos e se desgastou muito no processo de lançamento. A Vivo tinha uma campanha de comunicação fortíssima, patrocinava todos os eventos que podiam aparecer, Fórmula 1, rodeio, batizado de boneca… A gente lançava um aparelho, e era motivo de festa com celebridades. Voltando ao assunto do começo: o que você tem que fazer para ter o direito de comunicar? Tinha uma comunicação externa fortíssima, enquanto a entrega de serviços se deteriorava aceleradamente. Quando cheguei, em julho de 2005, a ideia era parar com isso. Hoje nossas campanhas só são colocadas na rua se tiverem um dado de realidade. Depois a gente te passa um papel com a pizza que tem todos os pedaços: relação com clientes, colaboradores, acionistas, investidores, parceiros, órgão regulador, imprensa, comunidade em geral, e o último são os competidores. Criamos uma relação de confiança com os nossos competidores, porque somos parceiros na construção de redes. Se tenho de fazer redes em lugares distantes, onde me custa muito caro e terei poucos usuários, porque vou fazer sozinho? Chamo meus parceiros e vamos fazer juntos, e compartilhar os custos. É uma rede e é sustentável, porque, com um volume menor de investimento, consigo atender muito mais áreas. Cooperação com competição. Eu não construo um quilômetro de rede hoje sem estar em parceria ou com a Claro, ou com a Embratel, com a GVT, com a Telesp, a TIM, a OI.
E como é essa relação com os concorrentes em termos de transparência? Até que ponto vocês abrem informações entre si? Se disser que é 100%, óbvio que não, pois somos concorrentes, mas naquilo em que podemos ser convergentes e cooperativos, as equipes trabalham juntas. Fizemos 4.500 quilômetros de rede de fibra óptica entre o Rio do Grande do Sul, o Paraná e Santa Catarina, em parceria com a Embratel e a Claro. Cada uma construiu 1.500 quilômetros e os três usam os 4.500 como se fossem deles. Dividimos o custo e a manutenção por três, então eu pude aumentar a capacidade. A população tem canais muito mais potentes. Isso é serviço, isso é compromisso com a sociedade.
O que vocês gostariam de fazer em termos de sustentabilidade, mas não conseguem? Acho que já estamos na fase da estratégia depois da estratégia, que é não só estabelecer conexão, mas levar serviços de valor agregado para a população. Precisamos dar dimensão a vários projetos interessantes. Por exemplo, o de Belterra – cidade fundada pelo Henri Ford, no início do século passado, com o ciclo da borracha (no Pará). Com o fim do ciclo, a região se deteriorou. A cidade de 12 mil habitantes (segundo o IBGE, tem 16. 324) vivia de uma cultura extrativista e produzia o suficiente para consumir, e no entorno tinha 70 comunidades ribeirinhas do outro lado do Tapajós que também viviam assim. Tem um barco de uma organização chamada Saúde & Alegria que fazia atendimento médico para toda aquela região. E a gente achou que podia fazer uma experiência de telemedicina. Colocamos uma antena de 3G em Belterra, um repetidor no barco e começamos a conectar a população de Belterra e as comunidades ribeirinhas.
Já tivemos de fazer quatro ampliações nessa antena e colocamos uma segunda antena em Suruacá, que é do outro lado do rio. Isso porque, junto com a ligação do barco com o Hospital Albert Einstein, aqui em São Paulo, para receber radiografia digital, ultrassonografia digital, resultados de exames laboratoriais, second opinion e tudo isso, começaram a surgir oportunidades de ensinar inglês. Por que ensinar inglês? Por que se a gente está levando internet pra esse pessoal e eles quiserem descobrir os segredos da fauna amazônica, as pesquisas sobre biotecnologia – em vez de a gente ficar plantando soja –, só fazendo a população local que vive em equilíbrio com o meio ambiente se fixar na terra, com uma geração de renda mais forte. E as grandes pesquisas sobre biotecnologia estão em inglês.
Belterra é um projeto replicável? Sim, vou te contar. O pessoal fazia educação de saneamento básico através de um jornalzinho impresso no mimeógrafo, o Cachacinha, porque funciona a álcool. O CpqD de Campinas foi com a gente, montou um blog, e agora as pessoas acessam as informações pelo celular. É outro mundo.
Todo mundo tem celular lá? Óbvio, estamos vendendo como nunca. É objeto do desejo. E quando não tem, nós damos. Quando chegamos num município, a primeira coisa é fazer a doação de celular para o Conselho Tutelar, que cuida para que seja aplicado o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mas, por ser órgão público, trabalha das 9 às 5. E as crianças são agredidas normalmente de noite e nos fins de semana. Para quem ligam? Não ligam. Com o celular, podem acessar o Conselho Tutelar 24 horas por dia, sete dias por semana. Uns anos depois que fomos para lá, contratamos a Universidade Federal do Pará para ver qual foi o impacto da implantação da antena 3G na região.
Que tipo de impacto? Todos. Socioeconômico, desenvolvimento do comércio. Quarenta por cento dos alunos matriculados na escola normal se inscreveram em cursos de educação à distância. Outro tanto faz pesquisa na internet para seus trabalhos escolares. Setenta por cento dos negociantes fazem uso da rede para poder tocar seus negócios. Já tivemos de instalar outra antena em Suruacá, que está pegando nos outros municípios mais pra cima do Tapajós e você tem hoje uma comunidade totalmente integrada. E tenho certeza de que, quando a gente começar a olhar o PIB, os índices de desenvolvimento socioeconômico daquela região, a gente sabe o que está levando. Podem falar: “Bom, mas é um projeto meio isolado”. Não. Fomos para Guaribas, cidade-símbolo do Fome Zero, no interior do Piauí. Fomos para Craíbas, no sertão das Alagoas, para fazer a mesma coisa, mas quando a gente vai, eu vou – e nem sempre é fácil chegar.
Cabrália e Guaiú, Sul da Bahia, colônia de pescadores. O que a gente pode fazer para eles? Software no celular. O pescador registra que peixe embarcou, quantos quilos, qual o preço desse peixe no mercado, qual o custo de combustível, de gelo e com isso sabe se está no lucro ou no prejuízo e se tem que continuar a pescar. Quando está voltando, já sabe em que mercado tem mais oferta. Se vão todos para a mesma praça, tem uma superoferta, o preço despenca e sobra peixe. Fazenda de ostra na mesma região, em Guaiú: a ostra se desenvolve em função da temperatura da água. Sistemas de medição da temperatura da água, que são comunicados por celular – desenvolvido pela Motorola e pela Qualcomm –, recebem a informação da temperatura da água e dão uma ordem a um equipamento que simplesmente sobe ou desce a gaiola no mar para aproveitar a temperatura mais adequada.
Como vocês escolhem esses projetos? Como identificam os lugares e as necessidades? Sempre tem uma razão. É quase uma demanda interna, vem por sugestão de colaboradores que estão no Brasil todo e percebem uma necessidade local. Muitas vezes também vem de políticos, de prefeitos. Pode vir de parceiros, como esse da Qualcomm em Guaiú e da Ericsson em Belterra. O importante é que não estamos fazendo benemerência. Não estamos dando comunicação gratuita. Os serviços são pagos. Interesse e virtude.
Esses projetos são desenvolvidos com as comunidades? Ou vocês chegam lá com uma solução? São criados conjuntamente com as comunidades locais, com um envolvimento muito forte. No filme de Belterra, você vai ver que as pessoas fazem questão de dizer: “Nós interferimos muito no projeto”. E é verdade. A gente tem que deixá-los interferir, porque eles que sabem qual é a “real realidade”. Nós não podemos chegar lá soltando regras e dizendo que vai ser assim, vai ser assado. A implantação de Belterra não tem nada a ver com a de Guaiú, ou de Craíbas ou de Guaribas.
O grande nó com que as empresas mais alinhadas com sustentabilidade se deparam é o do consumo. A Vivo, por exemplo, ganha com o aumento do consumo e da obsolescência dos produtos, o que gera mais resíduos, não é? Não. Eu não ganho dinheiro com a venda do (aparelho de) celular. Eu perco. Eu vendo celular subsidiado. Eu compro um celular por R$ 100, muitas vezes estou vendendo por R$ 20. No Brasil, o que funcionou foi vender o aparelho subsidiado e barato para que se possa vender o serviço. Se não fosse assim, não tinha crescido o que cresceu. Mas não que a gente estimule a obsolescência. Quanto mais tempo durar um celular, melhor pra gente. É verdade que tem uma evolução tecnológica muito rápida e os celulares de segunda geração estão sendo substituídos pelos de terceira – os smartphones –, que não são feitos só para falar, são quase o arquivo da vida da pessoa. Mesmo não sendo nosso interesse, temos 3.400 pontos de coleta de equipamento – celular, bateria, carregador. Todo esse material é recolhido, temos um índice de aproveitamento que é de 90% em novos aparelhos. Qual nosso processo? Temos os 3.400 pontos, entregamos o material recolhido em uma empresa no Brasil e outra fora, acho que nos EUA, que é especialista em engenharia reversa e distribui o material que volta para a indústria de celulares (mais sobre logística reversa em reportagem desta edição). Toda a renda que a gente arrecada na venda desse produto vai para o Instituto Ipê.
A gente também está preocupado com a questão do lixo eletrônico. Temos um consumo muito grande de baterias em nossas antenas – elas funcionam com a eletricidade da rede pública. Quando cai a rede – exemplo, em Nova Friburgo –, essas baterias duram 4, 5 horas. E essas baterias têm um processo de reciclagem de acordo com os melhores critérios de sustentabilidade. Não fosse assim, a gente não estaria no ISE. E tem nosso Data Center, que vale um box nessa matéria. É um investimento de centenas de milhões de reais, e poderia ser muito mais barato se nós não tivéssemos dito que queríamos um green building.
Esse prédio em que estamos (a sede) é um green building? Esse aqui não tem a certificação, mas é ele novo e tem um índice de sustentabilidade elevado. A pegada ecológica da nossa empresa equivale ao consumo de 15 jatos executivos.
Como assim, o que se considera nessa pegada? Em que período? A emissão de carbono é baixíssima.
Essa é uma característica de todo o setor de telecomunicações, não? Sim, desde que o setor como um todo seja consciente.
Que indicadores a Vivo usa para atestar seu nível de sustentabilidade? O ISE é o principal. O ISE é o indicador da Bolsa de Valores, desenvolvido com a Fundação Getulio Vargas. (mais em Artigo desta edição)
Sim, com o Gvces. Esta revista, inclusive, é do Gvces. Então, pronto, vocês são os melhores. Depois que começamos todos os processos, vimos que tínhamos tamanho para nos candidatarmos ao ISE. E a implantação não é uma coisa fácil. Você tem que se comprometer a ter uma série de processos dentro da empresa. Estamos há dois anos na carteira. A gente tem uma área para fazer a gestão disso aqui na Vivo. Tem uma pessoa jovem, a Juliana Limonta, que tem talvez 29, 30 anos, e nunca vi alguém tão preparado para um assunto. Ela inclusive deveria estar aqui (nesta entrevista). Ela discute com vice-presidentes aqui, pessoas totalmente seniores, de igual para igual, e consegue convencer todo mundo a andar por esse caminho. Junto tem uma área de comunicação da sustentabilidade, pois não adianta fazer as coisas sem envolver todos os parceiros, e os colaboradores principalmente. Então o assunto é esse. Nós somos uma empresa com prazo indeterminado. E, se o mundo acabar, não vamos mais ter prazo indeterminado. Volto ao início da minha conversa: uma razão social muito forte, e uma consciência de que queremos ser perenes.
Então sustentabilidade é a sustentabilidade da Vivo, basicamente? É a sustentabilidade da empresa, porque ela é um grande elemento de desenvolvimento econômico e social no Brasil. Telecomunicações, já dizia o Marechal Rondon, é o que preserva nossas fronteiras, é o que leva educação, saúde, é o que leva entretenimento, acesso a redes sociais hoje. Óbvio, nós temos de ter lucro. Qual o problema do bem da empresa? Quem não quer uma empresa forte e saudável? Só assim que a máquina gira. Então, é sustentabilidade da Vivo? É, sim. A Vivo é uma referência mundial de uma gestão equilibrada, preocupada não só com os resultados financeiros, mas com a relação com todos os seus públicos. Princípios éticos fortes, valores claros para todo mundo e, principalmente, uma estratégia de comunicação intensa com nossos colaboradores, para que isso não fique na cabeça de duas ou três pessoas.