A profusão de índices, relatórios e compromissos empresariais encabeçados pelos diversos atores da sustentabilidade reflete uma saudável multiplicidade ou já pede convergência?
Princípios do Equador, GRI, ISE, ICC, IAS, Global Compact, IBGC, IASCG, ISO 26000… Uma verdadeira sopa de letrinhas acompanha a profusão de indicadores, fóruns, movimentos e compromissos públicos que, ao longo dos últimos anos, vem embalando a consolidação da sustentabilidade como tema estratégico para empresas, governos e cidadãos. No meio de tantas iniciativas não é muito fácil para neófitos – e mesmo para os profissionais que militam na área – processar o resultado de tantas medições e articulações. Essa profusão de itens nas prateleiras do mercado da sustentabilidade reflete uma saudável diversidade ou expressa falta de objetivo e de convergência?
Se uma empresa resolve, por exemplo, produzir um relatório de sustentabilidade segundo os parâmetros da Global Reporting Initiative (GRI), buscar fazer parte da carteira do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BM&FBovespa e, ainda, responder aos Indicadores Ethos, vai se defrontar com farta quantidade de trabalho ao preencher os questionários e formulários. Os dados e informações normalmente não conversam entre si, o que acaba exigindo uma repetição de ações – que são parecidas, mas diferentes.
Além disso, se esta mesma empresa desenvolver uma política com relação ao tema de mudança climática, terá à disposição vários espaços de articulação, como o Fórum Clima e o Empresas pelo Clima (EPC), e ainda diversas agrupações no âmbito estadual, muitas delas vinculadas ao Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Embora tratem de um tema comum, essas várias instâncias seguem dinâmicas próprias, com agendas específicas.
Os profissionais ouvidos por Página22 reconhecem que essa profusão de indicadores e compromissos vem cumprindo sua parte na consolidação de um conceito complexo e inovador, como o da sustentabilidade. Mas acreditam que é chegado o momento de buscar uma melhor coordenação. É o que defende o consultor Marcus Nakagawa, idealizador da Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade [1]. Para ele, é preciso haver uma espécie de consolidação dos indicadores, fóruns e compromissos, de forma a conseguir um entendimento e engajamento maior dos consumidores e da população em geral.
[1] A associação foi lançada em março de 2011 para conectar e fortalecer a atuação dos profissionais de sustentabilidade. Mais informações aqui.
O consultor lembra que, quando ainda trabalhava em empresas, sentia que em muitas ocasiões era difícil traduzir esse monte de indicadores em dados palpáveis para os gestores, que são finalmente os que tomam as decisões. Para ele, o tempo de um diretor é curto e, com muitos dados na mão, existe o risco de perder a oportunidade de convencimento. “Por isso a importância de consolidar alguns desses indicadores e otimizar os congressos e fóruns, que se têm multiplicado muito nos últimos anos.”
Para as empresas fica, portanto, a missão de lidar com essa sopa de letrinhas, tornando-a palatável para seus públicos. Claudia Malschitzky, executiva-sênior de Sustentabilidade do HSBC Brasil, vê esse papel de maneira positiva. Para ela, a sustentabilidade traduz um conjunto de conceitos e práticas que resultam em mudanças culturais e de comportamento que levam tempo para ser consolidadas. Nesse contexto, o surgimento de indicadores cobrindo diversas áreas e fases foi uma etapa necessária. “O processo de reporte tem um ponto positivo para a empresa porque direciona, dá um foco, indica qual é a trilha.”
A executiva destaca que muitas vezes as empresas têm boa vontade no sentido de desenvolver agendas estratégicas de sustentabilidade, mas não sabem o melhor caminho a seguir. Para ela, os diversos indicadores cumprem justamente a função de ajudar as empresas a ser mais transparentes no relacionamento com seus stakeholders. “Muitas vezes esses indicadores até transcendem o papel de ajudar na prestação de contas para condicionar a estratégia de posicionamento, de mudança cultural da empresa.”
O caráter de complementaridade dos fóruns e compromissos é um ponto positivo, na opinião de Bárbara Oliveira, coordenadora do programa Sustentabilidade Global, do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp. Ela vê como importante a cobertura dos diversos aspectos da sustentabilidade, até mesmo pelo fato de o Brasil ser um país muito diverso, cultural e geograficamente. “Além disso, em um ambiente democrático como o nosso, é importante contar com múltiplas visões e ter acesso a fontes diversas de pesquisas, documentos e dados.”
Do ponto de vista das empresas, o maior desafio, na opinião da pesquisadora, é conciliar a demanda externa por tanta informação com a realidade interna de equipes enxutas ou até a ausência de profissionais dedicados ao tema da sustentabilidade. “Vemos grandes empresas com apenas uma ou duas pessoas dedicadas ao tema. Realmente, fica impossível para estes poucos profissionais estar a cada semana em um fórum diferente, dar conta da demanda por tantos indicadores e ainda atuar nos diversos setores da organização.”
É justamente por reconhecer essa dificuldade das empresas de lidar com a crescente demanda por informações de gestão e impacto no campo da sustentabilidade que o Instituto Ethos está trabalhando para lançar uma nova geração dos Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Corporativa. Paulo Itacarambi, vice-presidente do instituto, explica que essa nova versão vai atualizar os indicadores e posicioná-los como uma plataforma, que até mesmo ajude as empresas a conciliá-los com a recém-lançada Norma de Responsabilidade Social ISO 26000 e, também, com as diretrizes da GRI. “Com isso, esperamos simplificar o trabalho para as empresas, no sentido de gerar indicadores para uso comum dessas plataformas já consolidadas.”
Direto ao ponto
Consolidar indicadores de sustentabilidade e compromissos empresariais contribuiria para facilitar o entendimento da sociedade sobre a efetividade dessas ações, acredita o consultor Aerton Paiva, sócio da empresa de consultoria Gestão Origami. Para ele, os indicadores atuais, apesar de necessários, ainda estão, em sua maioria, muito voltados para medir a eficiência e a eficácia dos processos de gestão. “Mas não conseguem medir os impactos reais, que, no final das contas, é o que as pessoas querem saber.”
Paiva diz que a Gestão Origami está trabalhando com seus clientes o conceito de one page report, pelo qual os diversos indicadores de gestão são contrapostos às tendências, desafios e oportunidades do setor de atuação da empresa, de forma a medir seus impactos concretos e a efetividade de suas estratégias de sustentabilidade. “Consolidamos tudo isso em literalmente uma página, frente e verso, de forma que qualquer pessoa, mesmo que não domine todo o ferramental de indicadores, consiga entender.”
Claudia Malschitzky, do HSBC, concorda que estamos no caminho para uma nova geração de indicadores e compromissos que deixem mais transparente o impacto das ações e ajudem a comunicá-los melhor para as partes interessadas. A matriz do banco na Inglaterra, por exemplo, produz um relatório de sustentabilidade de 25 páginas centrado nos compromissos assumidos e no que se conseguiu entregar efetivamente. “Estamos em um momento no qual os stakeholders querem ver na prática o que a empresa promete. No nosso caso, de que forma emprestamos o dinheiro, como nossa carteira de crédito está sendo gerida etc. E os indicadores e compromissos têm de ser cada vez mais capazes de espelhar essa realidade.”