Pesquisas nos Estados Unidos relacionam a queda nos índices de criminalidade à presença de grupos minoritários, como imigrantes e gays, e derrubam o senso comum e o preconceito
Você saberia dizer qual dessas gerações americanas viveu com as maiores taxas de criminalidade: a que passou pela Grande Depressão de 1929; a da época dos hippies dos anos 1960, que pregavam “paz e amor”; ou os que presenciaram a imigração meteórica de latino-americanos de baixa renda, na década de 1990? Segundo estudos publicados recentemente, o que parece óbvio pode nos enganar. Nos anos 60, os casos de violência explodiram, mas desde 1994 têm caído, registrando em 2010 as menores taxas já vistas, mesmo depois da crise econômica nos dois anos anteriores.
O motivo, segundo James Q. Wilson, cientista político e especialista em crimes urbanos, seria que a revolução cultural da década de 1960 motivou certa anomia e um clima de tensão como efeito colateral das manifestações e da desobediência civil. Já durante as crises, as pessoas tendem a levar mais a sério o autocontrole e as regras sociais. Atualmente, no entanto, o principal fator para as baixas taxas de violência estaria ligado à diversidade humana. Alguns estudos mostram que, quanto mais diversa uma cidade, mais pacífica ela tende a ser.
É o que revela o estudioso americano sobre cidades criativas Richard Florida. Ele notou que em cidades densamente povoadas, principalmente por grupos minoritários como imigrantes, negros e gays, a ocorrência de crimes caiu entre 1990 e 2008.
Assassinatos, estupros e roubos diminuíram em 5,5% entre 2009 e 2010 e as quedas foram mais expressivas em aglomerados urbanos, considerados “caldeirões de crimes”, como Nova York. Segundo Florida, essas análises mostram que a porcentagem de população hispânica é inversamente proporcional à violência. “Não só encontramos uma correlação negativa entre a presença de estrangeiros e crimes em geral (menos 3,6%), como entre vários tipos de ocorrências – de assassinatos a incêndios criminosos e roubos de carro”, diz.
Outro estudo, da Instituição Brookings, voltada para ciências sociais, economia e políticas urbanas nos EUA, reconhece que, na década de 1990, o crime era associado à presença de estrangeiros. Mas essa relação desapareceu em 2008 e os melhores resultados foram constatados onde a proporção de minorias, como latino-americanos, gays e não brancos em geral, aumentou, seja em comunidades ricas, seja nas pobres.
A conclusão de Florida é que fatores sociais e econômicos (espírito empreendedor, ou medo de se deportado, por exemplo) tornam os imigrantes “bons vizinhos” com capacidade de influenciar não só “seus próprios enclaves, como também as comunidades em seu entorno”. Trata-se de um efeito civilizatório oriundo das trocas culturais, oportunidade que se exacerba nas grandes cidades, povoadas pelas mais diferentes tribos.
Fabio Storino, secretário-executivo do Centro de Estudos em Sustentabilidade, da Fundação Getulio Vargas, e doutor em política de segurança pública, exemplifica: “O primeiro beijo gay num bairro tradicional pode gerar protestos da liga de senhoras católicas. O segundo, uma carta enfurecida sobre a degradação dos bons costumes ao jornal do bairro. Depois do milésimo, a sociedade acaba se acostumando. Se hoje parecemos mais tolerantes, é porque fomos maciçamente expostos às diferenças”, diz.
Considerando que o fenômeno verificado nos EUA não se refere apenas à redução dos crimes de ódio, motivados pela intolerância, tudo indica que a abertura à diversidade gera cidadãos mais satisfeitos com suas próprias vidas e acaba influenciando a relação com o meio e com as outras pessoas. “A maior felicidade e satisfação com a cidade aumenta a perspectiva dos jovens imigrantes – e mesmo a dos não migrantes –, o que leva a um ambiente menos propenso ao crime”, analisa Storino.
Esse argumento é corroborado pelo sociólogo Robert J. Sampson, da Universidade Harvard, que encontrou os mesmos resultados em um extenso estudo sobre a criminalidade em Chicago, entre 1995 e 2003, e as características demográficas de seus bairros. Sampson explica que os fluxos imigratórios ajudaram a revitalizar áreas urbanas antes decadentes em todo o país, mas sua principal hipótese é a de que a mistura cultural teria esvaziado antigos códigos associados ao comportamento violento, como “salvar a face” ou demandar respeito dentro da “cultura de rua”.
Talvez o exemplo americano possa servir de inspiração ao Brasil, país também diverso e fundado na imigração. Aprender como conviver com as diferenças, e até valorizá-las, é o primeiro passo na direção de uma cidade verdadeiramente civilizada e segura.[:en]Pesquisas nos Estados Unidos relacionam a queda nos índices de criminalidade à presença de grupos minoritários, como imigrantes e gays, e derrubam o senso comum e o preconceito
Você saberia dizer qual dessas gerações americanas viveu com as maiores taxas de criminalidade: a que passou pela Grande Depressão de 1929; a da época dos hippies dos anos 1960, que pregavam “paz e amor”; ou os que presenciaram a imigração meteórica de latino-americanos de baixa renda, na década de 1990? Segundo estudos publicados recentemente, o que parece óbvio pode nos enganar. Nos anos 60, os casos de violência explodiram, mas desde 1994 têm caído, registrando em 2010 as menores taxas já vistas, mesmo depois da crise econômica nos dois anos anteriores.
O motivo, segundo James Q. Wilson, cientista político e especialista em crimes urbanos, seria que a revolução cultural da década de 1960 motivou certa anomia e um clima de tensão como efeito colateral das manifestações e da desobediência civil. Já durante as crises, as pessoas tendem a levar mais a sério o autocontrole e as regras sociais. Atualmente, no entanto, o principal fator para as baixas taxas de violência estaria ligado à diversidade humana. Alguns estudos mostram que, quanto mais diversa uma cidade, mais pacífica ela tende a ser.
É o que revela o estudioso americano sobre cidades criativas Richard Florida. Ele notou que em cidades densamente povoadas, principalmente por grupos minoritários como imigrantes, negros e gays, a ocorrência de crimes caiu entre 1990 e 2008.
Assassinatos, estupros e roubos diminuíram em 5,5% entre 2009 e 2010 e as quedas foram mais expressivas em aglomerados urbanos, considerados “caldeirões de crimes”, como Nova York. Segundo Florida, essas análises mostram que a porcentagem de população hispânica é inversamente proporcional à violência. “Não só encontramos uma correlação negativa entre a presença de estrangeiros e crimes em geral (menos 3,6%), como entre vários tipos de ocorrências – de assassinatos a incêndios criminosos e roubos de carro”, diz.
Outro estudo, da Instituição Brookings, voltada para ciências sociais, economia e políticas urbanas nos EUA, reconhece que, na década de 1990, o crime era associado à presença de estrangeiros. Mas essa relação desapareceu em 2008 e os melhores resultados foram constatados onde a proporção de minorias, como latino-americanos, gays e não brancos em geral, aumentou, seja em comunidades ricas, seja nas pobres.
A conclusão de Florida é que fatores sociais e econômicos (espírito empreendedor, ou medo de se deportado, por exemplo) tornam os imigrantes “bons vizinhos” com capacidade de influenciar não só “seus próprios enclaves, como também as comunidades em seu entorno”. Trata-se de um efeito civilizatório oriundo das trocas culturais, oportunidade que se exacerba nas grandes cidades, povoadas pelas mais diferentes tribos.
Fabio Storino, secretário-executivo do Centro de Estudos em Sustentabilidade, da Fundação Getulio Vargas, e doutor em política de segurança pública, exemplifica: “O primeiro beijo gay num bairro tradicional pode gerar protestos da liga de senhoras católicas. O segundo, uma carta enfurecida sobre a degradação dos bons costumes ao jornal do bairro. Depois do milésimo, a sociedade acaba se acostumando. Se hoje parecemos mais tolerantes, é porque fomos maciçamente expostos às diferenças”, diz.
Considerando que o fenômeno verificado nos EUA não se refere apenas à redução dos crimes de ódio, motivados pela intolerância, tudo indica que a abertura à diversidade gera cidadãos mais satisfeitos com suas próprias vidas e acaba influenciando a relação com o meio e com as outras pessoas. “A maior felicidade e satisfação com a cidade aumenta a perspectiva dos jovens imigrantes – e mesmo a dos não migrantes –, o que leva a um ambiente menos propenso ao crime”, analisa Storino.
Esse argumento é corroborado pelo sociólogo Robert J. Sampson, da Universidade Harvard, que encontrou os mesmos resultados em um extenso estudo sobre a criminalidade em Chicago, entre 1995 e 2003, e as características demográficas de seus bairros. Sampson explica que os fluxos imigratórios ajudaram a revitalizar áreas urbanas antes decadentes em todo o país, mas sua principal hipótese é a de que a mistura cultural teria esvaziado antigos códigos associados ao comportamento violento, como “salvar a face” ou demandar respeito dentro da “cultura de rua”.
Talvez o exemplo americano possa servir de inspiração ao Brasil, país também diverso e fundado na imigração. Aprender como conviver com as diferenças, e até valorizá-las, é o primeiro passo na direção de uma cidade verdadeiramente civilizada e segura.