Outubro de 1985. Gro Harlem Brundtland, chefe da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas e ex-primeira-ministra da Noruega, fazia sua primeira visita ao Brasil.
Ciceroneada pelo ambientalista Fabio Feldmann, Brundtland teve uma das visões mais dantescas de sua jornada global de debates e reflexões sobre a deterioração do meio ambiente: a descida da Serra do Mar, na travessia entre São Paulo e Santos, e a fumaça cinza que cobria os céus de Cubatão. Era o “Vale da Morte”, um cenário que garantia àquela cidade o ingrato título de “cidade mais poluída do mundo”.
Não era apenas a poluição atmosférica resultante das indústrias presentes naquela cidade que colocava Cubatão numa situação tão singular. A precariedade em que vivia grande parte de sua população, em favelas escoradas na serra e próximas a dutos de gás, era ainda mais gritante. Era o progresso industrial, o descaso social e o desastre ambiental, tudo numa mesma cidade.
Dois anos depois, em seu relatório “Nosso Futuro Comum”, Brundtland e os membros de sua comissão defenderam uma nova abordagem sobre o desenvolvimento econômico, associada à necessidade de preservar os recursos e a qualidade do meio ambiente, equilibrando necessidades presentes e futuras e reduzindo o impacto humano sobre a natureza. Eram as bases do termo “desenvolvimento sustentável”, o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Esse termo reorientaria o movimento ambientalista a partir do final dos anos 1980 e colocaria a questão ambiental na grande agenda política global na década seguinte, um movimento que resultaria na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992 (ECO-92), no Rio de Janeiro.
Curiosamente, Brundtland passaria ao largo das consequências de seu trabalho entre 1986 e 1996, quando reassumiu o governo norueguês. Posteriormente, ela dirigiu a Organização Mundial da Saúde (OMS), o que a deixou distante das discussões sobre desenvolvimento sustentável até meados de 2003. Foi apenas a partir dessa época, mais de uma década depois da conferência do Rio, que Brundtland assumiu um papel mais ativo, particularmente no debate político sobre mudança do clima. Hoje, ela é representante especial da ONU para Mudanças Climáticas e uma das maiores referências globais na discussão sobre um futuro de baixo carbono para o planeta.
Em visita recente ao Brasil para participar de eventos do Fronteiras do Pensamento, a ex-primeira-ministra norueguesa expôs algumas reflexões sobre o quanto o enfrentamento das mudanças climáticas evoluiu nas últimas décadas e sobre os desafios de um mundo pós-carbono. Para ela, o entendimento básico sobre o perigo das mudanças climáticas já é praticamente unânime, mas as respostas ainda não estão plenamente alinhadas, o que pode nos colocar numa situação dramática nas próximas décadas.
De acordo com Gro Brundtland, dois elementos são fundamentais para que o enfrentamento às mudanças climáticas seja efetivo: o engajamento da iniciativa privada e a liderança dos gestores públicos. “Em Nova York ficou muito claro para mim que o setor privado agora vê os riscos do pensamento tradicional. Eles querem investir em um futuro com baixa emissão de carbono. Eles não querem investir em história. Eles veem as oportunidades, eles pedem muito mais ação governamental para inspirar e chegar às soluções para um mundo sustentável”.
Para ela, a nova geração de lideranças empresariais começa a fazer a diferença nos esforços globais para aplacar as alterações do clima, principalmente em uma das questões mais delicadas nessa luta: a precificação do carbono.
“O recente relatório Crescimento Melhor, Clima Melhor impressionou muita gente. Ficou claro que há muitos no setor privado que agora enxergam oportunidades, não apenas necessidade, em se adotar soluções de baixo carbono. Eles demandaram que se atribua um preço ao carbono, pediram um esclarecimento dos governos sobre regulação futura, estavam impacientes, pedindo ação”.
Brundtland citou o esforço norueguês para precificar suas emissões como um exemplo de como a precificação do carbono pode ser benéfica na luta para reduzir as emissões e para promover inovação tecnológica e investimentos verdes no setor privado. “Pagar pelas emissões não teve impacto sobre nossa indústria. Eles se adaptaram e conseguiram atrair investimentos para financiar essa adaptação”.
A precificação do carbono é um dos incentivos que Brundtland aponta como importantes para que o mundo consiga fazer uma transição efetiva para o baixo carbono. Nesse caso, o papel dos governos é fundamental para que se defina um contexto que impulsione a adoção de novas soluções e que facilite o abandono de tecnologias antigas.
“Políticas públicas são necessárias para estimular os mercados, para remover barreiras, para nivelar o campo de atuação e estabelecer objetivos e alvos claros para energia renovável e eficiente. Ao mesmo tempo, precisamos desfazer as políticas antiquadas que criam os incentivos errados e que nos mantêm presos a formas não sustentáveis de fazer negócios”.
No que tange às negociações internacionais para definir o novo acordo climático que sucederá o Protocolo de Quioto a partir de 2020, Gro Brundtland aponta a necessidade de uma liderança genuína por parte dos governos para que possamos chegar a algum resultado efetivo e cita a Conferência de Copenhague (COP 15) como um exemplo de falta de liderança e de confiança entre os negociadores. “Lá em Copenhague, tínhamos numa mesma sala o presidente norte-americano Barack Obama, tínhamos Angela Merkel da Alemanha, e o representante chinês na conversa era um diplomata de terceiro escalão, tudo isso porque o líder chinês não concordava que o país assumisse mais responsabilidades e por isso sequer participava das conversas”.
“Coragem e visão de longo prazo são importantes para que os líderes globais possam construir algo efetivo nos próximos meses”, aponta Gro Brundtland.
Um último aspecto ressaltado pela ex-primeira-ministra norueguesa é a importância da educação como ferramenta para catalisar a transição para um mundo de baixo carbono nas próximas décadas. “Educação é a chave para transformar o panorama ambiental universal”. Novamente, o exemplo da Noruega mostra como a educação facilita esse processo. “Quando precificamos as emissões na Noruega, a indústria petrolífera gritou e protestou, mas não conseguiu comover a população, que já sabia da importância e da necessidade de fazermos isso. Ter a informação correta e conscientizar a população da realidade do problema é fundamental”.[:en]Outubro de 1985. Gro Harlem Brundtland, chefe da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas e ex-primeira-ministra da Noruega, fazia sua primeira visita ao Brasil.
Ciceroneada pelo ambientalista Fabio Feldmann, Brundtland teve uma das visões mais dantescas de sua jornada global de debates e reflexões sobre a deterioração do meio ambiente: a descida da Serra do Mar, na travessia entre São Paulo e Santos, e a fumaça cinza que cobria os céus de Cubatão. Era o “Vale da Morte”, um cenário que garantia àquela cidade o ingrato título de “cidade mais poluída do mundo”.
Não era apenas a poluição atmosférica resultante das indústrias presentes naquela cidade que colocava Cubatão numa situação tão singular. A precariedade em que vivia grande parte de sua população, em favelas escoradas na serra e próximas a dutos de gás, era ainda mais gritante. Era o progresso industrial, o descaso social e o desastre ambiental, tudo numa mesma cidade.
Dois anos depois, em seu relatório “Nosso Futuro Comum”, Brundtland e os membros de sua comissão defenderam uma nova abordagem sobre o desenvolvimento econômico, associada à necessidade de preservar os recursos e a qualidade do meio ambiente, equilibrando necessidades presentes e futuras e reduzindo o impacto humano sobre a natureza. Eram as bases do termo “desenvolvimento sustentável”, o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Esse termo reorientaria o movimento ambientalista a partir do final dos anos 1980 e colocaria a questão ambiental na grande agenda política global na década seguinte, um movimento que resultaria na Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1992 (ECO-92), no Rio de Janeiro.
Curiosamente, Brundtland passaria ao largo das consequências de seu trabalho entre 1986 e 1996, quando reassumiu o governo norueguês. Posteriormente, ela dirigiu a Organização Mundial da Saúde (OMS), o que a deixou distante das discussões sobre desenvolvimento sustentável até meados de 2003. Foi apenas a partir dessa época, mais de uma década depois da conferência do Rio, que Brundtland assumiu um papel mais ativo, particularmente no debate político sobre mudança do clima. Hoje, ela é representante especial da ONU para Mudanças Climáticas e uma das maiores referências globais na discussão sobre um futuro de baixo carbono para o planeta.
Em visita recente ao Brasil para participar de eventos do Fronteiras do Pensamento, a ex-primeira-ministra norueguesa expôs algumas reflexões sobre o quanto o enfrentamento das mudanças climáticas evoluiu nas últimas décadas e sobre os desafios de um mundo pós-carbono. Para ela, o entendimento básico sobre o perigo das mudanças climáticas já é praticamente unânime, mas as respostas ainda não estão plenamente alinhadas, o que pode nos colocar numa situação dramática nas próximas décadas.
De acordo com Gro Brundtland, dois elementos são fundamentais para que o enfrentamento às mudanças climáticas seja efetivo: o engajamento da iniciativa privada e a liderança dos gestores públicos. “Em Nova York ficou muito claro para mim que o setor privado agora vê os riscos do pensamento tradicional. Eles querem investir em um futuro com baixa emissão de carbono. Eles não querem investir em história. Eles veem as oportunidades, eles pedem muito mais ação governamental para inspirar e chegar às soluções para um mundo sustentável”.
Para ela, a nova geração de lideranças empresariais começa a fazer a diferença nos esforços globais para aplacar as alterações do clima, principalmente em uma das questões mais delicadas nessa luta: a precificação do carbono.
“O recente relatório Crescimento Melhor, Clima Melhor impressionou muita gente. Ficou claro que há muitos no setor privado que agora enxergam oportunidades, não apenas necessidade, em se adotar soluções de baixo carbono. Eles demandaram que se atribua um preço ao carbono, pediram um esclarecimento dos governos sobre regulação futura, estavam impacientes, pedindo ação”.
Brundtland citou o esforço norueguês para precificar suas emissões como um exemplo de como a precificação do carbono pode ser benéfica na luta para reduzir as emissões e para promover inovação tecnológica e investimentos verdes no setor privado. “Pagar pelas emissões não teve impacto sobre nossa indústria. Eles se adaptaram e conseguiram atrair investimentos para financiar essa adaptação”.
A precificação do carbono é um dos incentivos que Brundtland aponta como importantes para que o mundo consiga fazer uma transição efetiva para o baixo carbono. Nesse caso, o papel dos governos é fundamental para que se defina um contexto que impulsione a adoção de novas soluções e que facilite o abandono de tecnologias antigas.
“Políticas públicas são necessárias para estimular os mercados, para remover barreiras, para nivelar o campo de atuação e estabelecer objetivos e alvos claros para energia renovável e eficiente. Ao mesmo tempo, precisamos desfazer as políticas antiquadas que criam os incentivos errados e que nos mantêm presos a formas não sustentáveis de fazer negócios”.
No que tange às negociações internacionais para definir o novo acordo climático que sucederá o Protocolo de Quioto a partir de 2020, Gro Brundtland aponta a necessidade de uma liderança genuína por parte dos governos para que possamos chegar a algum resultado efetivo e cita a Conferência de Copenhague (COP 15) como um exemplo de falta de liderança e de confiança entre os negociadores. “Lá em Copenhague, tínhamos numa mesma sala o presidente norte-americano Barack Obama, tínhamos Angela Merkel da Alemanha, e o representante chinês na conversa era um diplomata de terceiro escalão, tudo isso porque o líder chinês não concordava que o país assumisse mais responsabilidades e por isso sequer participava das conversas”.
“Coragem e visão de longo prazo são importantes para que os líderes globais possam construir algo efetivo nos próximos meses”, aponta Gro Brundtland.
Um último aspecto ressaltado pela ex-primeira-ministra norueguesa é a importância da educação como ferramenta para catalisar a transição para um mundo de baixo carbono nas próximas décadas. “Educação é a chave para transformar o panorama ambiental universal”. Novamente, o exemplo da Noruega mostra como a educação facilita esse processo. “Quando precificamos as emissões na Noruega, a indústria petrolífera gritou e protestou, mas não conseguiu comover a população, que já sabia da importância e da necessidade de fazermos isso. Ter a informação correta e conscientizar a população da realidade do problema é fundamental”.
Bruno Toledo