Por Mario Monzoni
Dois de dezembro de 2005. Acordei cedo para checar o desempenho do primeiro dia do Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bovespa, o ISE. Ainda no berçário da maternidade, parecia gente grande: alta de 1,97%! A alegria foi em parte diminuída diante da variação do Ibovespa nas mesmas 24 horas: 2,19%. Será que o conceito de sustentabilidade como elemento gerador de valor não estaria funcionando? O erro residiria na fórmula?
Independente da ansiedade de “pai”, é preciso encarar o fato de que a inclusão da sustentabilidade nos modelos de negócio é um processo e que, a partir dele, as empresas passam a cuidar de seus impactos no planeta e na comunidade, sem descuidar do bottom line econômico. Não se trata de fórmula mágica.
Infelizmente, nem todos enxergam o processo dessa maneira. Na edição de maio da revista Época Negócios, um artigo do jornalista José Fucs conclui que as práticas de responsabilidade empresarial subtraem desempenho econômico-financeiro das empresas e cita a performance do ISE como prova cabal. De fato, de dezembro de 2005 a 23 de maio último, o Ibovespa suplantou o ISE em 3,95 pontos percentuais (62,34% versus 58,39%). Se o objetivo era gerar confusão sobre o conceito de investimento socialmente responsável (SRI, na sigla em inglês), no qual o ISE se apóia, o artigo é excepcionalmente eficaz.
Embora tenham chegado ao Brasil recentemente, conceito e práticas de SRI estão presentes nos EUA desde a década de 60, quando fundos éticos passaram a excluir de seus portfólios ações de empresas que mantinham relacionamento com o regime de apartheid na África do Sul ou que participavam da cadeia de fornecedores de armamentos para a Guerra do Vietnã.
O conceito ganhou corpo e, no fim dos anos 1990, os fundos SRI movimentavam cerca de US$ 2 trilhões. Em 1999 estimou-se que as decisões de investimento para 1 em cada 8 dólares de terceiros administrados por instituições financeiras americanas levavam em conta critérios sociais ou ambientais. O volume de recursos e o número de fundos SRI demandaram a construção de índices de referência.
Assim surgiu, em 1999, a Dow Jones Sustainability Indexes (DJSI), família de índices cujas carteiras são constituídas a partir de uma abordagem triple bottom line. Nos últimos sete anos, o Dow Jones Sustainability Global Index apresentou variação de 46,47% contra 43,82% do MSCI, índice benchmark tradicional do mercado financeiro (para comparação entre fundos tradicionais e o SRI, veja artigo de Gustavo Pimentel em http://ef.amazonia.org.br).
Em 2001, o Financial Times e a London Stock Exchange lançaram o FTSE4Good, índice de sustentabilidade da Bolsa de Londres. A tendência se espalhou para os mercados emergentes e influenciou a construção do índice SRI da Bolsa de Johannesburgo (JSE) e do ISE.
Assim como os irmãos, o ISE é uma manifestação da sociedade civil brasileira – um instrumento de auto-regulação – que procura avaliar, por meio de metodologia, critérios e indicadores, um conjunto de empresas listadas na Bovespa quanto à natureza do seu produto ou serviço, a qualidade da gestão ambiental da empresa, o seu relacionamento com as partes interessadas, o tratamento aos acionistas minoritários, a transparência e o grau de prestação de contas dessas práticas, além do desempenho econômico-financeiro tradicional.
Esses índices induzem o lançamento de fundos éticos e, juntos, índices e fundos estimulam as melhores estratégias e práticas empresariais, revelando-se poderosos instrumentos de promoção do desenvolvimento sustentável. São meios e não fins em si mesmos.
A história recente impede conclusões apressadas. A aposta do SRI baseia-se na lógica que conecta as práticas empresariais, que respondem aos desafios da sustentabilidade, à criação de valor ao acionista a longo prazo. Espera-se que as empresas que integram a carteira do ISE desfrutem de acesso mais rápido e barato ao crédito, de menores custos de seguro, cultivem clima organizacional elevado, atraiam e retenham os melhores talentos, recebam maior lealdade do consumidor e, com isso, valorizem a imagem institucional. E, ainda, que reduzam riscos e passivos socioambientais, diminuam as chances de conflitos e garantam a licença social para operar.
Ao buscar reduzir sua pegada no planeta e deixar uma marca responsável na sociedade, essas organizações garantem a oferta de produtos, serviços e modelos de negócios inovadores a longo prazo. Contribuem, portanto, para a própria perenidade. Se ainda não há evidências robustas de que tais práticas geram valor financeiro ao acionista, é possível afirmar que não ferem o desempenho econômicofinanceiro das empresas.
A Interface, empresa americana detentora de 38% do mercado global de carpetes é um bom exemplo. Seu presidente, Ray Anderson, percebeu o valor da sustentabilidade e, a partir de 1994, mudou o jeito de atuar da empresa. De lá para cá, os esforços da Interface para se tornar mais sustentável levaram a uma economia de mais de US$ 336 milhões, segundo Anderson. O ganho de imagem, em alguns casos, pode ser incalculável.
O bom desempenho do ISE nos primeiros 12 meses de vida pode, em boa medida, ser explicado pela concentração em papéis de instituições financeiras, que representavam, no período, cerca de 60% da carteira, e tiveram performance muito elevada comparada com outros setores.
A redução da taxa de valorização do ISE nos últimos seis meses se deve, em parte, à perda de valor de mercado das ações da Petrobras, que passou a fazer parte da carteira do ISE em dezembro de 2006 e a partir daí responde por 25% do desempenho do índice. Nesse período, os papéis da Petrobras valorizaram em média 6%, contra 18,41% do ISE e 23,56% do Ibovespa.
Como vemos, no curto prazo o índice responde muito mais a fatores como concentração e volatilidade. Quanto à sustentabilidade, é ainda cedo para dizer. A aposta continua.