Por Roberto S. Waack
A floresta tropical é um recurso escasso e conseqüentemente de alto valor? Para quem? Para as comunidades e a população da Amazônia, raro é ter a terra livre para plantar. Para o mundo, raras são as áreas florestadas que oferecem serviços ambientais como clima, retenção de carbono, biodiversidade, proteção de mananciais de água doce e paisagem. O conceito de raridade ambiental, de escassez, é relativo, e essa relatividade traz conflitos em vários campos.
Na questão institucional, as regras do jogo para a população local não são as mesmas para quem vive fora da floresta. No âmbito local, “limpar” a floresta é culturalmente aceito, prática realizada historicamente, e não é a causa principal do desmatamento. Essa “porta de entrada”, no entanto, representa um ponto frágil para o aumento de escala do desflorestamento, uma vez que a terra continua sendo um bem escasso para a pecuária e a agricultura. Há um evidente conflito com as regras do jogo da preservação ambiental.
A floresta, como bem escasso global, passa a ser protegida nos âmbitos nacionais e internacionais. Um conjunto de leis cada vez mais complexo não é sufi cientemente forte e completo para garantir a sua proteção. A corrupção e a oligarquia local são forças contrárias à implementação das leis de proteção ambiental. A estruturação de uma forte rede de madeireiros ilegais, muitas vezes associados ao poder político regional, impede a aplicação da lei. Por que o ambiente institucional não é capaz de fazer valer a legislação? Não se trata apenas de uma questão de law enforcement. Há outros componentes.
Na Floresta Amazônica brasileira, o direito de propriedade da terra é extremamente frágil e confuso e desperta discussões entre os estados e a federação. Multiplicam-se órgãos, opiniões e questões ideológicas sobre o direito de uso e posse da terra. Ainda há outro conflito: se o recurso é raro, deve ter valor e preço. Mas enquanto a terra livre tem um bom preço, pois oferece alternativas de renda à população, e é demandada por atividades agroindustriais de grande escala, a floresta em pé não é valorizada, ao contrário, representa muitas vezes um custo alto para ser mantida.
Nó da madeira
Já a madeira tropical oriunda da informalidade tem preço muito baixo, atraindo o consumidor. O mercado aceita comprar essa madeira, agindo hipocritamente, pois não concorda com a devastação florestal. Neste campo, iniciativas como a rastreabilidade e a certificação são uma solução importante para a valorização da madeira e de sistemas de manejo sustentável. Medidas que incentivem a compra de madeira manejada por países, estados e municípios são de grande valia para coibir a ilegalidade.
Atividades econômicas como manejo florestal sustentável geram valor para a floresta, mas, infelizmente, a madeira parece ser a única fonte atual realmente importante de recursos. As matérias-primas não madeireiras são compradas por preços e volumes irrisórios, não representando mais do que sonhos de uma possível valorização da tão proclamada biodiversidade.
Fala-se muito dos serviços ambientais relacionados às mudanças climáticas, à emissão de créditos de carbono, à preservação de mananciais, à manutenção da paisagem. Para que a floresta permaneça em pé, ou com manejo sustentável, ela tem de gerar valor superior ao da terra livre de floresta. Na pior das hipóteses, as duas raridades devem se equilibrar. É o que o mundo deseja, mas está disposto a pagar? Para tanto, o papel da inovação no desenvolvimento de produtos e serviços ambientais com valores mais tangíveis é crucial.
Há ainda mais um conflito: o tempo. O corte raso das florestas gera renda em curtíssimo prazo. A falta de vínculo entre o madeireiro predatório, a propriedade da terra e a formalidade econômica faz com que o resultado da sua atividade tenha de ser auferido em pouco tempo. Seus investimentos industriais são precários, as serrarias, de pouco conteúdo tecnológico, e a agregação de valor, muito baixa. No outro lado, está o manejo florestal sustentável e os investimentos em inovação de produtos e serviços ambientais. Todos de longo prazo.
Como equilibrar essas forças? As florestas com pouco valor e ganhos de longo prazo versus o corte raso com rápida valorização da terra. Tudo isso em meio a um ambiente institucional fraco, baixo compromisso com a qualidade, e raras inovações para produtos e serviços ambientais. Há campo para otimismo?
Sou tentado a crer que sim. A sociedade civil organiza- se e o tema passa a ser foco dos principais fóruns mundiais, como este em Aix-en-Provence.
Ao mesmo tempo, costumamos dizer que a Amazônia é nossa, como se isso bastasse para bem geri-la e merecê-la. É fato: há mais de 20 milhões de habitantes na Amazônia brasileira. Mas as questões ambientais são globais e o conceito de soberania nacional há muito não é sufi ciente para justifi car a incompetência e as atrocidades político-administrativas.
Em síntese, há uma questão institucional em várias instâncias: a cultura local, os direitos de propriedade, a legislação ambiental, a aplicação da lei, a governança mundial e, em nível mais profundo, a questão do valor e do tempo. Tanto a terra a curto prazo em meio a instituições frágeis quanto a floresta a longo prazo e suas instituições emergentes são recursos escassos.
Este artigo decorre da apresentação realizada na reunião do Le Cercle des Économistes em Aix-en- Provence, França, voltada ao tema “Um Mundo de Recursos Escassos” (www.cercledeseconomistes.asso.fr)