Por Amália Safatle
Para o Centro Rio+, há uma expectativa de que o Brasil protagonize a agenda pós-2015 representando o eixo Sul-Sul
Criado em 2013 para manter na ordem do dia os compromissos assumidos na Rio+20, o Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, ou apenas Centro Rio+, já iniciou atividades em um escritório na Ilha do Fundão, Zona Norte do Rio de Janeiro. PÁGINA22 conversou com a diretora adjunta Layla Saad que, em trecho da entrevista a seguir, afirma: “O nosso mandato é amplificar a voz dos países do Sul dentro do debate do desenvolvimento sustentável”. Mais sobre o trabalho do Centro Rio+ aqui.
O Centro Rio+ tem como objetivo articular atores do setor privado, poder público e sociedade civil em torno do desenvolvimento sustentável. Desses atores, quais impõem mais desafios e apresentam mais dificuldade de envolvimento?
Envolver os atores não é a parte mais difícil. Quase todo mundo está falando sobre desenvolvimento sustentável nos governos, nas empresas e também na sociedade civil. O que é realmente difícil é que esses setores partam para ações concretas em relação a essa agenda. Se eu tiver de classificar, governo e setor privado são um pouco mais difíceis. O governo, ao ser responsável por construir todo o marco legal englobando a atuação e as políticas do setor privado. E também por ter de promover o entendimento de que o desenvolvimento sustentável é relevante para o momento do País. A sociedade civil, embora esteja envolvida, ainda é muito cética. Considera que a agenda, por ser internacional, é de outros.
E quanto ao setor privado, por que é difícil?
Se envolvermos as empresas para realmente mudarem o jeito de fazer as coisas dentro do core business, será muito interessante. Mas isso requer uma grande mudança, porque o objetivo principal do setor privado é ganhar dinheiro. É difícil vender a ideia de uma agenda que não deixa claro como a mudança para a sustentabilidade aumentará os lucros.
Qual o papel da mídia nessa articulação, para transformar tudo isso em uma questão mais prática? Que trabalho será feito em comunicação?
A mídia tem o poder de formar a opinião pública e promover a agenda. Para nós, é um papel fundamental e gostaríamos de começar um trabalho de parceria com algumas organizações. Não apenas com o compromisso de publicar artigos sobre algum aspecto do desenvolvimento, mas de ter uma parceria de longo prazo. O nosso mandato é amplificar a voz dos países do Sul dentro do debate do desenvolvimento sustentável. Fazer isso em parceria com a mídia será bem interessante.
Ainda não está claro para muita gente a diferença entre a agenda dos Objetivos do Milênio (ODM) e a agenda do desenvolvimento sustentável (ODS). Esta englobaria os Objetivos do Milênio que não foram atingidos, só que sob uma roupagem do desenvolvimento sustentável?
Não importa chamar de ODM ou de ODS. O importante é que, se não mudarmos o padrão do desenvolvimento, vamos continuar para sempre curando apenas os sintomas de uma doença. Datas são relevantes para incentivar as ações, e as metas que não foram atingidas entrarão nos ODS. Os ODS tentam responder às prioridades da Rio+20, que têm a ver com padrões de consumo, de produção, de energia, mas também de desigualdade. É uma agenda bem mais ampla que abrange aspectos sociais, econômicos e ambientais e trata do modus operandi, de como serão implementados. É fundamental fazer a diferença entre a agenda de pobreza, que era específica dos ODM, de uma agenda que diferencia pobreza e desigualdade, específica dos ODS.
Ao todo, quantos objetivos são? Isso é um rascunho, poderá ser mudado?
Há 17 objetivos no último documento entregue pelo grupo aberto de trabalho. O secretário-geral [das Nações Unidas, Ban Ki-moon] juntará esse documento ao relatório da agenda pós-2015 [objetivos e metas que incluirão as dimensões social, econômica e ambiental do desenvolvimento sustentável. incorporando os resultados da Rio+20], que tem relação com os ODM, e a um terceiro relatório sobre o comitê para o financiamento do desenvolvimento sustentável. Esses três documentos serão transformados em um relatório geral que será apresentado em setembro na Assembleia Geral da ONU. Haverá um ano para as negociações intergovernamentais que decidirão o texto final da agenda. A decisão será só em 2015.
Qual a eficácia de uma agenda com 17 objetivos e mais de 200 ações? Essa agenda deveria ser mais concisa? Quais os prós e contras de resumi-la?
Se deixarmos a agenda muito ampla, ouviremos críticas. Se tentarmos reduzir, também. Eu pessoalmente penso que tem de ser reduzida. A questão é que temos muitos problemas no mundo e queremos colocar tudo no marco. Aí vira uma árvore de Natal. Fica bonito, mas… Uma das qualidades dos ODM era ser sucinto [com apenas oito objetivos] e por isso mais fácil de monitorar. Quanto aos ODS, eu mesma não consigo me lembrar dos 17.
Talvez tenha como resumi-los escolhendo objetivos que, se alcançados, outros automaticamente também serão. Essa seria uma maneira?
Sim, talvez em alguns casos. Esse é o resultado de um processo bastante participativo, por isso ficou tão extenso. Como foram abertas portas para participação em nível regional, nacional, internacional, todo mundo quer que sua agenda entre. Será um processo político dizer qual objetivo será incorporado a outros. As pessoas que têm um conhecimento mais profundo se queixarão que a agenda é muito minimalista. Essa foi a crítica feita aos ODM. Mas esse será um marco só para estimular ações. Não é possível englobar o mundo inteiro dentro de 17 objetivos. Não quer dizer que tudo que está fora do marco não importa.
Em um debate intitulado “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS): o desafio de criar uma rede de soluções”, Jeffrey Sachs afirmou que a sociedade nunca esteve tão interconectada e ao mesmo tempo tão perto do ponto de não retorno. Sendo assim, 2030 não é um prazo longo demais para o cumprimento dos objetivos?
O discurso ambiental tem sido muito dominado por um pessimismo e um sensacionalismo do tipo “o mundo vai acabar”. Temos de trabalhar e tentar avançar. Mas acho fundamental ter prazos intermediários. Há agendas específicas de alguns países que não podem esperar 15 anos. Há uma meta que tem a ver com as mulheres serem donas de terras, dentro do objetivo de combate à pobreza. É um problema gravíssimo no mundo. São mulheres muito pobres da área rural que nunca serão proprietárias de terras, porque, em determinados lugares, até os animais têm mais direitos que as mulheres. Essa meta está colocada para o ano 2030, mas essas mulheres não podem esperar mais 15 anos.
O que falta para o Brasil assumir uma posição mais proativa na agenda pós-2015 e ser protagonista no eixo Sul-Sul? Como o Centro Rio+ pretende agir em relação a isso?
Em termos de ser protagonista no eixo Sul-Sul, há uma expectativa em relação ao Brasil pelo que o País fez até agora. Foi um dos países mais incisivos para que os problemas da pobreza e desigualdade fossem contemplados entre os objetivos. Acho isso proativo. Outros países – da África, por exemplo – estão querendo fazer alianças e esperam para ver o Brasil assumir essa liderança. No Centro Rio+ temos desenvolvido um trabalho com o governo brasileiro a fim de fornecer insumos e conteúdos para ajudar nessa posição de liderança. O Brasil já é considerado uma liderança na comunidade internacional, mesmo que não tenha liderado muito até agora.
É um líder até porque sediou a Eco 92 e a Rio+20?
Sim, é uma liderança natural por essas razões e também porque convocou o Grupo Aberto de Trabalho dos ODS, juntamente com a ONU. Além disso, o Brasil é considerado muito bem-sucedido no processo dos ODM. Foi além e conseguiu aumentar objetivos e metas. É muito respeitado também por suas políticas sociais e pelo grau de participação social da sociedade civil. Por isso, tem poder e influência no âmbito internacional.
Como as pessoas podem fazer para se relacionar com o Centro Rio+? Como o Centro pretende se relacionar com atores brasileiros?
Temos a plataforma eletrônica Rio Dialogues. Qualquer um pode entrar. Agora em setembro vamos abrir [um canal na plataforma] para receber comentários sobre o documento final do grupo aberto de trabalho. Queremos ver a reação da sociedade civil brasileira em relação a esse documento. Temos também reuniões e seminários presenciais, mas a plataforma consegue alcançar mais pessoas.
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Para o Centro Rio+, há uma expectativa de que o Brasil protagonize a agenda pós-2015 representando o eixo Sul-Sul
Criado em 2013 para manter na ordem do dia os compromissos assumidos na Rio+20, o Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, ou apenas Centro Rio+, já iniciou atividades em um escritório na Ilha do Fundão, Zona Norte do Rio de Janeiro. PÁGINA22 conversou com a diretora adjunta Layla Saad que, em trecho da entrevista a seguir, afirma: “O nosso mandato é amplificar a voz dos países do Sul dentro do debate do desenvolvimento sustentável”. Mais sobre o trabalho do Centro Rio+ aqui.
O Centro Rio+ tem como objetivo articular atores do setor privado, poder público e sociedade civil em torno do desenvolvimento sustentável. Desses atores, quais impõem mais desafios e apresentam mais dificuldade de envolvimento?
Envolver os atores não é a parte mais difícil. Quase todo mundo está falando sobre desenvolvimento sustentável nos governos, nas empresas e também na sociedade civil. O que é realmente difícil é que esses setores partam para ações concretas em relação a essa agenda. Se eu tiver de classificar, governo e setor privado são um pouco mais difíceis. O governo, ao ser responsável por construir todo o marco legal englobando a atuação e as políticas do setor privado. E também por ter de promover o entendimento de que o desenvolvimento sustentável é relevante para o momento do País. A sociedade civil, embora esteja envolvida, ainda é muito cética. Considera que a agenda, por ser internacional, é de outros.
E quanto ao setor privado, por que é difícil?
Se envolvermos as empresas para realmente mudarem o jeito de fazer as coisas dentro do core business, será muito interessante. Mas isso requer uma grande mudança, porque o objetivo principal do setor privado é ganhar dinheiro. É difícil vender a ideia de uma agenda que não deixa claro como a mudança para a sustentabilidade aumentará os lucros.
Qual o papel da mídia nessa articulação, para transformar tudo isso em uma questão mais prática? Que trabalho será feito em comunicação?
A mídia tem o poder de formar a opinião pública e promover a agenda. Para nós, é um papel fundamental e gostaríamos de começar um trabalho de parceria com algumas organizações. Não apenas com o compromisso de publicar artigos sobre algum aspecto do desenvolvimento, mas de ter uma parceria de longo prazo. O nosso mandato é amplificar a voz dos países do Sul dentro do debate do desenvolvimento sustentável. Fazer isso em parceria com a mídia será bem interessante.
Ainda não está claro para muita gente a diferença entre a agenda dos Objetivos do Milênio (ODM) e a agenda do desenvolvimento sustentável (ODS). Esta englobaria os Objetivos do Milênio que não foram atingidos, só que sob uma roupagem do desenvolvimento sustentável?
Não importa chamar de ODM ou de ODS. O importante é que, se não mudarmos o padrão do desenvolvimento, vamos continuar para sempre curando apenas os sintomas de uma doença. Datas são relevantes para incentivar as ações, e as metas que não foram atingidas entrarão nos ODS. Os ODS tentam responder às prioridades da Rio+20, que têm a ver com padrões de consumo, de produção, de energia, mas também de desigualdade. É uma agenda bem mais ampla que abrange aspectos sociais, econômicos e ambientais e trata do modus operandi, de como serão implementados. É fundamental fazer a diferença entre a agenda de pobreza, que era específica dos ODM, de uma agenda que diferencia pobreza e desigualdade, específica dos ODS.
Ao todo, quantos objetivos são? Isso é um rascunho, poderá ser mudado?
Há 17 objetivos no último documento entregue pelo grupo aberto de trabalho. O secretário-geral [das Nações Unidas, Ban Ki-moon] juntará esse documento ao relatório da agenda pós-2015 [objetivos e metas que incluirão as dimensões social, econômica e ambiental do desenvolvimento sustentável. incorporando os resultados da Rio+20], que tem relação com os ODM, e a um terceiro relatório sobre o comitê para o financiamento do desenvolvimento sustentável. Esses três documentos serão transformados em um relatório geral que será apresentado em setembro na Assembleia Geral da ONU. Haverá um ano para as negociações intergovernamentais que decidirão o texto final da agenda. A decisão será só em 2015.
Qual a eficácia de uma agenda com 17 objetivos e mais de 200 ações? Essa agenda deveria ser mais concisa? Quais os prós e contras de resumi-la?
Se deixarmos a agenda muito ampla, ouviremos críticas. Se tentarmos reduzir, também. Eu pessoalmente penso que tem de ser reduzida. A questão é que temos muitos problemas no mundo e queremos colocar tudo no marco. Aí vira uma árvore de Natal. Fica bonito, mas… Uma das qualidades dos ODM era ser sucinto [com apenas oito objetivos] e por isso mais fácil de monitorar. Quanto aos ODS, eu mesma não consigo me lembrar dos 17.
Talvez tenha como resumi-los escolhendo objetivos que, se alcançados, outros automaticamente também serão. Essa seria uma maneira?
Sim, talvez em alguns casos. Esse é o resultado de um processo bastante participativo, por isso ficou tão extenso. Como foram abertas portas para participação em nível regional, nacional, internacional, todo mundo quer que sua agenda entre. Será um processo político dizer qual objetivo será incorporado a outros. As pessoas que têm um conhecimento mais profundo se queixarão que a agenda é muito minimalista. Essa foi a crítica feita aos ODM. Mas esse será um marco só para estimular ações. Não é possível englobar o mundo inteiro dentro de 17 objetivos. Não quer dizer que tudo que está fora do marco não importa.
Em um debate intitulado “Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS): o desafio de criar uma rede de soluções”, Jeffrey Sachs afirmou que a sociedade nunca esteve tão interconectada e ao mesmo tempo tão perto do ponto de não retorno. Sendo assim, 2030 não é um prazo longo demais para o cumprimento dos objetivos?
O discurso ambiental tem sido muito dominado por um pessimismo e um sensacionalismo do tipo “o mundo vai acabar”. Temos de trabalhar e tentar avançar. Mas acho fundamental ter prazos intermediários. Há agendas específicas de alguns países que não podem esperar 15 anos. Há uma meta que tem a ver com as mulheres serem donas de terras, dentro do objetivo de combate à pobreza. É um problema gravíssimo no mundo. São mulheres muito pobres da área rural que nunca serão proprietárias de terras, porque, em determinados lugares, até os animais têm mais direitos que as mulheres. Essa meta está colocada para o ano 2030, mas essas mulheres não podem esperar mais 15 anos.
O que falta para o Brasil assumir uma posição mais proativa na agenda pós-2015 e ser protagonista no eixo Sul-Sul? Como o Centro Rio+ pretende agir em relação a isso?
Em termos de ser protagonista no eixo Sul-Sul, há uma expectativa em relação ao Brasil pelo que o País fez até agora. Foi um dos países mais incisivos para que os problemas da pobreza e desigualdade fossem contemplados entre os objetivos. Acho isso proativo. Outros países – da África, por exemplo – estão querendo fazer alianças e esperam para ver o Brasil assumir essa liderança. No Centro Rio+ temos desenvolvido um trabalho com o governo brasileiro a fim de fornecer insumos e conteúdos para ajudar nessa posição de liderança. O Brasil já é considerado uma liderança na comunidade internacional, mesmo que não tenha liderado muito até agora.
É um líder até porque sediou a Eco 92 e a Rio+20?
Sim, é uma liderança natural por essas razões e também porque convocou o Grupo Aberto de Trabalho dos ODS, juntamente com a ONU. Além disso, o Brasil é considerado muito bem-sucedido no processo dos ODM. Foi além e conseguiu aumentar objetivos e metas. É muito respeitado também por suas políticas sociais e pelo grau de participação social da sociedade civil. Por isso, tem poder e influência no âmbito internacional.
Como as pessoas podem fazer para se relacionar com o Centro Rio+? Como o Centro pretende se relacionar com atores brasileiros?
Temos a plataforma eletrônica Rio Dialogues. Qualquer um pode entrar. Agora em setembro vamos abrir [um canal na plataforma] para receber comentários sobre o documento final do grupo aberto de trabalho. Queremos ver a reação da sociedade civil brasileira em relação a esse documento. Temos também reuniões e seminários presenciais, mas a plataforma consegue alcançar mais pessoas.