Preço baixo de produtos oriundos da região – carne bovina, açaí, pescado, minério, madeira e energia elétrica – deve-se ao trabalho precário
O maior problema socioeconômico da Amazônia é o trabalho precário. Explica, em boa medida, a concentração de renda, o caos social, a atitude servilista-paternalista e o coronelismo político. Quem consome produto amazônico – carne bovina, açaí, pescado, minério, madeira ou energia elétrica – sabe que o preço baixo desse produto é devido ao trabalho precário? Aqui estão 7 questões relacionadas ao meio rural:
1 Pecuária – Em 50 anos, a proporção do rebanho brasileiro na Amazônia aumentou de menos de 5% para mais de 30%, alcançando 80 milhões de cabeças, em consequência do acesso a terras públicas e da impunidade ambiental e trabalhista. A maioria dos braçais e peões que lidam com o gado tem relações precárias de trabalho. A pecuária é a campeã de acidentes no campo, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. É a campeã nacional de trabalho análogo à escravidão. De 2003 a 2013 foram resgatados 11.648 trabalhadores, a maioria no Pará (InPacto, 2014).
2 A madeira e o carvão – Em razão do grande volume, a comercialização de madeira resulta na geração de expressivos valores e de forma muito rápida atraem a ilegalidade. Se a fiscalização é falha, o consumidor é pouco exigente. O carvão é, depois da pecuária, o segundo setor em que mais se flagra trabalho análogo à escravidão (3.215 trabalhadores libertados entre 2003 e 2013). A terceirização da produção ao agricultor familiar diminui o risco do atravessador (gato) e transfere a precariedade para a família rural.
3 Grandes obras moram no meio rural – A Amazônia é um dos maiores canteiros de obras do planeta – hidrelétricas, estradas, ferrovias, portos, linhões… A maioria das obras afeta o meio rural duramente – especulação no preço da terra, pressão sobre recursos naturais, desmatamento e queimadas, e aumento da movimentação e da violência nas proximidades de comunidades rurais usualmente pacatas. Há centenas de obras previstas, mobilizando de 100 mil a 200 mil trabalhadores simultaneamente (mais de 90% homens). Se os Estudos de Impacto Ambiental & Relatórios de Impacto Ambiental (EIA-Rima) exigem pareceres da Funai, Iphan, Ibama, por que não exigir o Estudo de Impacto Social e Cultural, com atenção ao trabalho precário? Basta observar o impacto causado por Belo Monte.
4 Agricultura familiar e extrativismo – É preciso compreender que todos são, ao mesmo tempo, pescadores, extratores, agricultores e artesãos. Desde cedo, sobem no açaizeiro, remam, ralam mandioca, pescam. Na Amazônia são 4 milhões de pessoas. A legislação trabalhista não compreende sua complexidade, pois é urbana. Na cultura da mandioca, não é raro crianças de 5 a 6 anos pelarem mandioca. Qual o limite entre a aprendizagem e o trabalho? É necessário o trabalho infantil se há adultos capazes de realizá-lo?
5 O extrativismo do açaí – Se o peconheiro (apanhador de açaí) não subir no açaizeiro jovem, mais velho não o fará. Em depoimentos de crianças no Marajó, recolhidos por Nazaré Sá de Oliveira, do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Pará, destacam-se: “Eu apanho açaí porque preciso de dinheiro para comprar as coisas pra mim e pros meus irmãos”; “nas árvores finas só pode subir criança, pois não aguentam os adultos”. A forte demanda por açaí resulta em 200 mil a 500 mil jovens entre 10 e 17 anos subindo nos açaizeiros. Para Nazaré Sá de Oliveira, “a Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio] não consegue cobrir todas as áreas onde ocorre o trabalho infantil e a própria família e a sociedade não reconhecem os perigos deste crime”. O médico Guataçara Gabriel, do Samu do Hospital Metropolitano de Belém, informa que 16% a 18% das lesões na coluna que chegam à capital relacionam-se a queda de açaizeiros.
6 Vassalos modernos – a cobrança por grileiros (ocupantes de áreas públicas) de “meia” ou “ameia” (metade da renda da produção) de populações tradicionais que ali vivem há gerações é outra prática medieval. É gente que se diz dona de terras, florestas e rios. Parte significativa da coleta da madeira, do açaí, pesca e agricultura familiar encontra-se sob esse tipo de contrato precário de trabalho.
7 Trabalho doméstico rural – Este é o tema menos tratado no mundo do trabalho. São principalmente meninas. Muitas trabalham desde os 8 ou 9 anos. A Pnad precisa revisar os dados sobre trabalho doméstico rural, pois o Censo aponta 21,3% dos jovens entre 10 e 17 anos do meio rural do Pará ocupados. Em municípios como Oeiras e Anapu, mais de 30% das crianças estão empregadas (IBGE, 2010).
O que fazer? Sete pontos merecem atenção: 1. Estabelecer como obrigatório o Estudo de Impacto Social e Cultural; 2. Obrigar o registro oficial de contratos de “ameia”; 3. Fortalecer o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do governo federal; 4. Aumentar as campanhas sobre o trabalho infantil; 5. Realizar campanhas ao consumidor relacionando trabalho precário e custo socioambiental dos produtos; 6. Prosseguir no combate ao trabalho escravo; e 7. Prosseguir no monitoramento do trabalho precário no agronegócio.
*Escritor e empreendedor social, é diretor do Instituto Peabiru, de Belém do Pará. É interino de Ignacy Sachs nesta seção.