Por Amália Safatle
Antes de iniciar esta entrevista, Fernando Reinach mostrou a cópia de uma reportagem com a seguinte manchete: “Chove. Mas Cantareira está cada vez mais vazio”. Com data de novembro de 2003, poderia enganar o leitor mais distraído de que se trataria de uma matéria atual. A reportagem cita a população que, nas ruas, começa a cobrar da Sabesp uma atitude em relação ao racionamento de água.
Reinach também mostrou um gráfico, indicando no sobe e desce do volume acumulado no Cantareira a flutuação ditada pelo ritmo de chuvas no verão e o esvaziamento natural no inverno, ano a ano, desde 1982. Um dos pontos baixos dessa curva é o de 2003, que levantou as preocupações descritas no recorte do jornal. Mas, olhando o comportamento do gráfico em 2014 e 2015, fica fácil entender a que ponto chegamos e constatar a gravidade da atual situação, fazendo com que 2003 pareça “fichinha”. “Nunca vivemos tão perigosamente”, afirma.
O Cantareira está no campo de observação do biólogo não apenas através de gráficos e leituras. Sua relação com a represa é afetiva, ele cresceu acompanhando as obras e nadando naquelas águas. O pai foi um dos primeiros presidentes da Sabesp e a família tem uma casa perto do manancial. Onde tinha água, hoje ele vê um campo verde. Seu recado é claro: driblar as dificuldades políticas para planejar o longo prazo, aumentando a capacidade de estocagem em reservatórios. Na noite anterior à da entrevista, Reinach mal tinha dormido, porque nascera o primeiro netinho, e a visão de futuro que uma criança sempre inspira parece ter dado o tom desta conversa.
Há tempos o senhor escreve no jornal alertando para a falta de água. Além da questão político-eleitoral, podemos dizer que houve uma espécie de negação das pessoas para uma crise anunciada?
O problema vem de mais tempo, porque o último grande reservatório de água construído em São Paulo foi o Cantareira, na década de 70. Eu tenho uma ligação afetiva com o Cantareira, porque no fim da década de 70 meu pai era presidente da Sabesp [de 1975 a 1977], e ele levava a gente no fim de semana para ver os túneis, que agora estão sem água. Não foi ele quem planejou o Cantareira nem nada, ele assumiu a Sabesp por dois anos e ajudou a fazer o finzinho: implantou a última represa, que é Capivari, a maior de todas. Nessa época, a gente comprou um terreno lá e construiu uma casa. Então vejo o Cantareira subir e descer todo fim de semana. E comecei a ver os dados da ANA [Agência Nacional de Águas] todo dia. Ou seja, faz muitos anos que acompanho o Cantareira. O prédio da sede da Sabesp tem o nome do meu pai, que também é nome do meu filho.
Que é?
Klauss Reinach. Eu lembro muito bem que na época em que o Cantareira foi construído, era governo militar ainda, e teve muita crítica à construção. Sofreu processos, pois teve de alagar um monte de área… Diziam que era muito grande, perguntavam como se gastava tanto dinheiro para fazer uma represa. O Cantareira foi planejado para suprir São Paulo até mais ou menos 2020, 2030…
E não deu conta de chegar lá. Isso também por causa do aumento da população?
Da época em que o Cantareira foi inaugurado até hoje – não sei os números exatos –, o consumo deve ter duplicado. E esse crescimento foi atendido com crescimento do fluxo e não do estoque. Tem dois jeitos de suprir água em uma cidade: um é tirar do rio através de uma bomba, tratar e jogar na distribuição. Tirar 10 metros cúbicos por segundo, por exemplo. Outro é fazer uma represa que forneça 10 metros cúbicos por segundo durante todo o ano. A represa é o estoque. Mas, na medida em que a cidade crescia, o fluxo também aumentava, e não o estoque. Equivale a uma família que aumenta a despesa, passa a ganhar mais por mês, mas a poupança fica igual. Se perder o emprego, vai viver mais perigosamente.
As obras que o governo está anunciando são mais para fluxo e menos para estoque, certo?
Isso. Você precisaria ter fluxo e o estoque ao mesmo tempo. Subir o estoque é mais caro e mais difícil, tem de desapropriar áreas enormes, fazer represa. Inicialmente, o Cantareira dava para cinco anos sem chuva, agora dá para um ano. Outro aspecto vem antes disso: a maior represa que a gente tem, a Billings, não foi cuidada, construiu-se na beira, encheu-se de esgoto. Tem um rio que passa no meio da cidade, que também poderia ser usado, mas está todo poluído. Então, a grande seca de agora foi a gota d’água para desencadear a crise. A gente passou a viver cada vez mais perigosamente e, nessa situação, quando dá um pepino, a crise se manifesta.
Mas queria entender o que está por trás dessa opção de viver perigosamente. Isso é algo meio inconsciente, tem uma razão cultural? O brasileiro tem sempre uma ideia de abundância em relação a recursos naturais?
Tenho a impressão de que o sistema político funciona na base da pressão, o planejamento não é o forte. Tem uma espécie de incompetência generalizada.
Falta uma visão sistêmica?
É, mas por outro lado você tem de entender que, são tantas as necessidades, que o governo precisa ser muito corajoso para deixar de fazer uma coisa de curto prazo para fazer outra de longo prazo. Imagina que você está na posição de um governador, mesmo que seja bem-intencionado. O tempo todo tem emergência. Imagina dizer: “Em vez de fazer escolas, hospitais, vou fazer um sistema de água para daqui a 20 anos em São Paulo, porque tenho essa visão de longo prazo”. Esse político não será reeleito, será duramente criticado. Há uma dificuldade do ser humano em lidar com o longo prazo.
Esse é o nó da sustentabilidade.
Sim. Quantas pessoas sacrificam o curto prazo pensando na aposentadoria? Uma parte é incompetência mesmo, tem que criticar. Mas outra parte é funcionar. É igual a uma família que tem de pagar IPTU etc., e decide não mais comer carne para poder aumentar a poupança daqui a 15 anos. Pode até ser sábia, mas é uma decisão difícil para o ser humano. Então você opera sempre no limite.
Além disso houve, nos últimos anos, uma espécie de manipulação nos números. Esse recorte que mostrei [reportagem de 18 de fevereiro de 2003, publicada no Estado de S. Paulo, intitulada “Chove. Mas Cantareira está cada vez mais vazio”] fala no reservatório com 2,5% da capacidade. Estava a maior discussão se ia ter racionamento, e a represa estava muito acima do volume morto. Tinha um pedaço a mais que era a chamada margem de reserva, ou seja, o zero era considerado quando havia um volume acumulado de 700 hm3 [hectômetros cúbicos]. Quando quase atingiu esse “zero”, eles falaram: “Vamos mudar a regra, agora o zero é mais embaixo. Ano passado, chegou naquele zero, então redefiniram de novo o zero, que passou a incluir o volume morto. Agora [em 10 de fevereiro, data em que a entrevista foi realizada], estamos com 5%, considerando o volume morto.
Ou seja, na verdade não são 5%, e sim “menos alguma coisa”?
É menos 20 e tantos por cento [ver gráfico abaixo]. Teve uma espécie de autoengano. Você pode perguntar se esse autoengano é autoengano mesmo ou simples manipulação para eleição. É uma mistura de tudo. Uma marca dos últimos meses foi a negação da crise por conta da eleição, mas isso já não engana mais ninguém.
Também houve uma fé ao mesmo tempo na natureza, em milagres e na tecnologia?
Tem um pouco disso, sim. O gráfico mostra que, ano a ano, o volume sobe com as chuvas e desce no inverno, quando se consome a reserva. Em 2013, foi o primeiro ano em que desceu e não subiu. O zero que o [governador de São Paulo Geraldo] Alckmin está definindo agora é o de 200 hm3, ou seja, 500 hm3 abaixo do zero original. A cada dez anos, o governo outorga à Sabesp o direito de usar determinada quantidade de água, avaliando o quanto chove e o quanto se pode retirar. No último ano, eles desrespeitaram as regras, porque não devia ter outro jeito.
E tem uma razão para se respeitar esse limite, certo? É para permitir uma recuperação mais rápida do reservatório?
Exatamente. E, para recuperar, precisa subir muito. Houve ano em que subiu demais. Em 1987, por exemplo, o volume acumulado passou de quase 800 hm3 para mais de 1.400 hm3. Podemos ter uma sorte de isso se repetir, e em dois anos a gente recupera. Mas imagina que a gente tenha mais cinco anos como foram estes últimos?
Em termos biológicos, o que ocorre com esse ecossistema quando explorado até a exaustão? E qual a importância da sua qualidade biológica para a qualidade da água?
Ninguém sabe qual é o mínimo de água que precisa haver para evitar um colapso desse sistema ecológico. A mata tem de estar na bacia inteira, não é só a beirinha que precisa de mata. No Cantareira, não tem construção na beirada da represa, eles aprenderam a lição, e a Sabesp é super-rigorosa, ela não deixa você chegar na beira. A água é limpa, você nada, bebe, é mais limpa que a das praias. Ali não é um problema de poluição, é um problema de preservação desse ecossistema como um todo, para ele conseguir se recuperar facilmente. A gente sabe que essas flutuações entre cheias no verão e esvaziamento no inverno não afetaram os peixes. Mas até onde pode chegar essa variação?
Se colapsar, qual é o risco?
Quando encher de novo, será igual a uma represa nova. Quando o Cantareira encheu pela primeira vez, não tinha peixe, não tinha nada. Levou anos para aquilo virar um ecossistema. Não é irreversível, mas levará tempo. Ninguém sabe o que pode acontecer. Tem outro aspecto que é o da mudança climática. Com ela, não é que o Cantareira vai secar, e sim que a flutuação será maior, com mais períodos de grandes cheias e mais períodos de grandes secas. Com mais eventos extremos, precisa de mais poupança.
A melhor estratégia de adaptação é o estoque?
Sim, como em qualquer lar. Se você é funcionário público, precisa de pouca poupança. Se você é repórter e muda mais vezes de emprego, precisa de mais. E, se for uma jornalista free-lancer, precisará de mais poupança ainda, é o óbvio. O difícil é ter o governo trabalhando nessa perspectiva.
E perto de uma cidade como São Paulo tem onde fazer mais estoques?
Não tem mais. Cada vez precisa trazer de mais longe, por exemplo, Minas Gerais. Terá de ter um acordo com outros governos.
Ajudaria se a cidade conseguisse armazenar água das chuvas, por exemplo, nos piscinões?
Se você fizer essa conta, não é nada. Mas existe uma represa dentro da cidade que é enorme, chama
-se Billings. Só que, ali no Rio Pinheiros, foi instalada a Usina Elevatória de Traição, que joga o esgoto do Pinheiros dentro da Billings. Enche-se a Billings para gerar energia elétrica na Usina Henry Borden, em Cubatão. Agora, tem uma grande diferença entre a crise de água e a crise de energia elétrica. Se faltar energia em São Paulo, pode-se trazer mais um linhão de Itaipu. Já a água, não se consegue trazer de tão longe. Você não consegue trazer mesmo se for do Paraná – o Rio Paraná é enorme, mas seria muito caro. E essas obras são de muito longo prazo. O governo pode anunciar que vai fazer mais umas duas ou três represas. Só que esse tipo de represa foi feito na época dos militares. Era assim: “Faz a represa aí, se você é dono das terras, dane-se”. Hoje não: tem estudo de impacto ambiental, tem as comunidades afetadas. Isso é bom, mas implica que, para fazer esse processo, leva-se muito mais tempo. Exige um planejamento muito mais sofisticado.
Sobre a Billings, já foi até noticiado que a água está contaminada com metais pesados e bactérias que perfuram o intestino. Na teoria, a despoluição total é possível? E na prática?
Na teoria é possível, só que custa muito dinheiro. Há métodos ultrassofisticados que a gente usa em laboratório para tornar a água puríssima. Mas vai custar xis por litro, gasta um monte de energia elétrica etc. Na Arábia Saudita, os caras pegam a água do mar, transformam em água doce e vivem disso, mas custa caríssimo. Como funciona uma estação espacial? Leva-se uma quantidade de água, bebe-se a água e, depois de fazer xixi, cocô, eles separam o xixi e o cocô, tratam, e os astronautas bebem a água de novo. Sobra um pozinho que eles guardam lá. E eles estão lá há anos. Tecnicamente, daria para pegar o método da estação espacial e instalar em cada casa, a gente passaria a beber a própria urina. Mas quanto isso custa? As pessoas conseguirão viver em São Paulo se tiverem de pagar esse preço pela água?
Ainda teria de tratar essa água em uma velocidade muita rápida, para dar conta de fornecer tantos metros cúbicos por segundo a milhões de pessoas.
Sim, e isso também é uma questão de dinheiro. Aí vem a pergunta: não seria mais barato tirar as pessoas da borda, limpar o esgoto e recuperar a Billings? Provavelmente é o jeito. Mas qual é o problema político? A Billings hoje tem centenas de milhares de pessoas na borda, loteamentos clandestinos, não clandestinos, tudo misturado. Aí você fala: “Pessoal, vocês vão ter de sair todos daqui porque São Paulo precisa dessa água”. E, se todo mundo sair, vai levar 15 anos para ela se recuperar. Então são problemas para os quais as soluções são muito lentas, ou são muito caras. Não podia ter deixado chegar a esse ponto. O que me irrita muito é que foi um monte de coisas que aconteceu. De fato tivemos um período de intensa seca, mas essa seca extrema foi a gota d’água. É o conjunto de coisas que aconteceram há muitos anos que levou a gente a viver em uma situação extremamente arriscada, daí veio a seca e a gente se estrepou. Acho errada essa visão, que muitas vezes a imprensa dá e que o governo tenta impor, de responsabilizar a maior seca da História.
Na verdade, a seca era mais um motivo para se ter planejamento, não é? É na crise, e não nos períodos em que está tudo bem, que você mostra se é um bom gestor.
Exatamente. Mas para o governo, a seca é um álibi bom. Foi um azar a crise ter caído bem na época das eleições. Então o Alckmin ficou meses falando que não ia faltar água, quando todo mundo que é um pouco mais informado sabia que ia faltar.
Qual a sua estimativa em relação à oferta de água do Cantareira?
Começou a chover e os reservatórios estão subindo. Se continuar subindo assim, para sempre, não vai acabar. Mas a gente sabe que daqui a um mês [depois de março] as chuvas acabam. Não teve nenhum ano na história do reservatório que o volume não desceu no inverno. Teve só um ano que não subiu no verão. Como nunca teve um ano que não desceu, provavelmente o volume vai descer. Veja no gráfico que o volume médio que desce no inverno é de 100, 200, 300 hectômetros. Se, por sorte, desta vez descer só 50 hm3, pode até ser que dê para administrar, mas não é o que a média histórica indica. Estamos aqui nesse ponto do gráfico [com menos de 300 hm3 acumulados] discutindo se haverá racionamento ou não. Outra coisa: quando renovaram a concessão aqui, uma das recomendações é que São Paulo deixasse de ser tão dependente do Cantareira. Ele abastece 60% da água. Uma cidade tão grande não pode ser tão dependente de um reservatório, mas ninguém fez nada. Agora colapsou o Cantareira, são 6,5 milhões de pessoas afetadas.
Aquilo que lá atrás para o governo era importante, mas não urgente, passou a ser urgente? Se o governo soubesse que chegaria a esse ponto, teria tratado o assunto como uma emergência?
Poderia ter feito quando chegou no zero, em 2003. Mas não: o que ele fez foi “redefinir” o zero. Daí deu sorte, as chuvas que caíram nos anos seguintes fizeram o nível subir.
Ali a aposta nas chuvas deu certo.
Deu certo. Era o mesmo cara, o Mauro Arce, o presidente da Sabesp [de 2002 a 2003. Em janeiro de 2015, foi substituído por Benedito Braga na secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos]. Juntou isso com um pouco da sensação de que Deus é brasileiro, de que tudo vai dar certo… Eu não posso jurar pra você que a aposta desta vez não dará certo. Pode chover muito como em 1987 ou 1995 e daqui a seis meses o nível estará aqui em cima.
E o uso da água da Billings? Se a despoluição e a interligação com o Alto Tietê derem certo, isso permitirá abastecer boa parte da população?
Vamos dividir a cidade em quatro quadrantes. Para simplificar, vamos imaginar que tenho quatro sistemas de água, um para cada canto. E vamos imaginar que sejam interligados (na verdade, não são). Se um deles pifar, eu uso os canais de interligação para redistribuir a água e consigo abastecer a população. Essa interligação melhora a segurança, mas não ficará pronta este ano. Hoje tem 6,5 milhões dependendo só do Cantareira e de caminhão-pipa. Vamos supor que o Cantareira acabe, vão gastar o que for para colocar caminhão. Só que não dá para abastecer tanta gente com caminhão-pipa. Daria certo se fossem só mil casas.
Em um cenário de esgotamento, o que pode acontecer, um êxodo urbano? (mais em reportagem)
O Cantareira é um lago e tem os rios que chegam nele. Está sendo abastecido com 2 metros cúbicos por segundo e estão sendo tirados 13 metros [em 10 de fevereiro]. Quando chegar no fundo, só se vai conseguir tirar o que entra – os 2 metros cúbicos por segundo, em vez dos 13. Não é que essa população terá zero de água, ela terá 2 metros cúbicos por segundo. Daí precisa fazer a conta para saber quantos dias de racionamento serão necessários. Tem uma discussão se vai racionar São Paulo inteira ou só as partes atendidas pelo Cantareira. A tendência é que seja na cidade inteira, se não geraria uma tensão social total, os “com-água” contra os “sem-água”.
Enquanto isso, a população vai se virando, armazenando, pegando água da chuva?
Mas esse negócio de água da chuva é ilusão, porque é uma situação boa em época de chuva. Meu filho montou na casa dele uma barrica, está todo feliz. Eu disse para ele que, quando não chover, ele não só não terá água da Sabesp, como não terá a da chuva.
Precisa ter uma supercisterna que pudesse armazenar a água por meses.
Sabe como chama isso? Sistema Cantareira. Para isso que se faz represa. Você gasta 200 litros por dia na sua casa. Em quatro pessoas, são 800 litros. Quanto cabe num galão, 100, 200 litros? Você conseguiria armazenar água para aguentar poucos dias, só que sua família precisa de água para seis meses. Faz a conta de quanto a sua casa precisaria armazenar para ficar 180 dias sem água da Sabesp. Então, está demorando para as pessoas caírem na real. Pode ser que chova desesperadamente, tudo pode acontecer. Pode cair um meteorito. Então não dá para afirmar que o pior cenário acontecerá. É como o cara que gasta os seus últimos 10 reais da poupança para comprar a última lata de leite Ninho para os filhos que estão com fome.
Ele pode ganhar na loteria…
Pode. Pode arrumar um emprego. Mas quando está nessa situação, o mais provável é que ele vai se ferrar. Agora, dá para afirmar com certeza que ele vai se ferrar? Não. Então, resumindo, temos um erro de investimento de longo prazo que diminuiu relativamente a reserva em relação à população. E erros de operação – quando o nível da represa começou a cair, deveria ter começado a restringir, e continuaram tirando 30 metros cúbicos por segundo, foram apertar só logo depois das eleições. E, em cima disso, tem o azar do clima.
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Antes de iniciar esta entrevista, Fernando Reinach mostrou a cópia de uma reportagem com a seguinte manchete: “Chove. Mas Cantareira está cada vez mais vazio”. Com data de novembro de 2003, poderia enganar o leitor mais distraído de que se trataria de uma matéria atual. A reportagem cita a população que, nas ruas, começa a cobrar da Sabesp uma atitude em relação ao racionamento de água.
Reinach também mostrou um gráfico, indicando no sobe e desce do volume acumulado no Cantareira a flutuação ditada pelo ritmo de chuvas no verão e o esvaziamento natural no inverno, ano a ano, desde 1982. Um dos pontos baixos dessa curva é o de 2003, que levantou as preocupações descritas no recorte do jornal. Mas, olhando o comportamento do gráfico em 2014 e 2015, fica fácil entender a que ponto chegamos e constatar a gravidade da atual situação, fazendo com que 2003 pareça “fichinha”. “Nunca vivemos tão perigosamente”, afirma.
O Cantareira está no campo de observação do biólogo não apenas através de gráficos e leituras. Sua relação com a represa é afetiva, ele cresceu acompanhando as obras e nadando naquelas águas. O pai foi um dos primeiros presidentes da Sabesp e a família tem uma casa perto do manancial. Onde tinha água, hoje ele vê um campo verde. Seu recado é claro: driblar as dificuldades políticas para planejar o longo prazo, aumentando a capacidade de estocagem em reservatórios. Na noite anterior à da entrevista, Reinach mal tinha dormido, porque nascera o primeiro netinho, e a visão de futuro que uma criança sempre inspira parece ter dado o tom desta conversa.
Há tempos o senhor escreve no jornal alertando para a falta de água. Além da questão político-eleitoral, podemos dizer que houve uma espécie de negação das pessoas para uma crise anunciada?
O problema vem de mais tempo, porque o último grande reservatório de água construído em São Paulo foi o Cantareira, na década de 70. Eu tenho uma ligação afetiva com o Cantareira, porque no fim da década de 70 meu pai era presidente da Sabesp [de 1975 a 1977], e ele levava a gente no fim de semana para ver os túneis, que agora estão sem água. Não foi ele quem planejou o Cantareira nem nada, ele assumiu a Sabesp por dois anos e ajudou a fazer o finzinho: implantou a última represa, que é Capivari, a maior de todas. Nessa época, a gente comprou um terreno lá e construiu uma casa. Então vejo o Cantareira subir e descer todo fim de semana. E comecei a ver os dados da ANA [Agência Nacional de Águas] todo dia. Ou seja, faz muitos anos que acompanho o Cantareira. O prédio da sede da Sabesp tem o nome do meu pai, que também é nome do meu filho.
Que é?
Klauss Reinach. Eu lembro muito bem que na época em que o Cantareira foi construído, era governo militar ainda, e teve muita crítica à construção. Sofreu processos, pois teve de alagar um monte de área… Diziam que era muito grande, perguntavam como se gastava tanto dinheiro para fazer uma represa. O Cantareira foi planejado para suprir São Paulo até mais ou menos 2020, 2030…
E não deu conta de chegar lá. Isso também por causa do aumento da população?
Da época em que o Cantareira foi inaugurado até hoje – não sei os números exatos –, o consumo deve ter duplicado. E esse crescimento foi atendido com crescimento do fluxo e não do estoque. Tem dois jeitos de suprir água em uma cidade: um é tirar do rio através de uma bomba, tratar e jogar na distribuição. Tirar 10 metros cúbicos por segundo, por exemplo. Outro é fazer uma represa que forneça 10 metros cúbicos por segundo durante todo o ano. A represa é o estoque. Mas, na medida em que a cidade crescia, o fluxo também aumentava, e não o estoque. Equivale a uma família que aumenta a despesa, passa a ganhar mais por mês, mas a poupança fica igual. Se perder o emprego, vai viver mais perigosamente.
As obras que o governo está anunciando são mais para fluxo e menos para estoque, certo?
Isso. Você precisaria ter fluxo e o estoque ao mesmo tempo. Subir o estoque é mais caro e mais difícil, tem de desapropriar áreas enormes, fazer represa. Inicialmente, o Cantareira dava para cinco anos sem chuva, agora dá para um ano. Outro aspecto vem antes disso: a maior represa que a gente tem, a Billings, não foi cuidada, construiu-se na beira, encheu-se de esgoto. Tem um rio que passa no meio da cidade, que também poderia ser usado, mas está todo poluído. Então, a grande seca de agora foi a gota d’água para desencadear a crise. A gente passou a viver cada vez mais perigosamente e, nessa situação, quando dá um pepino, a crise se manifesta.
Mas queria entender o que está por trás dessa opção de viver perigosamente. Isso é algo meio inconsciente, tem uma razão cultural? O brasileiro tem sempre uma ideia de abundância em relação a recursos naturais?
Tenho a impressão de que o sistema político funciona na base da pressão, o planejamento não é o forte. Tem uma espécie de incompetência generalizada.
Falta uma visão sistêmica?
É, mas por outro lado você tem de entender que, são tantas as necessidades, que o governo precisa ser muito corajoso para deixar de fazer uma coisa de curto prazo para fazer outra de longo prazo. Imagina que você está na posição de um governador, mesmo que seja bem-intencionado. O tempo todo tem emergência. Imagina dizer: “Em vez de fazer escolas, hospitais, vou fazer um sistema de água para daqui a 20 anos em São Paulo, porque tenho essa visão de longo prazo”. Esse político não será reeleito, será duramente criticado. Há uma dificuldade do ser humano em lidar com o longo prazo.
Esse é o nó da sustentabilidade.
Sim. Quantas pessoas sacrificam o curto prazo pensando na aposentadoria? Uma parte é incompetência mesmo, tem que criticar. Mas outra parte é funcionar. É igual a uma família que tem de pagar IPTU etc., e decide não mais comer carne para poder aumentar a poupança daqui a 15 anos. Pode até ser sábia, mas é uma decisão difícil para o ser humano. Então você opera sempre no limite.
Além disso houve, nos últimos anos, uma espécie de manipulação nos números. Esse recorte que mostrei [reportagem de 18 de fevereiro de 2003, publicada no Estado de S. Paulo, intitulada “Chove. Mas Cantareira está cada vez mais vazio”] fala no reservatório com 2,5% da capacidade. Estava a maior discussão se ia ter racionamento, e a represa estava muito acima do volume morto. Tinha um pedaço a mais que era a chamada margem de reserva, ou seja, o zero era considerado quando havia um volume acumulado de 700 hm3 [hectômetros cúbicos]. Quando quase atingiu esse “zero”, eles falaram: “Vamos mudar a regra, agora o zero é mais embaixo. Ano passado, chegou naquele zero, então redefiniram de novo o zero, que passou a incluir o volume morto. Agora [em 10 de fevereiro, data em que a entrevista foi realizada], estamos com 5%, considerando o volume morto.
Ou seja, na verdade não são 5%, e sim “menos alguma coisa”?
É menos 20 e tantos por cento [ver gráfico abaixo]. Teve uma espécie de autoengano. Você pode perguntar se esse autoengano é autoengano mesmo ou simples manipulação para eleição. É uma mistura de tudo. Uma marca dos últimos meses foi a negação da crise por conta da eleição, mas isso já não engana mais ninguém.
Também houve uma fé ao mesmo tempo na natureza, em milagres e na tecnologia?
Tem um pouco disso, sim. O gráfico mostra que, ano a ano, o volume sobe com as chuvas e desce no inverno, quando se consome a reserva. Em 2013, foi o primeiro ano em que desceu e não subiu. O zero que o [governador de São Paulo Geraldo] Alckmin está definindo agora é o de 200 hm3, ou seja, 500 hm3 abaixo do zero original. A cada dez anos, o governo outorga à Sabesp o direito de usar determinada quantidade de água, avaliando o quanto chove e o quanto se pode retirar. No último ano, eles desrespeitaram as regras, porque não devia ter outro jeito.
E tem uma razão para se respeitar esse limite, certo? É para permitir uma recuperação mais rápida do reservatório?
Exatamente. E, para recuperar, precisa subir muito. Houve ano em que subiu demais. Em 1987, por exemplo, o volume acumulado passou de quase 800 hm3 para mais de 1.400 hm3. Podemos ter uma sorte de isso se repetir, e em dois anos a gente recupera. Mas imagina que a gente tenha mais cinco anos como foram estes últimos?
Em termos biológicos, o que ocorre com esse ecossistema quando explorado até a exaustão? E qual a importância da sua qualidade biológica para a qualidade da água?
Ninguém sabe qual é o mínimo de água que precisa haver para evitar um colapso desse sistema ecológico. A mata tem de estar na bacia inteira, não é só a beirinha que precisa de mata. No Cantareira, não tem construção na beirada da represa, eles aprenderam a lição, e a Sabesp é super-rigorosa, ela não deixa você chegar na beira. A água é limpa, você nada, bebe, é mais limpa que a das praias. Ali não é um problema de poluição, é um problema de preservação desse ecossistema como um todo, para ele conseguir se recuperar facilmente. A gente sabe que essas flutuações entre cheias no verão e esvaziamento no inverno não afetaram os peixes. Mas até onde pode chegar essa variação?
Se colapsar, qual é o risco?
Quando encher de novo, será igual a uma represa nova. Quando o Cantareira encheu pela primeira vez, não tinha peixe, não tinha nada. Levou anos para aquilo virar um ecossistema. Não é irreversível, mas levará tempo. Ninguém sabe o que pode acontecer. Tem outro aspecto que é o da mudança climática. Com ela, não é que o Cantareira vai secar, e sim que a flutuação será maior, com mais períodos de grandes cheias e mais períodos de grandes secas. Com mais eventos extremos, precisa de mais poupança.
A melhor estratégia de adaptação é o estoque?
Sim, como em qualquer lar. Se você é funcionário público, precisa de pouca poupança. Se você é repórter e muda mais vezes de emprego, precisa de mais. E, se for uma jornalista free-lancer, precisará de mais poupança ainda, é o óbvio. O difícil é ter o governo trabalhando nessa perspectiva.
E perto de uma cidade como São Paulo tem onde fazer mais estoques?
Não tem mais. Cada vez precisa trazer de mais longe, por exemplo, Minas Gerais. Terá de ter um acordo com outros governos.
Ajudaria se a cidade conseguisse armazenar água das chuvas, por exemplo, nos piscinões?
Se você fizer essa conta, não é nada. Mas existe uma represa dentro da cidade que é enorme, chama
-se Billings. Só que, ali no Rio Pinheiros, foi instalada a Usina Elevatória de Traição, que joga o esgoto do Pinheiros dentro da Billings. Enche-se a Billings para gerar energia elétrica na Usina Henry Borden, em Cubatão. Agora, tem uma grande diferença entre a crise de água e a crise de energia elétrica. Se faltar energia em São Paulo, pode-se trazer mais um linhão de Itaipu. Já a água, não se consegue trazer de tão longe. Você não consegue trazer mesmo se for do Paraná – o Rio Paraná é enorme, mas seria muito caro. E essas obras são de muito longo prazo. O governo pode anunciar que vai fazer mais umas duas ou três represas. Só que esse tipo de represa foi feito na época dos militares. Era assim: “Faz a represa aí, se você é dono das terras, dane-se”. Hoje não: tem estudo de impacto ambiental, tem as comunidades afetadas. Isso é bom, mas implica que, para fazer esse processo, leva-se muito mais tempo. Exige um planejamento muito mais sofisticado.
Sobre a Billings, já foi até noticiado que a água está contaminada com metais pesados e bactérias que perfuram o intestino. Na teoria, a despoluição total é possível? E na prática?
Na teoria é possível, só que custa muito dinheiro. Há métodos ultrassofisticados que a gente usa em laboratório para tornar a água puríssima. Mas vai custar xis por litro, gasta um monte de energia elétrica etc. Na Arábia Saudita, os caras pegam a água do mar, transformam em água doce e vivem disso, mas custa caríssimo. Como funciona uma estação espacial? Leva-se uma quantidade de água, bebe-se a água e, depois de fazer xixi, cocô, eles separam o xixi e o cocô, tratam, e os astronautas bebem a água de novo. Sobra um pozinho que eles guardam lá. E eles estão lá há anos. Tecnicamente, daria para pegar o método da estação espacial e instalar em cada casa, a gente passaria a beber a própria urina. Mas quanto isso custa? As pessoas conseguirão viver em São Paulo se tiverem de pagar esse preço pela água?
Ainda teria de tratar essa água em uma velocidade muita rápida, para dar conta de fornecer tantos metros cúbicos por segundo a milhões de pessoas.
Sim, e isso também é uma questão de dinheiro. Aí vem a pergunta: não seria mais barato tirar as pessoas da borda, limpar o esgoto e recuperar a Billings? Provavelmente é o jeito. Mas qual é o problema político? A Billings hoje tem centenas de milhares de pessoas na borda, loteamentos clandestinos, não clandestinos, tudo misturado. Aí você fala: “Pessoal, vocês vão ter de sair todos daqui porque São Paulo precisa dessa água”. E, se todo mundo sair, vai levar 15 anos para ela se recuperar. Então são problemas para os quais as soluções são muito lentas, ou são muito caras. Não podia ter deixado chegar a esse ponto. O que me irrita muito é que foi um monte de coisas que aconteceu. De fato tivemos um período de intensa seca, mas essa seca extrema foi a gota d’água. É o conjunto de coisas que aconteceram há muitos anos que levou a gente a viver em uma situação extremamente arriscada, daí veio a seca e a gente se estrepou. Acho errada essa visão, que muitas vezes a imprensa dá e que o governo tenta impor, de responsabilizar a maior seca da História.
Na verdade, a seca era mais um motivo para se ter planejamento, não é? É na crise, e não nos períodos em que está tudo bem, que você mostra se é um bom gestor.
Exatamente. Mas para o governo, a seca é um álibi bom. Foi um azar a crise ter caído bem na época das eleições. Então o Alckmin ficou meses falando que não ia faltar água, quando todo mundo que é um pouco mais informado sabia que ia faltar.
Qual a sua estimativa em relação à oferta de água do Cantareira?
Começou a chover e os reservatórios estão subindo. Se continuar subindo assim, para sempre, não vai acabar. Mas a gente sabe que daqui a um mês [depois de março] as chuvas acabam. Não teve nenhum ano na história do reservatório que o volume não desceu no inverno. Teve só um ano que não subiu no verão. Como nunca teve um ano que não desceu, provavelmente o volume vai descer. Veja no gráfico que o volume médio que desce no inverno é de 100, 200, 300 hectômetros. Se, por sorte, desta vez descer só 50 hm3, pode até ser que dê para administrar, mas não é o que a média histórica indica. Estamos aqui nesse ponto do gráfico [com menos de 300 hm3 acumulados] discutindo se haverá racionamento ou não. Outra coisa: quando renovaram a concessão aqui, uma das recomendações é que São Paulo deixasse de ser tão dependente do Cantareira. Ele abastece 60% da água. Uma cidade tão grande não pode ser tão dependente de um reservatório, mas ninguém fez nada. Agora colapsou o Cantareira, são 6,5 milhões de pessoas afetadas.
Aquilo que lá atrás para o governo era importante, mas não urgente, passou a ser urgente? Se o governo soubesse que chegaria a esse ponto, teria tratado o assunto como uma emergência?
Poderia ter feito quando chegou no zero, em 2003. Mas não: o que ele fez foi “redefinir” o zero. Daí deu sorte, as chuvas que caíram nos anos seguintes fizeram o nível subir.
Ali a aposta nas chuvas deu certo.
Deu certo. Era o mesmo cara, o Mauro Arce, o presidente da Sabesp [de 2002 a 2003. Em janeiro de 2015, foi substituído por Benedito Braga na secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos]. Juntou isso com um pouco da sensação de que Deus é brasileiro, de que tudo vai dar certo… Eu não posso jurar pra você que a aposta desta vez não dará certo. Pode chover muito como em 1987 ou 1995 e daqui a seis meses o nível estará aqui em cima.
E o uso da água da Billings? Se a despoluição e a interligação com o Alto Tietê derem certo, isso permitirá abastecer boa parte da população?
Vamos dividir a cidade em quatro quadrantes. Para simplificar, vamos imaginar que tenho quatro sistemas de água, um para cada canto. E vamos imaginar que sejam interligados (na verdade, não são). Se um deles pifar, eu uso os canais de interligação para redistribuir a água e consigo abastecer a população. Essa interligação melhora a segurança, mas não ficará pronta este ano. Hoje tem 6,5 milhões dependendo só do Cantareira e de caminhão-pipa. Vamos supor que o Cantareira acabe, vão gastar o que for para colocar caminhão. Só que não dá para abastecer tanta gente com caminhão-pipa. Daria certo se fossem só mil casas.
Em um cenário de esgotamento, o que pode acontecer, um êxodo urbano? (mais em reportagem)
O Cantareira é um lago e tem os rios que chegam nele. Está sendo abastecido com 2 metros cúbicos por segundo e estão sendo tirados 13 metros [em 10 de fevereiro]. Quando chegar no fundo, só se vai conseguir tirar o que entra – os 2 metros cúbicos por segundo, em vez dos 13. Não é que essa população terá zero de água, ela terá 2 metros cúbicos por segundo. Daí precisa fazer a conta para saber quantos dias de racionamento serão necessários. Tem uma discussão se vai racionar São Paulo inteira ou só as partes atendidas pelo Cantareira. A tendência é que seja na cidade inteira, se não geraria uma tensão social total, os “com-água” contra os “sem-água”.
Enquanto isso, a população vai se virando, armazenando, pegando água da chuva?
Mas esse negócio de água da chuva é ilusão, porque é uma situação boa em época de chuva. Meu filho montou na casa dele uma barrica, está todo feliz. Eu disse para ele que, quando não chover, ele não só não terá água da Sabesp, como não terá a da chuva.
Precisa ter uma supercisterna que pudesse armazenar a água por meses.
Sabe como chama isso? Sistema Cantareira. Para isso que se faz represa. Você gasta 200 litros por dia na sua casa. Em quatro pessoas, são 800 litros. Quanto cabe num galão, 100, 200 litros? Você conseguiria armazenar água para aguentar poucos dias, só que sua família precisa de água para seis meses. Faz a conta de quanto a sua casa precisaria armazenar para ficar 180 dias sem água da Sabesp. Então, está demorando para as pessoas caírem na real. Pode ser que chova desesperadamente, tudo pode acontecer. Pode cair um meteorito. Então não dá para afirmar que o pior cenário acontecerá. É como o cara que gasta os seus últimos 10 reais da poupança para comprar a última lata de leite Ninho para os filhos que estão com fome.
Ele pode ganhar na loteria…
Pode. Pode arrumar um emprego. Mas quando está nessa situação, o mais provável é que ele vai se ferrar. Agora, dá para afirmar com certeza que ele vai se ferrar? Não. Então, resumindo, temos um erro de investimento de longo prazo que diminuiu relativamente a reserva em relação à população. E erros de operação – quando o nível da represa começou a cair, deveria ter começado a restringir, e continuaram tirando 30 metros cúbicos por segundo, foram apertar só logo depois das eleições. E, em cima disso, tem o azar do clima.