Na falta de uma instância internacional que dite as regras, o setor empresarial move-se de acordo com as forças de mercado e pressões da sociedade
A governança tradicional não dá conta de resolver os desafios que a globalização coloca”, sintetiza o jornalista Caco de Paula. Desde o começo do ano, ele está à frente da rede brasileira do Pacto Global, organização criada no ano 2000 pelo então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, para estimular a comunidade empresarial a se comprometer com um conjunto de princípios [1] relacionados aos direitos humanos, trabalhistas e meio ambiente. Assuntos que, naquela época, eram vistos como alheios ao espírito animal [2] que impulsiona o capitalismo.
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[2] Expressão cunhada pelo economista John Maynard Keynes para descrever o sentimento que nos leva a aceitar riscos e partir para a ação
Passados 15 anos, o Pacto Global já contabiliza 12 mil participantes corporativos mundo afora. Não quer dizer que a relação entre empresas e sustentabilidade tenha deixado totalmente de ser turbulenta, mas está claro que a hostilidade inicial foi superada, à medida que os mercados consumidores começaram a internalizar esses valores e cobrá-los das empresas.
“Todo mundo ficou bonzinho? Não! Mas vivemos em um mundo onde os produtos serão medidos por sua sustentabilidade, os compradores acabarão por nos influenciar no uso adequado dos recursos”, completa Caco, para quem as pressões têm ajudado a dar a musculatura que falta à pauta socioambiental. “A primeira plataforma [da sustentabilidade] tem se dado através do comércio exterior. Mesmo na falta de uma grande lei internacional, temos de nos enquadrar conforme os mercados”, prossegue.
“Essa é uma questão pacificada. Já não se discute mais isso”, garante o diretor da área de meio ambiente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Nelson Pereira dos Reis. Para ele, a postura das empresas em relação à sustentabilidade deixou de ser meramente defensiva para se tornar mais proativa na hora de dar respostas às pressões vindas de governos e sociedade civil, especialmente depois de a indústria ter se envolvido em situações escabrosas, como no acidente em Bhopal [3]. “No setor químico, por exemplo, há 30 anos temos o Responsible Care [4], que olha a governança da indústria buscando melhorias na prevenção de acidentes e foi incorporando outros compromissos”, exemplifica.
[3] Em 3 de dezembro de 1984, um vazamento de gás tóxico na fábrica da Union Carbide (hoje parte da Dow Chemical) deixou um saldo de 30 mil mortos na cidade indiana de Bhopal
[4] Iniciativa mantida pelo Conselho Internacional de Associações Químicas para melhorias contínuas na performance do setor nos temas saúde, segurança
e ambiente
Esse tipo de mudança na postura é, certamente, bem-vinda. Contudo, ela é mais um bom começo do que um fim da linha. Sem pressão de consumidores e da opinião pública, as empresas teriam evoluído proativamente na agenda socioambiental? Voltando ao exemplo da indústria química, há dúvidas substanciais sobre a segurança de muitos produtos importantes (mais sobre o assunto na reportagem “Testada e aprovada?”, publicada na edição 91), que ainda precisam ser devidamente respondidas.
REPUTAÇÃO E RISCO
Talvez a face mais imediatamente reconhecível desses novos tempos seja a proporção das polêmicas nas quais grandes marcas – como a Zara ou a Apple, só para ficar em dois exemplos – se envolveram nos últimos anos em razão das condições de trabalho de seus fornecedores, o que pode chegar às raias do criminoso. “Se sou de uma empresa grande, não vou querer que um subcontratado use trabalho escravo, porque, na hora do escândalo, só o meu nome será lembrado. As empresas não querem mais essas vulnerabilidades éticas, porque isso destrói valor”, aponta o diretor de relações institucionais do Instituto Ethos, Henrique Lian.
O perigo de arranhões na reputação já não é o único fator que tem levado os empresários a gravitar na direção do estabelecimento de padrões autoimpostos de governança. Ficar para trás também pode custar caro, como explica a economista Marina Grossi, que há cinco anos preside o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds). “Ao estabelecer um padrão mínimo de governança, as empresas se tornam mais preparadas para eventuais mudanças (…) e seus custos de transição para uma nova realidade caem abruptamente”, explica.
Segundo Caco de Paula, um bom exemplo está sendo dado pela Shell. A petroleira holandesa se antecipou à oficialização das taxas sobre a emissão de carbono e já leva em conta um custo de US$ 40 por tonelada de CO2 emitida na hora de planejar seus novos projetos. “Várias iniciativas que ainda não foram reguladas já são práticas correntes dentro das empresas, porque, se incluem isso hoje, seu risco diminui”, discorre o entrevistado.
Aqui no Brasil, a Fiesp está contribuindo na construção da posição brasileira que será levada no fim do ano à COP 21. “Temos mantido diálogo tanto dentro da indústria como com o governo brasileiro no sentido de levar posições equilibradas e que sejam tecnicamente adequadas”, diz Nelson Pereira.
Como tudo o mais na vida, a questão é encontrar o balanço certo entre perdas e ganhos. Nesse caso, de calcular se a competitividade futura compensa o esforço presente. “As empresas têm medo da competição com quem pratica o business as usual porque, ao internalizar custos sociais e ambientais, seus produtos podem ficar mais caros que os dos concorrentes”, reconhece Lian. “Precisamos de políticas públicas que abracem a inovação nesses casos”, recomenda. Trata-se de abrir o espaço necessário para que novos modelos de negócio orientados à sustentabilidade possam emergir. “Nenhum setor da economia pode, hoje, dizer com segurança que daqui a cinco anos vai conseguir manter o mesmo modelo de negócio que tem hoje”, pontifica Caco.
E pode muito bem ser que as empresas acabem surpreendendo e mostrando que têm muito mais a contribuir do que imaginavam. “Empresas são organizações que resolvem problemas fazendo algo que a sociedade precisa. Isso está na raiz do capitalismo. Hoje, os maiores problemas estão ligados à sustentabilidade: água, mobilidade, CO2. Essas são grandes oportunidades de negócio”, finaliza Henrique Lian.
Para a Fiesp, os grandes grupos têm caminhado sozinhos. A grande preocupação é como engajar empresas pequenas e médias