Precisamos falar não apenas para mentes, mas para o corpo inteiro de nossos espectadores. Este é o conselho do cineasta Fernando Meirelles, que assumiu, junto com Daniela Thomas e Andrucha Waddington, o desafio de comunicar a mudança climática a um público de 3 bilhões de pessoas que assistiam pela TV a cerimônia de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Em um evento no dia 5 de outubro, organizado pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) e pelo Senac-SP, o cineasta foi um dos convidados para falar sobre o tema “Saindo do gueto ambientalista: o desafio de mobilizar as pessoas para a sustentabilidade”.
Participaram também Ricardo Guimarães, da Thymus Branding, Mônica Gregori, que liderou pesquisa sobre os desafios e oportunidades de comunicar grandes causas, e Tom Moore, um dos responsáveis pela articulação da campanha global de comunicação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Brasil.
Contar histórias
Por trás da decisão de Meirelles de levar o drama da mudança climática ao coração do grande público, existe uma vontade de sensibilizar a opinião pública e mobilizar a sociedade em torno desse desafio.
“Como a gente vai comunicar com uma pessoa da cabeça aos pés? A minha aposta é contando histórias. Eu acho que a cabeça da gente não é preparada para ouvir power point, é preparada para ouvir história. […] A Bíblia, por exemplo, é o um grande romance com centenas de histórias escabrosas”.
Para contar histórias, Meirelles lembra a fórmula mais comum usada pelo cinema, sobretudo o americano. Dividido em três atos – pena, medo e catarse – um roteiro inicialmente provocará uma identificação entre o público e o herói ao longo de sua jornada, com momentos de desespero até encontrar a redenção, que é o grande final.
“Na hora em que você tem o momento da catarse, essa descarga emocional, há um banho de neurotransmissores. É nessa hora que a mensagem pode ser entendida, esta é a minha tese”, acredita o cineasta indicando que esse é o melhor momento para sensibilizar o público para uma causa.
Meirelles já acompanhava a questão climática há algum tempo e começou a se aprofundar no impacto desse cenário na região que depende do abastecimento das águas dos glaciais do Himalaia. Algumas previsões indicam que em cerca de apenas 20 anos 900 milhões de pessoas na região da Ásia ficarão sem água e precisarão migrar para outros locais. “O futuro que temos pela frente é aquela distopia que a gente vê em filme”, lamenta o cineasta. “O meu trabalho pessoal com cinema não tem sentido se não trouxer essa questão do clima”.
Ele acredita que a mobilização em torno de questões ambientais ainda não tem a força que precisa devido a um problema de comunicação. Os profissionais que trabalham neste “gueto” atuam de forma técnica, racional. O formato da informação disponível hoje em dia – apoiado em dados, gráficos, pesquisas etc. – pode ser uma barreira para a popularização do tema.
As grandes redações de jornal, por exemplo, são ainda muito lentas em captar os fatos relacionados às mudanças do clima. O cineasta destacou o exemplo do veículo britânico The Guardian. O editor que trabalhava há vinte anos no jornal entendeu que a causa climática é a questão mais fundamental da atualidade e decidiu criar o The Guardian Environment, melhor veículo de massa que fala sobre o assunto hoje em dia, na opinião de Meirelles
“Eu acho que para o “gueto” a comunicação como é feita é ótima, funciona. Mas se você quiser cruzar essa linha, tente contar a história de como o derretimento do ártico vai me afetar, o que eu tenho a ver com isso. Tente mostrar para o público em geral como isso afeta a vida dele”, comenta Meirelles.
O medo não funciona mais
Mesmo após tantos elogios, o cineasta considera que talvez não tenha feito a melhor escolha de linguagem para falar de mudança do clima na abertura das olimpíadas. As imagens nos telões mostraram cenas de desastres que o público já está acostumado a ver, como geleiras despencando, desertos e terra árida. Meirelles acha que, por um tempo, essa abordagem funcionou, mas hoje em dia elas não causam o mesmo efeito.
Além delas, o cineasta aproveitou a qualidade gráfica do espetáculo e produziu animações que ilustravam o impacto da elevação do nível dos oceanos sobre algumas cidades, como o Rio de Janeiro, para trazer o drama climático para mais perto do espectador.
E, depois do medo, o momento de catarse: um vídeo apresentava os maiores projetos de reflorestamento do mundo. “A apologia do desastre não funciona mais. Se você não deixar a possibilidade de que ainda tem jeito, a pessoa se desinteressa”, comenta Meirelles que acredita que é preciso sempre indicar o caminho para a mudança.