Retrocessos na agenda ambiental, além dos efeitos da crise política e econômica, colocam o Brasil na defensiva nas negociações internacionais sobre mudança do clima
Há pouco mais de cinco anos, o Brasil se projetava internacionalmente como um ator destacado na agenda ambiental. As circunstâncias eram favoráveis: além de sediar mais uma grande conferência sobre meio ambiente e desenvolvimento, a Rio+20, o País vinha de uma trajetória de sete anos seguidos de redução significativa no ritmo de desmatamento da floresta amazônica, um “calcanhar de Aquiles” tradicional do governo brasileiro na política internacional desde os anos 1980.
O sucesso na luta contra o desmatamento também garantiu relevância política ao Brasil na luta contra a mudança do clima. Entre 2004 e 2015, a taxa de desmatamento foi reduzida em 79% na Amazônia, o que resultou numa diminuição de 41,1% das emissões brasileiras de GEE no mesmo período. Essa redução significativa das emissões brasileiras, num contexto em que o país não tinha compromissos internacionais, rendeu grande prestígio ao País nas negociações internacionais sobre clima.
Nesse período, as conferências do clima (COP) serviam como palco para celebrar o sucesso do esforço brasileiro na luta global contra a mudança do clima. Além de celebrar os resultados da luta contra o desmatamento, o País destacava a implementação dos compromissos de redução de emissões apresentados pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011) durante a malfadada Conferência do Clima de Copenhague (COP 15), em 2009.
Porém, o tempo de celebrações é passado. “Seis ou sete anos atrás, o Brasil chegava às COPs, um dos diplomatas fazia o anúncio da taxa de desmatamento e isso era seguido de uma salva de palmas porque significava que o Brasil estava enfrentando o desafio de reduzir o desmatamento e, com isso, diminuindo muito suas emissões”, aponta Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima. “Agora não existe mais ambiente para aplausos. Pelo contrário, o presidente Michel Temer ter criado um ambiente onde as questões socioeconômicas são moeda de troca para conseguir votos no Congresso é constrangedor por si só”.
Desmatamento e emissões em alta
O Brasil que se encaminha para a Conferência do Clima de Bonn (COP 23), que acontecerá em novembro na Alemanha, é bem diferente daquele do começo da década. A tendência de queda no desmatamento na Amazônia já foi revertida: desde 2014, a destruição da floresta avança semestre após semestre. Mesmo a crise econômica, que historicamente afeta negativamente o ritmo de desmate no Brasil, não foi capaz até o momento de reduzir o corte de árvores na principal floresta tropical do planeta. Entre 2014 e 2015, o desflorestamento aumentou 24% na Amazônia; de 2015 a 2016, período mais agudo da crise econômica recente do país, a destruição da floresta aumentou quase 30%, o maior índice desde 2008.
O reflexo do aumento da degradação ambiental na Amazônia nas emissões brasileiras foi automático. De acordo com os dados mais recentes do Sistema de Estimativa de Emissões de GEE do Observatório do Clima (SEEG), somente as emissões brutas decorrentes de mudança de uso do solo cresceram 14% entre 2014 e 2015. No total, as emissões brasileiras de GEE aumentaram 3,5% entre 2014 e 2015, já em cenário de crise – no mesmo período, o PIB brasileiro caiu 3,8%, o pior resultado econômico do País desde 1981.
Ao mesmo tempo em que o Brasil perde seu principal chamariz na agenda climática, a trajetória das emissões de GEE de outros setores econômicos não reflete qualquer esforço de redução planejada de emissões. No agregado entre 2005 e 2015, período em que as emissões associadas ao desmatamento foram reduzidas significativamente, as emissões da agropecuária aumentaram 9% e as de resíduos e processos industriais, cerca de 23%. O setor energético teve o aumento mais notável, reflexo da ampliação da representatividade de fontes fósseis na matriz nacional: 45% em dez anos.
Os dados apontam para uma dificuldade forte que o País sofre na implementação de seus compromissos de redução assumidos na COP 15, há oito anos. “Os dados mostram que o Brasil teve um período singular de queda entre 2005 e 2010 e, desde então, estamos patinando, com emissões totais estabilizadas há seis anos e com forte aumento no setor de energia”, explica Tasso Azevedo, coordenador do SEEG. “Hoje, temos que reduzir o desmatamento pela metade para cumprir a meta de Copenhague, mas ele está aumentando em vez disso”.
Proteção ambiental em baixa
Se as metas assumidas pelo governo brasileiro na COP 15 estão ameaçadas, os objetivos apresentados pelo País para embasar suas metas de redução de emissões no contexto do Acordo de Paris podem estar sendo inviabilizados antes mesmo do início de sua implementação, a partir de 2020. Em 2015, o Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões de GEE em 37% até 2025 (com relação a 2005), com a possibilidade de esta redução chegar a 43% até 2030. Dentre as tarefas listadas pelo governo brasileiro para viabilizar o compromisso, está a restauração de 12 milhões de hectares de florestas e o desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira.
Para tanto, a expectativa era de que o governo buscasse caminhos para descarbonizar sua economia, ampliando as áreas florestais sob conservação, incentivando a agricultura de baixo carbono e facilitando a emergência de uma indústria de base florestal que aproveitasse a riqueza da floresta em pé. No plano da fiscalização, esperava-se também que o poder público reforçasse as medidas de controle para zerar o desmatamento ilegal, ampliando os sistemas de vigilância via satélite e fortalecendo as equipes de campo.
No entanto, a realidade não poderia estar mais distante disso. Desde 2015, o Ministério do Meio Ambiente e suas autarquias, estruturas essenciais para conservação e preservação natural no Brasil, sofrem com aperto financeiro que inviabilizam o seu trabalho (saiba mais). No final de março, o governo federal contingenciou mais da metade do orçamento previsto para a pasta em 2017 – de R$ 910 milhões para R$ 446 milhões. Para efeitos de comparação, o orçamento da pasta no ano passado foi de pouco mais de R$ 1 bilhão. Corrigido, o orçamento de 2017 é o menor para o Ministério desde 2010.
Em paralelo à fragilidade financeira, o Ministério também sofre com os efeitos da crise que abala a política brasileira desde 2014, na esteira dos escândalos de corrupção revelados pelas investigações da Operação Lava Jato. Para barrar a aceitação de denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente, o governo de Michel Temer reforçou seus laços com a bancada ruralista no Congresso Nacional nos últimos meses. Em troca dos votos pela rejeição da denúncia na Câmara dos Deputados, o governo tem avançado pontos antigos da agenda ruralista que ameaçam as garantias legais de conservação e preservação florestal no Brasil.
Recentemente, o Palácio do Planalto apresentou projeto de lei para alterar os limites da Floresta Nacional do Jamanxim (PA). Aprovado pelo Congresso, o projeto reduziu a proteção de grandes trechos de mata nativa para legalizar atividades com grande impacto ambiental, como a exploração da madeira, a mineração e a agropecuária, o que pode intensificar o desmatamento florestal. O projeto também facilita a vida de grileiros locais, ao permitir a propriedade privada de áreas até então protegidas pelo poder público.
“A Jamanxim é a unidade de conservação que, nos últimos anos, mais desmatou”, resigna-se o ministro José Sarney Filho, defendendo-se das críticas ácidas de ambientalistas no Brasil e no mundo à proposta encampada pelo governo Temer no Congresso. “A intenção foi excelente: fazer um mosaico de unidades de conservação, de proteção, com áreas indígenas, com áreas de proteção ambiental, florestas nacionais e parques. Não deu certo”.
Para o ministro, a proposta do governo corrige distorções de origem no caso de Jamanxim, como a existência de propriedades rurais dentro das áreas delimitadas. Para ambientalistas, ela apenas explicita a incompetência do governo em assegurar a proteção ambiental e o uso do meio ambiente como moeda de troca entre o Planalto e a bancada ruralista em prol da sobrevivência política do presidente Temer.
Outros projetos da bancada ruralista também estão prosperando sob a liderança do governo no Congresso, como a flexibilização do processo de licenciamento ambiental e mudanças no procedimento de demarcação de terras indígenas. Para os parlamentares deste grupo, a legislação ambiental brasileira é rígida e compromete a atividade agropecuária no país.
“Na Amazônia, 80% da propriedade tem que estar preservada, segundo a legislação. Quem que paga por isso? Ninguém. O produtor tem que bancar tudo, manter a floresta viva, sem incendiar, sem nenhum risco”, reclama Nilton Leitão, deputado federal pelo PSDB/MS e líder da Frente Parlamentar da Agropecuária. “Quem paga é o produtor rural. Se alguém quer muito que o Brasil seja esse modelo que nenhum outro país do mundo foi, nós concordamos. Mas é preciso ser remunerado por isso”.
A tensão política reflete uma realidade assustadora no campo. Segundo levantamento apresentado pela ONG Global Witness em julho passado, 49 ativistas do meio ambiente e da terra foram assassinados no Brasil em 2016, o que colocou o país no topo da lista dos países mais perigosos para esses militantes no mundo (saiba mais).
Apostas do Brasil em Bonn: (possível) redução no desmatamento em 2017 e a nova política para biocombustíveis
No plano internacional, os retrocessos na agenda ambiental já geram pressão sobre o governo brasileiro. Em junho passado, o governo da Noruega anunciou a redução do repasse anual de recursos para o Fundo Amazônia em decorrência do aumento da degradação da floresta nos últimos anos.
Estabelecido em 2008, o Fundo já recebeu quase R$ 3 bilhões de Oslo para financiar projetos de preservação da mata amazônica no Brasil. O valor do corte deve ser definido até o final de 2017, mas estima-se que o repasse anual seja diminuído pela metade – ou seja, de 400 milhões de reais para 200 milhões.
“De acordo com as regras que foram desenhadas pelas próprias autoridades brasileiras, se o desmatamento aumenta, há menos dinheiro saindo da Noruega. Se o desmatamento diminuir, o dinheiro volta”, explicou à época o ministro norueguês de Clima e Meio Ambiente, Vidar Helgesen, durante entrevista coletiva com o ministro Sarney Filho.
O governo brasileiro alimenta a esperança de anunciar alguma redução no desmatamento da Amazônia entre 2016 e 2017 durante a COP 23 em Bonn. Nesta terça (22/8), dados apresentados pelo Imazon reforçaram esta expectativa: de acordo com informações do SAD, sistema via satélite que monitora o desmatamento na Amazônia, o ritmo de destruição da floresta cai 21% entre agosto de 2016 e julho de 2017.
Se a queda for confirmada pelo Prodes, sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) que calcula a taxa oficial de desmatamento, o governo poderá ter o que comemorar em Bonn – ainda que esta redução no desmate não compense o aumento agudo do desmatamento nos dois anos anteriores.
No entanto, caso tenha pouco para mostrar na questão florestal, o governo brasileiro deverá destacar a nova Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) durante a Conferência do Clima de Bonn. Lançada em dezembro de 2016 pelo Ministério de Minas e Energia como principal aposta para reaquecer o setor sucroenergético – em crise profunda desde o começo desta década -, esta política busca melhorar a competitividade na produção, comercialização e no uso de biocombustíveis, com estímulo à concorrência entre os próprios biocombustíveis e em relação aos combustíveis fósseis.
Segundo o governo, a RenovaBio aumentará a produção de etanol de 28 bilhões de litros anuais para 50 bilhões de litros, com a geração de 900 mil empregos diretos e indiretos ligados à produção do combustível. Assim, a nova política pode ser importante para cumprir os objetivos de redução de emissões assumidos pelo Brasil dentro do Acordo de Paris, já que ampliará a participação de bioenergia na matriz energética nacional para quase 20% até 2030.
No entanto, ainda persistem muitas dúvidas sobre a iniciativa, que ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional e nem tem prazo para começar a sair do papel. “Quanto efetivamente vamos contribuir para o corte de emissões? Como isso vai ser importante?”, questiona Tercio Ambrizzi, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP). “Se não colocar números associados a ele, o anúncio do programa é como anunciar um programa político”.