Relatório preliminar da Organização Meteorológica Mundial (OMM) aponta que 2017 deve ser um dos três anos mais quentes já registrados, com recorde de eventos climáticos extremos
De Bonn, Alemanha – Secas persistentes na África subsaariana, ondas de calor na Europa e nos Estados Unidos, enchentes no sul da Ásia, e tempestades tropicais históricas no Atlântico, Pacífico e Índico. O noticiário de desastres naturais em 2017 tem sido repleto de casos de eventos climáticos extremos, que arruinaram a vida de milhões de pessoas ao redor do mundo em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, e em países pobres, como Bangladesh, Etiópia e Somália.
Para a Organização Meteorológica Mundial (OMM), os eventos climáticos extremos dos últimos dez meses reforçam a suspeita de que 2017 deverá ser um dos três anos mais quentes já registrados cientificamente até hoje. Indicadores de longo prazo da mudança do clima, como o aumento da concentração de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera, a elevação do nível do mar e a acidificação dos oceanos permanecem altos, e a extensão de gelo no Ártico continua se reduzindo inverno após inverno.
De acordo com dados preliminares apontados no relatório sobre o Estado do Clima da OMM, divulgados hoje (06/11) na Conferência do Clima de Bonn (COP 23), na Alemanha, a temperatura média global de janeiro a dezembro de 2017 foi de aproximadamente 1,1 grau Celsius acima da era pré-industrial. Assim, este ano caminha para se tornar o segundo ou o terceiro mais quentes já registrados, atrás potencialmente apenas de 2016, que sofreu influência direta da temporada 2015-2016 do fenômeno El Niño no Pacífico.
O quinquênio 2013-2017 pode se tornar o mais quente da história das medições meteorológicas, que remonta à segunda metade do século XIX.
“Os últimos três anos estiveram entre os três primeiros lugares em termos de registro de temperatura”, explicou Petteri Taalas, secretário-geral da OMM. “Isso faz parte de uma tendência de aquecimento de longo prazo”.
Segundo Petteri, “muitos desses eventos – e estudos científicos detalhados determinarão exatamente quantos – carregam o sinal revelador da mudança do clima causada pelo aumento das concentrações de GEE gerado pelas atividades humanas”.
O relatório da OMM foi elaborado por meio de um acordo de colaboração com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês), no intuito de oferecer aos negociadores em Bonn informações técnicas qualificadas para orientar o processo diplomático durante a COP 23 e nas próximas sessões de negociação.
“É sempre importante ressaltar que o processo de construção e implementação do Acordo de Paris está fundamentado na informação científica”, reforçou Patricia Espinosa, secretária-executiva da UNFCCC, durante coletiva de imprensa em Bonn. “As descobertas [do relatório] destacam os riscos crescentes para as pessoas, as economias e o próprio tecido da vida na Terra se não conseguirmos seguir com os objetivos e as ambições do Acordo”.
Para a chefe da UNFCCC, o relatório traz informações que podem ajudar a fazer da Conferência de Bonn “a plataforma de lançamento para o próximo nível de ambição mais elevado por todas as nações e todos os setores da sociedade, à medida que procuramos minimizar os riscos para o futuro e maximizar as oportunidades de um caminho de desenvolvimento novo, avançado e sustentável”.
Indicadores climáticos
Além de estimar a concentração de GEE na atmosfera terrestre entre 2015 e 2016, o período mais recente com dados totalizados até o momento, a OMM também analisou dados sobre os padrões de precipitação, extensão das calotas polares, nível dos oceanos, e acidificação do mar. Dessa forma, o estudo abrange diferentes perspectivas e problemas potencias do aquecimento sobre a vida na Terra.
Regiões como o sul da América do Sul (particularmente na Argentina), oeste da China e Sudeste Asiático registraram temperaturas médias acima da média, com redução significativa das precipitações. No subcontinente indiano, a despeito de as monções terem ficado 5% abaixo da média histórica em 2017, a incidência concentrada das chuvas no nordeste, abrangendo partes da Índia, Nepal e Bangladesh, resultou em inundações históricas na região.
A extensão de gelo no Oceano Ártico bateu recordes de baixa no inverno de 2016-2017, período em que a cobertura congelada do Polo Norte deveria aumentar.
A extensão máxima de gelo do Ártico no início de março de 2017, quando se iniciou a primavera no hemisfério norte, ficou entre as cinco mais baixas no registro de satélites desde 1979, quando o monitoramento começou. Um ponto importante: todos os recordes negativos de extensão do gelo ártico aconteceram na última década.
Nos oceanos, o nível médio global do mar tem se mantido estável nos últimos dez meses, após o auge de 10 milímetros registrado no começo de 2016, resultado direto do El Niño. Com a dissipação do fenômeno no Pacífico, o nível médio global foi ligeiramente reduzido, mas dados iniciais estimam que os oceanos voltaram a se elevar a partir de julho/agosto deste ano.
Ainda no mar, outro índice preocupante é a acidificação da água. Como o oceano absorve até 30% das emissões anuais de GEE antropogênico (resultante de atividade humana), isso se reflete na elevação da acidez da água, com efeitos negativos graves sobre a qualidade de vida marinha.
Nos últimos 30 anos, o pH da água do mar diminuiu progressivamente, indo de índices acima dos 8,1 no início dos anos 1980 para 8,04 nos últimos cinco anos.
Segundo Taalas, esses indicadores apontam para um cenário crítico no longo prazo, principalmente se não houver uma redução significativa da concentração de GEE na atmosfera terrestre já na próxima década. “Pelo acúmulo atual de gases na atmosfera, demoraria cerca de 50 anos para que o planeta conseguisse absorvê-lo naturalmente”, explicou Taalas.