Faltando menos de sete meses para concluir a definição do “livro de regras” para implementação do Acordo de Paris, os países não conseguiram sequer chegar a um esboço de texto para ser trabalhado pelos negociadores durante a Conferência de Katowice (COP 24); velhas questões sobre financiamento e diferenciação entre ricos e pobres contaminam debate mesmo após a primeira rodada do “Diálogo Talanoa”
No cronograma de trabalho das negociações internacionais sobre clima, o encontro intersessional da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês), encerrado hoje (10/5) em Bonn, na Alemanha, era o momento para que os países conseguissem, ao menos, definir um esboço das regras para a implementação dos compromissos do Acordo de Paris a partir de 2020. Esse texto básico seria trabalhado ao longo dos próximos sete meses, para assim ser finalizado e adotado pelos ministros de Estado que participarão da Conferência do Clima de Katowice (COP 24), na Polônia, em dezembro.
Entretanto, não foi isso o que aconteceu. Depois de quase duas semanas de conversas, os negociadores internacionais não conseguiram sequer chegar a um acordo básico sobre um esboço para o chamado “livro de regras” do Acordo de Paris. Com o cronograma e a agenda de trabalho até a COP 24 pressionados por esse fracasso, os governos serão forçados a realizar uma nova sessão especial de conversas em setembro na capital da Tailândia, Bangkok.
Mesmo as boas impressões causadas pela primeira sessão do Diálogo Talanoa, realizada no domingo passado (6/5), não conseguiram reduzir a frustração dos avanços parcos realizados ao longo dos últimos dias em Bonn.
“Estou satisfeita que algum progresso tenha sido feito aqui em Bonn, mas muitas vozes estão ressaltando a urgência de avançar mais rapidamente na finalização das diretrizes operacionais”, disse Patricia Espinosa, secretária-executiva da UNFCCC. “Precisamos acelerar as negociações. O pacote [de regras] que está sendo negociado é altamente técnico e complexo, e ele precisa ser colocado em prática para que o mundo possa monitorar o progresso na ação climática”.
Velhos obstáculos para a definição do “livro de regras” do Acordo de Paris
O “livro de regras” é um dos pontos centrais da agenda atual de negociação em torno do Acordo de Paris. Essas regras orientarão os países no processo de implementação dos instrumentos e das contribuições nacionalmente determinadas (NDC, sigla em inglês) de cada nação no âmbito do Acordo. A viabilização dos objetivos centrais desse regime – conter o aumento da temperatura média da Terra neste século em 1,5 e, no máximo, 2 graus Celsius com relação aos níveis pré-Revolução Industrial – depende da consistência e da aplicabilidade dessas regras.
Sem um esboço de texto para ser discutido nos próximos meses, os negociadores precisarão acelerar o ritmo das conversas e levar as tratativas para os níveis mais altos dos governos nacionais.
“Embora alguns avanços tenham acontecido em Bonn em diversos tópicos técnicos, ainda persistem diferenças políticas agudas em várias questões, especialmente financiamento climático e o grau de diferenciação nas regras do Acordo de Paris para países em diferentes estágios de desenvolvimento”, aponta Alden Meyer, diretor de estratégia e política da Union of Concerned Scientists. Para ele, essas questões precisam ser endereçadas pelos ministros e chefes de governo nos próximos meses, particularmente durante o Diálogo de Petersburgo e a Reunião Ministerial sobre Ação Climática, que acontecerão respectivamente em Berlim e Bruxelas no mês que vem.
A questão do financiamento, um tradicional problema nas negociações sobre clima, mais uma vez serviu como obstáculo para avanços em Bonn. Segundo Karl Mathiesen, do Climate Home, negociadores acusavam a China e outros países emergentes nos bastidores de reabrir divisões entre países ricos e pobres, ao mesmo tempo em que as nações mais ricas rejeitavam discutir novas demandas e compromissos de financiamento para ação climática.
“O financiamento é uma questão que sustenta diferentes partes das negociações sobre clima, já que os países pobres não podem cobrir os custos triplos de perdas e danos, adaptação e mitigação por conta própria”, destacou Harjeet Singh, da ONG ActionAid International. “Mas com os países desenvolvidos se recusando a avançar nesse tópico, muitas peças [do livro de regras] ainda estão inacabadas. Isso está amarrando todo o pacote. Os problemas estão se acumulando e é perigoso deixar tudo para o último minuto”.
O debate sobre financiamento está ligado a outra questão tradicionalmente incômoda nas negociações sobre clima: a diferenciação entre nações ricas e pobres no âmbito da UNFCCC (que inclui o Acordo de Paris). Uma das prioridades dos países ricos nos últimos anos tem sido superar essa dicotomia, de maneira a pressionar os emergentes, como China, Brasil e Índia, a assumir mais responsabilidades nessa agenda. Para as nações desenvolvidas, a divisão entre ricos e pobres conforme definida pela UNFCCC – no começo dos anos 1990 – não reflete a realidade econômica global. Já para os países emergentes, essa mudança de abordagem alivia os deveres dos governos ricos e relativiza suas “responsabilidades históricas” com relação à mudança do clima.
“O silêncio no debate sobre financiamento espalhou medo entre os países pobres de que seus pares mais ricos não levarão a sério suas promessas”, afirmou Mohamed Adow, da ONG Christian Aid. “Esse dinheiro não é apenas uma moeda de barganha, ele é essencial para viabilizar os planos nacionais que compõem o Acordo de Paris”.
O texto do Acordo de Paris guarda certa ambiguidade entre as duas interpretações – na época, esse foi um caminho para facilitar um entendimento entre os governos em torno de um aspecto crucial e problemático das negociações sobre clima. Agora, na medida em que 2020 se aproxima e, com isso, a data para que o Acordo entre efetivamente em vigor, espera-se que o conflito entre países ricos, emergentes e pobres sobre financiamento climático se intensifique.
Ambição e o Diálogo Talanoa
Além do “livro de regras” do Acordo de Paris, outra expectativa em torno da reunião de Bonn era a realização da primeira sessão de conversas do Diálogo Talanoa.
Inspirado em costumes tradicionais de compartilhamento de histórias, ideias e capacidades entre as pessoas em Fiji, o Talanoa é uma proposta de diálogo participativo que reúne representantes dos diversos governos, cidadãos e empresas, de maneira transparente, com o propósito de viabilizar a elevação do grau de ambição dos compromissos nacionais de redução de emissões.
De acordo com Megan Darby, do Climate Home, ativistas que participaram das conversas no último domingo (06/5) saíram impressionados com a dinâmica. Para eles, o formato inovador do Diálogo Talanoa logrou “quebrar barreiras” entre negociadores nacionais e colocou todos os atores em um mesmo nível, compartilhando histórias e impressões.
“Uma coisa especial sobre o Diálogo Talanoa foi que ele permitiu que as pessoas se envolvessem umas com as outras como seres humanos com corações, e não como governos com agendas”, reagiu Teresa Anderson, da ActionAid International. “As pessoas choravam genuinamente com as histórias de impacto climático de cada um. Este foi um primeiro capítulo poderoso na história de Talanoa”.
Para Paula Caballero, diretora global do programa de clima do World Resources Institute (WRI), a sessão do Diálogo Talanoa em Bonn serviu como uma verificação coletiva da realidade sobre o estado da ação climática, destacando o quanto ainda temos que ir, mas também as soluções transformacionais de que o mundo precisa. “Esse debate participativo foi um lembrete de que os governos não podem lidar com a mudança do clima sozinhos – eles precisam da força extra das empresas, da sociedade civil e das cidades para transformar a promessa do Acordo de Paris em realidade”, afirmou Caballero. “Como vários negociadores deixaram claro, agora o Talanoa precisa lançar as bases para que a COP 24 sinalize que os países melhorarão seus planos climáticos nacionais até 2020”.
Agora, a esperança é de que a continuidade do Diálogo Talanoa inspire as lideranças políticas globais a não apenas aumentar a ambição dos compromissos nacionais, mas também a construir um entendimento sobre temas que continuam sendo espinhosos na agenda de negociação, como financiamento e diferenciação de responsabilidades.
“O Acordo de Paris não pode ser como um troféu guardado em uma caixa para ser admirado, mas nunca cumprido. Precisamos abrir essa caixa em 2018 e a chave para isso é a confiança”, afirmou Lo Shuo, do Greenpeace International. “A arquitetura para isso está no Diálogo Talanoa, que nos levou a um verdadeiro espírito de cooperação, indo além do apontamento para lembrar a todos que nós compartilhamos o mesmo planeta e precisamos fazer mais para protegê-lo”.