Raramente se depara com opiniões estruturadas sobre a Amazônia além do que o noticiário básico oferece. Em geral, é dado grande peso a determinados temas, enquanto outros, extremamente importantes, não são apresentados como tal
A questão amazônica é um tema estranho à maioria dos brasileiros, mesmo de amazônidas. Recentemente, ao visitar mais de 20 cidades em dez estados em poucas semanas, a conclusão que posso tirar é a mesma dos últimos 35 anos em que milito em prol da Amazônia: existe uma apatia generalizada diante do que ocorre com a região e seus povos. É mais que desinteresse, na medida em que raramente se depara com opiniões estruturadas sobre a Amazônia além do que o noticiário básico oferece – desmatamento, chacinas, invasão de terras, hidrelétricas, piratas, garimpo, exploração infantil etc. Em geral, é dado grande peso a determinados temas, enquanto outros, extremamente importantes, não são apresentados como tal.
O mais grave é a dificuldade em relacionar as temáticas. Por exemplo: crê-se que o desmatamento seja um problema em si; dificilmente vincula-se ao aumento do consumo de carnes; ou, no contexto urbano, o acirramento da violência está descolado da escolarização, emprego, saneamento, moradia etc.
Mas o que seria a questão amazônica? Trata-se de um conjunto de características próprias que tornam a Amazônia única no País e no planeta – seu ambiente, povos e comunidades, cultura e socioeconomia – reconhecidas com pouca frequência. Em primeiro lugar, a Amazônia é habitada, sempre o foi. É falaciosa a ideia de que se trata de um vazio de gente é. Hoje mais de 30 milhões de brasileiros vivem ali. Ocupa mais da metade do território nacional, englobando os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte dos estados do Maranhão e Mato Grosso. Outra questão é o reconhecimento dos direitos dos povos originários, quilombolas e povos e comunidades tradicionais – suas culturas, territórios e conhecimentos para a civilização humana.
Abriga, ainda, o maior conjunto de rios e de água doce do globo, além de prover produtos de interesse nacional e global, sejam econômicos – geração de energia, mineração, agropecuária etc.; e serviços ambientais (ainda mais valiosos), como umidade para o Brasil agrícola, biodiversidade, polinização e equilíbrio climático.
Apenas metade da Amazônia é brasileira, aliás, a parte mais maltratada e pilhada. O brasileiro em geral ignora que esta também é de bolivianos, equatorianos, peruanos, colombianos, venezuelanos, guianenses, surinamenses e franceses e, em nenhum destes países a região representa menos de 40% de sua superfície. Internacionalmente, é mais importante que o Brasil. Poucos brasileiros se dão conta disto. A maior parte das pessoas no exterior quer notícias da Amazônia e não necessariamente do Brasil.
Quem concebe a região tal qual ela é tem absoluta convicção sobre seus valores e patrimônios, aceita seus povos, seus direitos e culturas. Entretanto, há cinco séculos, sem nenhuma pausa – ou seja, em todos os regimes políticos –, a visão utilitarista predominou. A rapina prossegue, pois prevalece a visão da Amazônia fundo de quintal, mera fornecedora de matéria prima de baixo valor ao brasileiro e ao mundo, eterna colônia do mundo.
Para ler a Amazônia
Como superar essa visão? Se para a maioria das pessoas é difícil visitar a região, haveria uma receita simples e iniciadora: ler a Amazônia. Há filmes e websites de alta relevância, como o do Instituto Socioambiental. Mas, somente a leitura (vagarosa) permite a reflexão. Daí elenco autores e livros de “formação”.
Arrisco esta lista brevíssima, iniciando com os romances de Dalcídio Jurandir. Indico Marajó para despertar. Entre os contemporâneos, romances de Milton Hatoum e ensaios e poemas de Thiago de Mello, como seu Amazonas – Pátria da Água.
Na questão indígena, há imensas leituras, que podem se iniciar com Davi Kopenawa Ianomâmi & Bruce Albert, Betty Mindlin, Darcy Ribeiro, Eduardo Viveiros de Castro e Manuela Carneiro da Cunha. E, na geografia, Bertha Becker.
Márcio Souza preparou excelente introdução à região com Breve História da Amazônia; e há, o bom trabalho de John Hemming em Árvores de rios – a história da Amazônia, e Ouro Vermelho: A Conquista dos Índios Brasileiros. No jornalismo, a obra gigantesca e lúcida de Lúcio Flávio Pinto em sua Agenda Amazônica. Há mais, muito mais. Enfim, precisamos discutir a Amazônia com propriedade e profundidade e, com a participação de todos os amazônidas.
*João Meirelles Filho é escritor e ativista socioambiental. Recebeu o Prêmio Sesc de Literatura por seu livro de contos O Abridor de Letras, Editora Record, 2017. É autor do Livro de Ouro da Amazônia, Ediouro, 2007 e outras nove obras sobre a região.