Alterações nos ecossistemas podem gerar danos permanentes às empresas. A perda de biodiversidade é um dos cinco maiores riscos de desestabilização mundial. Diante disso, a Aliança Bioversity/CIAT, juntamente com a USAID, busca engajar o setor privado na criação de novos modelos econômicos para a conservação
Neste mês do Dia da Terra, muitas discussões têm se voltado para a mudança climática e as ações necessárias em todas as esferas da sociedade para reduzir o ritmo de emissões, e realizar processos de adaptação e mitigação a esses impactos. Um debate paralelo, mas extremamente conectado é a conservação da biodiversidade. O relatório global de risco do World Economic Forum de 2020 apontou para a perda de biodiversidade como um dos cinco maiores riscos de desestabilização mundial – econômica, social e política – dos próximos anos. Assim como em outras questões socioambientais, serão necessárias mudanças sistêmicas para enfrentar essa crise.
Nesse sentido, o papel do setor privado na agenda socioambiental torna-se cada vez mais evidente. Dos anos 1990 para cá, esta agenda deixou de ser uma pauta restrita ao Estado ou à sociedade civil, e surgiram diversas iniciativas que contribuíram para pavimentar uma presença mais robusta do setor privado nestas questões.
Está cada vez mais claro o impacto da perda econômica causada pela mudança climática e diminuição da biodiversidade. Estudos têm demonstrado que alterações nos ecossistemas podem gerar danos permanentes às empresas – por exemplo, a queda no número de polinizadores dificulta a produção agrícola, negócios que dependem de produtos da floresta como óleos essenciais ficam ainda mais suscetíveis a mudanças de produção anual, entre outros.
Muitas empresas já entenderam que é preciso incorporar uma nova agenda em suas operações. O posicionamento de se preocupar somente com questões produtivas, sem qualquer responsabilidade sobre as questões sociais ou ambientais, perdeu consistência ao longo do tempo.
Embora práticas econômicas ultrapassadas e degradantes, muitas vezes baseadas em atividades ilegais, como tráfico de madeira e garimpo na Amazônia, ainda sejam uma triste realidade, esse cenário parece seguir com os dias contados. Tais práticas coexistem com iniciativas bastante avançadas de investimento social privado, de certificações ambientais, de investimentos responsáveis (ESG e afins), entre tantas outras atitudes nas quais o setor privado assume de forma muito evidente seu papel ativo frente à agenda socioambiental.
Na medida em que este portfólio de iniciativas e coalizões cresce, aumenta também a expectativa da parte da sociedade por um maior refinamento e aprofundamento dessas ações. Em tempos de transparência, compliance e redes sociais, os olhares da sociedade (clientes, investidores etc.) seguem bastante atentos a esta atuação e cobram medidas efetivas das empresas. Fundos de investimento têm promovido a “descarbonização” de seus portfólios, buscando ativos que sejam sustentáveis e justos. Do lado da demanda, clientes se preocupam cada vez mais com o consumo consciente.
A participação do setor privado em atividades de conservação ainda gera diferentes percepções – desde as que ainda encaram as empresas como ‘vilãs’ e, portanto, geradoras de degradação socioambiental, até visões que apostam todas suas fichas no mercado no devido enfrentamento dos problemas socioambientais atuais.
Para se gerar mudanças sistêmicas permanentes, que não só conservem a biodiversidade, mas também promovam oportunidades de desenvolvimento para populações em situação de vulnerabilidade, é preciso envolver todos os atores da sociedade, inclusive o setor privado.
É preciso buscar identificar caminhos para a construção de sinergias de atuação de/para/com o setor privado. Sim, ele carrega consigo seus passivos, contradições e responsabilidades, no entanto, traz também diversas possibilidades de atuação – algumas já em marcha, outras ainda como potencial.
A Aliança Bioversity/CIAT tem construído, junto com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) no Brasil, uma jornada muito interessante que visa engajar cada vez mais o setor privado na criação de novos modelos econômicos para a conservação da biodiversidade na Amazônia.
O programa apoia iniciativas como a Plataforma Parceiros pela Amazônia (PPA), que congrega empresas e parceiros da sociedade civil para promover desenvolvimento sustentável por meio do fomento a empreendedores da região, mostrando que é possível atuar em parceria com o setor privado para promover a conservação da biodiversidade na Amazônia.
O programa também tem um forte elemento de monitoramento e avaliação que permite identificar modelos bem-sucedidos que possam ser replicados e expandidos, gerando um ciclo virtuoso de engajamento das empresas na conservação.
Para garantir a conservação da biodiversidade a longo prazo, é preciso buscar soluções para as causas da devastação – muitas vezes pressões econômicas que não reconhecem o valor e a importância que a biodiversidade tem para o equilíbrio ecossistêmico e a vida na Terra.
O setor privado tem capacidade de investimento, geração de renda e cultura de inovação que podem dar escala às atividades sustentáveis, contribuindo significativamente para a transformação sistêmica que levem a um futuro mais sustentável.
Fábio Deboni é diretor do Programa CAL-PSE / Aliança Bioversity/CIAT, membro do Conselho do Fundo Brasileiro de Educação Ambiental e do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife). Engenheiro agrônomo e mestre em recursos florestais pela Esalq/USP. Lançou seu quarto livro em 2020: A epidemia do impacto. Escreve neste blog.
[Foto: Yoyo Dy/ Unsplash]