Em um mundo que necessita reduzir riscos de novas pandemias, é preciso aumentar, recuperar e manter habitats naturais. Ao mesmo tempo, a restauração florestal transforma-se em vetor de desenvolvimento, com inclusão social e ganhos ambientais. A restauração de áreas degradadas abre frentes para a retomada da economia. A seguir, conheça algumas iniciativas, nesta terceira reportagem da série em parceria com a TNC
De um lado uma empresa de limpeza urbana, a Ecourbis, precisa expandir um aterro sanitário da Zona Leste de São Paulo para dar conta do lixo da capital, desmatando o entorno, com obrigação de compensar o impacto por meio do plantio de árvores nativas em áreas degradadas da Mata Atlântica. Na outra ponta, uma pequena propriedade rural, em região de mananciais da maior metrópole brasileira, quer restaurar a floresta para adequar-se à lei, mas não tem condições técnicas e financeiras de fazê-lo.
A união das duas demandas resultou na reconstrução da mata em 10 hectares do sítio da produtora Vera Bliujus, de Salesópolis (SP), compondo a Reserva Legal (RL) com espécies frutíferas e madeireiras, nativas do bioma, no lugar da monocultura de eucalipto, destinado a indústrias de celulose e papel. Com um detalhe que faz toda a diferença para o futuro da nova floresta: a possibilidade de uso econômico, para além do ganho ecológico.
A iniciativa estabeleceu um inusitado elo entre soluções para o lixo e para a floresta – a conexão de latas, garrafinhas plásticas, sacolas de supermercado, entre tantos resíduos descartados diariamente, com o apreciado doce de cambuci, fruta típica Mata Atlântica, ou então aquele bonito móvel de imbuia que decora a sua casa.
No meio do caminho entre dois mundos que teoricamente não combinam, o encontro se deu através do Programa Nascentes, mantido pelo governo estadual de São Paulo – uma espécie de “Tinder da restauração” que conecta proprietários de terra a quem precisa de área para plantar árvores e compensar passivos ambientais, com a referência de um banco de projetos já tecnicamente aprovados e cadastrados na plataforma.
Em parceria com a The Nature Conservancy (TNC), Bliujus plantou 6 hectares de agrofloresta com mudas de frutas da Mata Atlântica, como cambuci, uvaia e jerivá, e mais 4 hectares com espécies madeireiras – ipê-rosa, cedro e jequitibá, entre outros exemplos. “A expectativa é embarcar no potencial do turismo rural baseado nos plantios nativos como vitrine”, revela a produtora, lembrando que o município de Salesópolis já realiza festivais de cambuci e agora busca o selo de identidade geográfica para diferenciar o produto no mercado.
Dona de 60 hectares adquiridos há mais de 40 anos, Bliujus trocou o velho sonho da casa de praia pela vida na floresta e, nos últimos cinco anos, está promovendo mudanças no sítio Três Amores, nome alusivo às filhas, representantes de um novo olhar para o valor da floresta.
“Tiramos o eucalipto, que ocupava 90% da propriedade, e plantamos mais de 300 pés de frutíferas nativas em consórcio com banana e pokan”, afirma a proprietária, liderança da cooperativa local na nova estratégia de diversificação, com ênfase na agroecologia. “É um incentivo às novas gerações, aos herdeiros, até pouco tempo longe da propriedade sem ter renda ou para quem vender.”
Na Fazenda Carmelita, o produtor Eduardo Resstom, vizinho de Bliujus naquele município paulista, seguirá igual caminho e já começou a cortar o eucalipto em seus 32 hectares – uma tendência em toda a região. O engenheiro agrônomo Pedro Matarazzo, à frente da empresa de restauração Da Serra, responsável pelos projetos em ambas as propriedades, ressalva: “O desafio é grande, porque as espécies nativas para uso econômico, agora em destaque no mercado, não foram geneticamente selecionadas para gerar plantas mais robustas e produtivas, ao contrário das frutíferas convencionais”.
Há diferenças no método de plantio e maior custo de adubo e manutenção. “O tema é novo e estamos aprendendo junto com os produtores”, ressalta Matarazzo, informando que essas são as suas primeiras experiências com restauração de finalidade econômica. Todos os demais projetos de restauração executados pelo engenheiro agrônomo nas várias regiões de São Paulo, no total de 650 hectares, destinaram-se a fins prioritariamente ecológicos, efetivados via compensação de impactos de atividades empresariais, obrigatória no licenciamento ambiental. “Só não crescemos mais por falta mão de obra, atraída pela demanda aquecida das indústrias no interior, nossas principais concorrentes”, revela, reforçando o potencial da restauração na Mata Atlântica, hoje reduzida a 12,4% da original.
Vale do Paraíba, polo de uma nova silvicultura
As atenções se voltam à ideia de transformar o Vale do Paraíba em polo econômico baseado em espécies nativas, com a reconstrução da floresta que os ciclos econômicos do café, gado e eucalipto colocaram abaixo, desde o período colonial. O atual movimento eclodiu após a aprovação do Código Florestal, em 2012, obrigando o Cadastro Ambiental Rural e a adequação das propriedades rurais à área mínima de proteção, como RL e Áreas de Preservação Permanente (APP) – além da posterior recuperação do que foi impactado. No Estado de São Paulo, a questão apresentava-se ainda mais desafiadora, porque grande parte das terras privadas já estava totalmente desmatada e ocupada por cultivos agrícolas e pastagens.
A legislação previu a possibilidade de compensar a falta de floresta nas propriedades por meio de projetos de plantio de árvores nativas em áreas de terceiros dentro do bioma. Como no território paulista há cerca de 1,2 milhão de hectares de passivos a reparar e poucos espaços disponíveis para isso, a tendência seria ocorrer uma fuga de investimentos destinados a criar florestas em outros estados. “Seríamos exportadores de serviços ecossistêmicos, quando na verdade precisamos muito deles”, afirma Helena Carrascosa, coordenadora do Programa Nascentes, da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
A solução, segundo ela, foi pensar novos modelos de RL, economicamente mais competitivos, com melhor custo-benefício em relação à concorrência dos projetos fora do Estado. Como ponto de partida, o Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais (Ipef) desenvolveu estudos de viabilidade financeira para o uso econômico dessas áreas de reserva restauradas com árvores nativas, chegando a taxas de retorno atrativas a investidores. “Além da redução de custos, constatou-se ótimo potencial de renda para as propriedades rurais, através da comercialização de produtos madeireiros e não madeireiros”, destaca Carrascosa.
Com base nos resultados, a ideia de criar o Polo de Floresta Multifuncional do Vale do Paraíba ganhou corpo, engajando produtores rurais, associações e ONGs, como o World Resources Institute (WRI) e a TNC, que apoia projetos em municípios da região e mobiliza doadores na plataforma Restaura Brasil.
“O lugar já tem uma antiga vocação florestal, alicerçada no eucalipto, o que permite mais facilmente diversificar para outros produtos da silvicultura, priorizando frutas nativas, madeiras para movelaria e subprodutos para geração de energia”, destaca Carrascosa.
No primeiro momento, a iniciativa, hoje em fase de formalização jurídica, pretende abranger 10 mil hectares de florestas restauradas, com potencial de movimentar pelo menos R$ 1,5 bilhão, em 30 anos.
O polo aglutinará empreendimentos de agroflorestas já existentes e fomentará novos, com apoio para acesso a recursos e estruturação de cadeias produtivas. “A preocupação é mostrar que as espécies da Mata Atlântica devem ser consideradas nas ações de uma agenda de desenvolvimento regional”, observa Carrascosa, ao informar que o próximo passo é desenhar o modelo de investimento para alavancar negócios agroflorestais. A visão é de longo prazo por conta do tempo necessário ao crescimento e abate de árvores nativas para madeira, em alguns casos de até 20 anos.
“O processo nos obrigou a sair da caixinha, pois na área ambiental o máximo que pensávamos no campo econômico era reduzir custo da restauração florestal e não gerar receita”, revela a engenheira agrônoma, para quem a opção por produtos das agroflorestas se fortalece no rastro do mercado da alimentação natural e saudável, sem falar dos espaços mais ampliados que surgem para a madeira de reflorestamento na construção civil.
No Vale do Paraíba, arranjos paralelos somam-se à estratégia do polo, como no caso do edital lançado pelo governo estadual de São Paulo para Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) a produtores interessados em recuperar áreas por meio do plantio de macaúba. Presente no Cerrado e áreas mais abertas da Mata Atlântica, a palmeira tem potencial na recuperação de pastagens degradadas, na expectativa de ganho econômico com frutos, óleo e madeira – projeto que recebe recursos do Global Environment Fund (GEF), em parceria com a Inocas, empresa com meta de levar 170 mil mudas da espécie para a região de Guaratinguetá (SP), em sistema silvipastoril.
A ideia de conservar e plantar floresta para uso econômico não é nova. “Vem desde o século XIX, com José Bonifácio e D. Pedro II, e ao longo do tempo ganhou diferentes abordagens, diante da evolução da ciência, até desembocar nos atuais conceitos de planejamento de paisagem e floresta multifuncional”, explica a engenheira florestal Zezé Zakia, integrante dos primeiros estudos financeiros para alavancar alternativas ao Vale do Paraíba. “Em nome do progresso, o desmatamento foi historicamente incentivado por governos e agora a conta caiu no colo dos produtores rurais”, diz Zakia, ao enxergar uma nova dinâmica para a região.
O papel das novas gerações
A paisagem entrecortada pelo Rio Paraíba do Sul é reduto dos chamados neo rurais, a nova geração de produtores que saem da cidade para o campo com perfil nada comparável ao dos barões do café. Alguns carregam propósitos para além do próprio umbigo, unindo expertises de modo que o conjunto de produtores saia ganhando, com acesso a tecnologias e mercados para produtos agroflorestais. À frente do Instituto Coruputuba, em Pindamonhangaba (SP), Patrick Assumpção herdou o desafio do bisavô, que lá atrás, em 1911, foi incentivado a plantar eucalipto para o abastecimento da indústria de papel e produção de dormentes de ferrovias.
Após a virada do século, na busca por mercados de preços mais atrativos, a fazendo destinou-se à monocultura de madeira de lei – até quando veio a maior ruptura: os experimentos com sistemas agroflorestais, incluindo espécies de ciclo curto de colheita (mandioca, inhame, gengibre), ciclo médio (bananeiras e outras frutíferas) e longo (guanandi e demais madeiras).
O modelo, conduzido em parceria com a TNC, abarca hoje 70 hectares da propriedade e uma marcenaria já foi instalada para absorver a produção madeireira, própria e dos vizinhos.
“O objetivo é criar mercados e fomentar outros produtores neste caminho, porque muitos não sabem o que fazer com a terra diante da baixa produtividade da pecuária, do reduzido valor do eucalipto e dos problemas de adequação legal”, afirma Assumpção, empreendedor dedicado a tornar realidade pequenas agroindústrias junto a associações e cooperativas no Vale do Paraíba.
Na região, segundo ele, existem cerca de 1 mil hectares já implantados de frutas e madeiras nobres nativas, com tendência de expansão. E novidades vêm por aí, como as negociações em torno de uma nova marca da cervejaria Colorado, produzida com frutas nativas da Mata Atlântica.
O Instituto Coruputuba realiza atividades junto a parceiros, inclusive do exterior, para demonstrar o potencial da agrofloresta na produção de design com madeira de jequitibá-rosa e louro-pardo. Além disso, na busca por sustentabilidade empresarial e nichos promissores de consumo, o mercado de arquitetura e construção civil volta os olhares para produtos de reflorestamento, especialmente quando reconhecidos por selo de certificação socioambiental: pisos, esquadrias, portas e outros materiais de origem renovável, menos emissores de gases de efeito estufa em comparação a concorrentes, como cimento, aço e alumínio.
Em paralelo, as árvores plantadas representam alternativa ao consumo de madeira nativa ilegal da Amazônia, fonte de desmatamento que atualmente abastece mais de 90% das obras de construção civil no País e também agrava a mudança climática.
Em um mundo que precisa reduzir riscos de novas pandemias, faz-se necessário aumentar, recuperar e manter habitats naturais e, assim, a restauração florestal pode transformar-se em vetor de desenvolvimento, com inclusão social e ganhos ambientais. “Temos um potencial enorme das mãos, diante da agenda da redução de desmatamento e cumprimento do Código Florestal. Há soluções, basta querer”, enfatiza Miguel Calmon, consultor sênior do programa de florestas do WRI Brasil.
No Projeto Verena (Valorização Econômica do Reflorestamento com Espécies Nativas), a organização buscou as bases para dar escala à restauração florestal na agenda da economia. Após demonstrar a taxa de retorno financeiro em diferentes modelos e desenvolver uma ferramenta de valuation, a iniciativa identificou doze elementos condicionantes para a virada de chave na atividade em todo o Brasil – entre os quais, aumentar o cardápio de projetos em campo, incorporando valoração dos serviços ambientais e externalidades. De 35 cases potenciais, 12 foram analisados no custo-preço-produtividade para produtos nativos madeireiros e não madeireiros.
“Comprovamos o bom negócio, caracterizado pelo capital paciente, com investimentos de longo prazo e retorno financeiro tão atraente quanto as melhores opções do mercado”, revela Calmon.
Visando o aumento da escala, WRI e parceiros começaram a trabalhar estratégias de mitigação de riscos – das pesquisas da ciência para incremento da produtividade à estruturação de fontes de financiamento adequadas ao modelo, além de assistência técnica, abertura de mercados e marcos regulatórios.
O Brasil tem 50 milhões de hectares de áreas degradadas, sem função produtiva, além dos compromissos climáticos no Acordo de Paris: “As emissões de carbono são o novo motor da economia florestal”, completa Calmon, enfatizando a necessidade de projetos emblemáticos para atrair investidores e novos atores com olhar para essas potencialidades.
A importância dos viveiros
No município de Garça (SP), Oeste paulista, o antigo reduto cafeeiro que um dia se rendeu ao eucalipto agora abre espaço ao potencial das espécies nativas. “Investimos para plantar floresta como se fosse um plano de aposentadoria”, revela o paulistano Rodrigo Ciriello, ao lado dos irmãos no comando da empresa Futuro Florestal. O nome no negócio simboliza a estratégia focada no desenvolvimento do setor, com viveiro de mudas e serviços de consultoria para fazer a roda da economia baseada em agrofloresta girar no entorno da propriedade rural da família, mantida pelo pai, descendente de imigrante italiano que fugiu da guerra e encontrou naquela região uma chance de prosperar.
A fazenda tornou-se laboratório de experiências a serem disseminadas. Para escapar da volatilidade dos preços do café, gado e eucalipto, o proprietário testou opções mais seguras de longo prazo. “O guanandi demonstrou rentabilidade 20 vezes superior à do eucalipto e decidimos seguir nas pesquisas”, conta Ciriello.
Um dos irmãos viajou para conhecer de perto os resultados com espécies madeireiras de maior valor agregado na Costa Rica, referência mundial no tema, quando constataram que árvores davam dinheiro e resolveram diversificar: plantaram mogno, jequitibá-rosa e ipê, entre outras opções, sob orientação do pesquisador Daniel Piotto, especialista da Universidade Federal do Sul da Bahia.
O modelo de agrofloresta incluiu espécies não nativas apreciadas pelo mercado, como o mogno africano, mesclado com 30% de árvores nativas e outras plantas de vocação regional. “Como neste mercado ninguém sobrevive sozinho, passamos a focar no viveiro, nas pesquisas e na mobilização de produtores por meio de workshops e assistência técnica”, ressalta Cirello. A antiga tulha de café da fazenda foi transformada em auditório e hoje a Futuro Florestal tem capacidade de produzir 1 milhão de mudas por ano, quase metade de espécies nativas – o que contribuiu para expandir parcerias até chegar aos atuais 500 hectares plantados na região.
A expectativa é de novos avanços com o trabalho da recém-criada Associação Brasileira de Produtores de Mudas e Sementes de Nativas, a Nativas Brasil, sob a liderança de Cirello e parceiros que totalizam uma capacidade anual de produção dos viveiros em torno de 17 milhões de mudas. “Precisamos de normas e marcos legais de incentivo ao setor, essencial para o País cumprir as metas climáticas e os produtores se adequarem ao Código Florestal”, destaca o empresário. Ele lembra que iniciativas de grande envergadura, como o projeto do Fundo Vale de implantar 100 mil hectares de agroflorestas nos vários biomas até 2030, o maior em curso no País, dependem dessa matéria-prima e de uma cadeia produtiva da restauração mais fortalecida.
Indústria florestal 4.0
No extremo Sul da Bahia, o empresário Bruno Mariani trocou o mercado financeiro pela aposta nos negócios ambientais e tornou-se um domesticador de árvores, na contramão do legado dos primeiros 500 anos da História do Brasil, “dedicados a destruir a Mata Atlântica”.
Após um ano sabático, em 2016, para pesquisas e reflexões, ele viu oportunidades com as demandas da mudança climática e, neste campo, finalmente descobriu que plantar floresta seria o principal filão. Não exatamente no mercado de carbono, mas na produção de madeira. “Países do Hemisfério Norte são gigantes no setor, embora o crescimento das árvores seja três vezes mais lento do que nos trópicos”, aponta Mariani, à frente da Symbiosis, indústria madeireira que se propõe a um novo padrão no mercado.
Na jornada de inspiração em viagem ao Acre até a fronteira com o Peru, o vaivém de caminhões lotados de madeira ilegal na estrada mexeu com seus propósitos: “O sonho foi construir uma visão diferente sobre a produção de madeira no Brasil para sairmos do extrativismo irracional”.
A paixão pelos móveis antigos dos pais e avós, muitos de jacarandá e mogno, foi uma motivação extra. De início, o empreendedor procurou investigar a viabilidade das taxas de retorno financeiro em diferentes modelos de floresta, mas não encontrou referências para espécies brasileiras. “Entendi como uma boa oportunidade de entrar e fazer um grande reboliço em algo disruptivo”, conta Mariani, com uma ressalva: “Faltava fazer contas e para isso fazia-se necessário saber a velocidade de crescimento das árvores”.
A mineradora Vale, dona de importante reserva ambiental no Espírito Santo onde há 40 anos fazia diversos experimentos de campo com madeiras nativas, não quis vender os dados das pesquisas – e, assim, a solução de Mariani para ir adiante foi contratar o ex-chefe desse trabalho, à época já desligado da companhia.
Com ajuda dele, foi possível chegar a números médios sobre custos de implementação e manutenção do plantio, identificando uma taxa de retorno de pelo menos 13%. “Isso nos estimulou a seguir para o plano de negócios”, revela o empresário, hoje com 1,5 mil hectares em Trancoso, município de Porto Seguro (BA) – antiga área de pastagem degradada onde árvores já se contava nos dedos. “Em oito anos, saberíamos se o projeto piloto seria viável ou não, mas bem antes disso tivemos a confirmação positiva dos dados”.
Atualmente, diz ele, quem quiser investir em floresta já tem referências à mão. Com um total de 57 espécies em testes, o empreendimento abriga trabalhos de cruzamento genético para chegar a novas gerações de árvores com crescimento equiparável ao que seria atingido no ambiente selvagem, com maior produção de madeira por hectare.
Hoje, as taxas de retorno já se aproximam de 17%, vantajosas sobre alternativas concorrentes. Enquanto o eucalipto vale cerca de R$ 70 por metro cúbico e pode ser cortado em sete anos, as madeiras nativas da Mata Atlântica chegam a US$ 1,4 mil por metro cúbico, em 20 anos.
Até o momento, o projeto absorveu R$ 50 milhões de investimentos, com área de floresta superadensada – 1,6 mil árvores em espaço equivalente a um campo de futebol. Na segunda fase, o objetivo é ampliar a área cinco vezes até atingir 50 mil hectares nos próximos dez anos, dobrando a produtividade.
O primeiro corte está previsto para o ano que vem, no total de 9 mil toneladas, e o plano é montar uma serraria para processá-las em tábuas e produtos mais acabados, utilizando tecnologias avançadas, com aproveitamento dos resíduos florestais para gerar energia.
A perspectiva, segundo Mariani, é de alinhar o negócio ao conceito de uma “indústria florestal 4.0”. “Ajudaremos na mudança de paradigma: pela primeira vez, teremos negócios com árvores brasileiras de grande porte em condições de competir com a madeira ilegal”, ressalta. Além dessa vantagem, conclui o empresário, “será possível levar ao mercado espécies nobres já praticamente extintas na natureza”.
Na Amazônia, o desafio de conter o desmatamento vai além de substituir o consumo de madeira ilegal, exigindo também alternativas locais de renda para que a extração predatória seja menos atrativa:
“Buscamos maior valorização da floresta em pé, integrada a plantios de espécies nativas de interesse econômico, como o cacau”, observa Rodrigo Freire, gerente da estratégia de restauração florestal da TNC, dedicado ao trabalho junto a pequenos produtores de São Félix do Xingu e Tucumã (PA), no Arco do Desmatamento.
Na região, a fruta que origina o chocolate tornou-se carro-chefe em sistemas agroflorestais contendo mais de vinte espécies – desde o milho, feijão e mandioca até outras frutíferas, como açaí e cupuaçu, e árvores de maior porte para madeira, a exemplo do ipê e jatobá. Com o fornecimento de assistência técnica, mudas, sementes e capacitação para plantio, além do apoio para adequação ao Código Florestal, a estratégia abrange hoje 200 famílias, no total de 900 hectares de pastagens transformadas em agrofloresta produtiva, junto a mais 500 hectares de áreas conservadas. Segundo Freire, “o plano é alcançar entre 20% e 30% de aumento da renda bruta, após cinco anos de projeto”.
Sombreado na medida certa por árvores maiores, o cacau amazônico tem expressivo potencial produtivo. “Possui grande liquidez para atendimento da demanda interna, apresentando rentabilidade sete a dez vezes maior em relação à pecuária de baixa produtividade, principal vetor de desmate na região, 40% a 50% dele associado à agricultura familiar”, afirma. A ideia da alternativa econômica baseada na recuperação do que já foi danificado é “criar a cultura de que nada adianta restaurar de um lado e derrubar a floresta de outro”.