Redes articulam o ecossistema de inovação e negócios de impacto na Amazônia, mas esbarram na falta de políticas de longo prazo para o tema
Elas são jovens, cheias de potência, colaborativas e propõem um novo olhar para a articulação de setores e atores no território amazônico. Fenômeno recente, as redes de fomento ao ecossistema de inovação em bioeconomia começam a ser construídas com o objetivo de fortalecer o empreendedorismo de impacto socioambiental nas diferentes Amazônias e dar novas respostas a antigos desafios. Um levantamento feito pelo professor José Vitor Bomtempo, que faz parte do grupo de estudos em bioeconomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), buscou identificar as redes e classificá-las em quadrantes conforme seu objetivo: base produtiva (fornecimento de matéria prima); ciência, tecnologia e inovação; investimentos e acesso a mercados. As redes e seu potencial foram tema de debate neste painel do penúltimo dia do Fórum de Inovação em Investimentos na Bioeconomia Amazônica (F2iBAM).
O Programa Parceiros pela Amazônia (PPA) é um exemplo de iniciativa criada com esse perfil, a partir de uma provocação feita pela Usaid, a agência de cooperação internacional do governo dos EUA, a lideranças empresariais da Amazônia – por que não trabalhar em rede para iniciativas colaborativas que amplificassem seu impacto no território, sob a lente da conservação da biodiversidade? A partir dessa premissa, em 2017 o PPA se estabeleceu, inicialmente incubado no Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam). Hoje conta com gestão independente e 42 membros, entre empresas nacionais e multinacionais, institutos, fundações e organizações setoriais.
De acordo com Augusto Corrêa, secretário executivo do PPA, nos últimos dois anos a plataforma consolidou sua proposta de valor, que se traduz no objetivo de potencializar o ecossistema de impacto na Amazônia nas cadeias produtivas com empoderamento local e comunitário. A iniciativa busca gerar um pipeline de negócios de impacto qualificados para fazer frente aos desafios da Amazônia e atrair investimentos tanto da própria rede PPA e outros investidores. “O PPA atua como um catalisador para alavancar projetos em curso e de ideação da cultura empreendedora, além de fomentar negócios comunitários das populações locais”, diz Corrêa.
Uma das frentes é o programa de aceleração de negócios de impacto, que já acelerou e incubou 30 empresas em diferentes estágios de maturação e este ano se transformou na Amaz, uma aceleradora com asas próprias (saiba mais nesta reportagem).
Outra frente é trazer o investidor pessoa física para esse ecossistema, por meio de um programa de empréstimo coletivo em parceria com a Sitawi, por meio do qual pessoas físicas investem a partir de R$ 1 mil em negócios de impacto na Amazônia, com retorno de 6,5% em 36 meses, democratizando o acesso a esse tipo de investimento. A segunda rodada de empréstimo coletivo foi aberta nesta semana e disponibiliza para aporte quatro negócios no Acre, Amapá e Tocantins. A meta é captar R$ 3,3 milhões com os investidores pessoa física.
Em comum, os negócios apoiados pelo PPA têm a diretriz da bioeconomia, em três subtemas previamente estabelecidos. O primeiro é de apoio a sistemas regenerativos ou de restauração, o que inclui sistemas agroflorestais, Integração Lavoura, Pecuária e Floresta (ILPF), produção de tecnologia para mudas ou sementes. O segundo, de carbono e clima, inclui o apoio a negócios em energia limpa, eficiência energética, resíduos, saneamento e logística reversa. O terceiro é o apoio a cadeias de fornecimento sustentáveis, que inclui temas como rastreabilidade e logística.
Criada em 2018, outra iniciativa de ativação do ecossistema de negócios comunitários na Amazônia é a Conexsus, que tem como princípios a geração de renda no campo por meio da conservação de florestas e biomas brasileiros com base em inovação. Os três principais eixos são a modelagem de negócios, o acesso a mercados e finanças de impacto.
De acordo com Maíra Vasconcellos, coordenadora da frente de inovação da Conexsus, a força motriz da iniciativa é promover escala para as oportunidades da Amazônia e reposicionar o Brasil no mercado mundial de produtos da floresta – segundo recente estudo realizado pelo pesquisador Salo Coslovsky (disponível aqui), esse mercado é estimado em US$ 176 bilhões, mas a participação brasileira é de menos de 0,2%, mesmo sendo o país mais biodiverso do planeta. “Esse dado nos impulsiona a trabalhar com inovação nos negócios de base comunitária, como cooperativas e associações, com um olhar para o futuro a partir do que já foi construído no presente”, diz Vasconcellos.
Atualmente a Conexsus trabalha com três projetos: o Amazônia 4.0 em conjunto com o BID Lab, o laboratório de inovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para agregar valor às cadeias de cupuaçu e cacau na Amazônia por meio de tecnologias 4.0; o segundo projeto é com Euroclima, GIZ e Fundação Certi, com foco em negócios de base comunitária; o terceiro é com Senai e a fundação suíça Good Energies, com cadeias extrativistas de Rondônia.
Do Amazonas, vem a caçula das iniciativas: o hub de economia verde e bioeconomia da Amazônia da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), projeto lançado em 2020 para acelerar a transição para uma economia regenerativa da Amazônia, trabalhando em três escalas: global, em conjunto com a Green Economy Coalition; local, com os programas já existentes da FAS; e regional, com a Rede de Soluções de Desenvolvimento Sustentável da ONU (SDSN, na sigla em inglês). O hub definiu quatro linhas de ação para a dinamização da bioeconomia na Amazônia: articulação intersetorial; políticas públicas verdes e advocacy; geração de conhecimento e desenvolvimento de capacidades e mecanismos financeiros inovadores.
Para Marysol Goes, catalisadora do hub, a Amazônia é um mundo diverso, com diferentes realidades – a rural, a urbana, a florestal – que vem sendo fortemente impactadas pela pandemia.
“O cenário atual mostra que dos quatro estados brasileiros com maior mortalidade por Covid-19, três estão na região, e temos dez municípios com índices avassaladores de desenvolvimento humano. Ao mesmo tempo, há um ecossistema vibrante emergindo”, diz ela.
A confluência das necessidades da região e desse ambiente novo que está surgindo, com produção de conhecimento, iniciativas de articulação e políticas públicas de incentivo com recortes regionais, deve contribuir para levar a bioeconomia para um novo patamar. Apesar de promissora, a bioeconomia amazônica representa apenas 8% do PIB da região, reflexo da falta de valorização econômica da floresta que leva a altos níveis de desmatamento e pobreza”, afirma Goes.
Além disso, é preciso que essa nova abordagem contribua para reverter o processo de êxodo e drenagem de jovens cérebros da região amazônica – estudo recente aponta que o grau de desalento entre os jovens amazônidas de 18 a 24 anos: a participação deles no mercado de trabalho é 13 pontos percentuais menor em comparação à participação dos jovens do restante do País.
A pandemia de Covid-19 trouxe inúmeros impactos sobre as cadeias produtivas globais e também sobre a forma como os países investem em inovação, evidenciando disparidades – enquanto os países ricos seguiram investimento na área mesmo no contexto de crise, o mesmo não ocorreu nas nações em desenvolvimento na América Latina, o que inclui o Brasil. Mudar o paradigma de investimentos em inovação de longo prazo no País é crucial para que as diversas iniciativas de fomento à bioeconomia na Amazônia ganhem mais musculatura e relevância, na visão de Vanderléia Radaelli, especialista líder em Ciência, Tecnologia e Inovação do BID.
Ela cita dados do relatório da Unesco lançado na semana passada, que mostram que os investimentos em ciência aumentaram 19% em todo o mundo entre 2014 e 2018, mas isso se deu de forma desigual: apenas dois países, EUA e China, respondem por dois terços desse aumento (63%) quatro em cada cinco países investem menos de 1% de seu PIB em pesquisa científica. “No Brasil, os investimentos em inovação não só diminuíram com a redução do orçamento dos ministérios, mas têm sido concedidos de forma pulverizada e sem sentido de missão”, diz Radaelli.
O “sentido de missão” é o que faz países determinarem temas para direcionar sua pesquisa científica de longo prazo, e no Brasil a bioeconomia poderia ser um tema prioritário, dada as potencialidades do país na nova economia da biodiversidade. Essa visão daria maior respaldo ao trabalho das redes de fomento à inovação e empreendedorismo na Amazônia, na visão da especialista.
“Falta sentido de missão nas universidades e centros de pesquisa, que não estão conectados com os desafios locais – que também são regionais, visto que a Amazônia abrange os países vizinhos”, diz Radaelli.
Romper com esse modelo requer ampliar o acesso ao capital paciente para educação empreendedora e estruturação de novos negócios, o que pode ser feito por meio de políticas públicas que atraiam maior volume de recursos perenes, de longo prazo e com foco e meta bem definidos.
A seguir, as sistematizações gráficas do painel: