Espaço da Bioeconomia na 43ª Expoagro, em Manaus, rompe paradigmas e demonstra o potencial de um novo vetor de desenvolvimento para a Amazônia
Feiras agropecuárias são famosas Brasil afora pela exposição de animais premiados, pelos shows de música sertaneja, pelos estandes de tratores e veículos 4X4 e até pelo desfile da moda country e competições de vaquejadas ou rodeios com o grito de “segura, peão”. Elas ajudam a movimentar negócios e manter viva a relação das pessoas da cidade com o campo. Mas não ficam paradas no tempo. Na maior metrópole da Amazônia, Manaus, a 43ª Exposição Agropecuária do Amazonas (Expoagro), aberta ao público na quinta-feira, dia 9, uma vitrine inédita se destaca entre as atrações: a da bioeconomia, sinal de resistência a modelos convencionais e dos novos caminhos que se abrem frente às demandas da sustentabilidade.
“Chegou a hora de fazer a bioeconomia descer para o chão, principalmente onde poderá ter maior impacto positivo, que é o setor primário”, afirma Tatiana Schor, secretária executiva de Ciência, Tecnologia e Inovação da Sedecti, pasta estadual que ainda inclui o desenvolvimento econômico. O desafio é aproximar o tema das empresas, poder público e sociedade em geral, aproveitando as peculiaridades do estado – o maior e mais verde do País, coberto por mais de 90% de floresta conservada, com alta dependência de alimentos importados de outras regiões brasileiras. Levar soluções inovadoras ao uso da terra, capazes de unir o conhecimento tradicional dos povos originários à ciência e tecnologias avançadas, é uma das principais fronteiras para uma economia de baixo carbono e inclusiva.
Com 100 metros quadrados em lugar nobre na feira, o Espaço da Bioeconomia – parceria com a iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, a agência de cooperação técnica alemã GIZ e outros apoiadores – reúne até domingo rodas de conversa sobre temáticas desafiadoras, ações educativas, projetos de startups e exposição de produtos da sociobiodiversidade que dão a dimensão desse potencial dentro da realidade amazônica, principalmente na agricultura familiar.
Entre as novidades, está a Cozinha da Bioeconomia, com bancada para criações gastronômicas dos chamados “ecochefs”, como Luizi Viana, empreendedora do Moronguetá Amazônico que neste primeiro dia de evento apresentou o “tucubiu” – o tucupi feito de cubiu, fruta regional que substitui a fermentação da mandioca na receita tradicional e confere igual paladar.
A iniciativa na 43ª Expoagro é parte do Programa Estratégico de Bioeconomia definido no Plano Plurianual 2020-2023, gerido pela Sedecti. “A bioeconomia tem se mostrado como importante oportunidade para o desenvolvimento, mas de forma muito fragmentada no tempo e espaço”, avalia Schor. Em resposta, o governo estadual chegou neste ano a avanços teóricos, com a publicação de um artigo e uma nota técnica, como resultado das contribuições do Fórum de Inovação em Investimento na Bioeconomia Amazônica, definindo conceitos e princípios para a bioeconomia.
A bioeconomia do Amazonas se refere “às atividades econômicas baseadas na produção, comercialização e distribuição dos ativos ambientais da sociobiodiversidade amazonense, voltados à produção florestal (madeireira e não madeireira), fármacos, química fina, pescado e fruticultura; possibilitando a interiorização do desenvolvimento em todo o Estado e promovendo o empoderamento das comunidades tradicionais, sem deixar ninguém para trás”, diz o documento.
O trabalho balizou adequações da Lei da Matriz Econômica e Ambiental do Amazonas, aprovada em 2016, para a inserção da temática no desenvolvimento econômico, incluindo outros elementos como a “bioeconomia circular”, com a possibilidade de negócios baseados em resíduos dos produtos da biodiversidade.
A expectativa, segundo Schor, é lançar em 2022 um plano estadual de bioeconomia, prevendo ações de curto, médio e longo prazo, a partir de escutas no interior do estado. “Aprovar políticas de compras públicas, como incentivo ao setor para fortalecer e agregar valor nas etapas de beneficiamento, é um bom começo”, diz. Segundo a secretária, o plano é trabalhar simultaneamente setores de ponta, como bioplásticos de plantas amazônicas, a exemplo de tecnologias já alcançadas em pesquisas de universidades para uso da casca da castanha e do óleo de buriti.
Bioeconomia e saúde
O contexto pandêmico reforçou o debate sobre o papel da bioeconomia na saúde pública – tema da roda de conversa desta quinta, na 43ª Expoagro. “O entrave para reconhecer e valorizar produtos fitoterápicos está na educação, além da falta de informação e fiscalização”, aponta Fabio Markendorf, representante da agência de vigilância sanitária da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (Semsa). O programa municipal Farmácia Viva, criado há mais de 20 anos, só conseguiu desenvolver até agora quatro fitoterápicos para fornecimento à rede pública, como a unha-de-gato.
“Matéria-prima existe, na Amazônia; a questão é como transformá-la em remédios, aumentando a renda das populações locais fornecedoras”, afirma a biotecnóloga Olinda Cardoso, durante o debate. “O Brasil só utiliza 20% dos ingredientes farmacêuticos produzidos internamente, devido à falta de controle de qualidade e padronização”, completa.
“O desafio inicial foi entrar dentro dos caminhos regulatórios”, reforça Danniel Pinheiro, diretor executivo da startup Biozer Amazônia, voltada a cosméticos naturais e suplementos alimentares de base florestal. Há planos de produzir produtos farmacêuticos, com mais de 200 formulações de potencial comercial, com a rastreabilidade do insumo exigida pela vigilância sanitária. “É preciso trabalhar com base em demandas geradas por políticas públicas”, ressalta o empresário.
Quando se fala em bioeconomia amazônica, o espaço para o conhecimento de povos originários é estratégico. “Precisamos superar preconceitos e trazer a medicina indígena para debate e valorização pela sociedade não indígena”, afirma Ivan Barreto, especialista tukano do Centro de Medicina Indígena, em Manaus. Ele destaca a importância do “benzimento” – “a medicina do sopro”, com defumações e outras práticas, como forma de preparar a ingestão de remédios naturais e equilibrar energias.
“Falar sobre essas temáticas, e que outras economias são possíveis, é uma quebra de paradigma em uma feira agropecuária”, destaca Tatiana Balzon, diretora de bioeconomia da GIZ. Segundo ela, o caminho ao mesmo tempo gera renda, evita o êxodo rural e evita emissões de carbono. “Isso no Amazonas tem um significado ainda maior pela dimensão das florestas e pela necessidade de valorização de quem as mantém de pé.”