O mapeamento é o primeiro passo para desenvolver um relacionamento sustentável e de longo prazo. Mas não basta rastrear as partes interessadas se a empresa não fizer uso desse instrumento no suporte estratégico e nas decisões do dia a dia
Por Mariana Galvão Lyra e Fernanda Agostinho*
Desde que apareceram na literatura organizacional e de gestão na década de 80, os stakeholders – aqueles grupos que impactam e são impactados pelo negócio da empresa, também chamados de partes interessadas –, vêm ganhando relevância em áreas como gestão de projetos, governança, comunicação, relação com investidores e com comunidades.
O entendimento de que a empresa depende e interage não só com investidores, funcionários, fornecedores e clientes, mas também com uma gama de outros atores como mídia, governo e ONGs, se popularizou na academia junto com outras teorias. Estudos como a teoria de dependência dos recursos e a de fatores ambientais provam que a empresa não consegue obter êxito ou mitigar riscos sem interagir com atores externos.
A ideia por trás dos estudos de dependência de recursos é a de que recursos externos à empresa são determinantes na forma com que ela se comporta. Por exemplo, se a empresa A possui um importante fornecedor B que vai à falência, isso implica a necessidade de adaptação de comportamento e ações da empresa A. Já os estudos dos fatores ambientais se referem às condições externas, fora do controle de uma determinada empresa, e que precisam ser considerados e gerenciados para que a empresa consiga alcançar seus objetivos.
Com o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, novos atores passaram também a compor os grupos de stakeholders de uma empresa, como os virtuais, que são indivíduos que interagem com as mídias sociais da organização, comentando e interagindo no Twitter, Facebook, Youtube, Instagram, LinkedIn, TikTok etc.
Quando uma empresa expande suas atividades ou inaugura uma planta em uma nova localidade precisa mapear e estudar os atores locais, regionais e nacionais antes de traçar estratégias e planos de relacionamento. Empresas de diferentes setores e indústrias geralmente encomendam o mapeamento de stakeholders a terceiros – consultorias especializadas em relacionamento e diálogo social, focadas em diplomacia corporativa ou gestão de políticas corporativas. Dependendo do nível de maturidade da empresa demandante, há uma expectativa de se mapear uma quantidade “significativa” de atores, algo que se aproxima da ideia de um censo.
Em outras palavras, a demanda muitas vezes é de que consultores visitem comunidades próximas das áreas de operações e logística da empresa para que sejam mapeados em termos socioeconômicos. Esse tipo de mapeamento pode ser complementado com perguntas similares a uma “pesquisa de opinião”, para que se entenda melhor o perfil das pessoas que habitam aquela região.
No entanto, o mapeamento de stakeholders é muito mais do que isso. A relevância está não em mapear quantitativamente os atores de determinado lugar, mas qualitativamente realizar um levantamento das relações existentes ali. Assim, o ponto central está na rede de contatos, nos laços entre os atores locais. O entendimento das relações de poder e influência entre pessoas e organizações de uma determinada região promove insights para apoiar o desenvolvimento de estratégias e ações de relacionamento com esses atores.
Quando os consultores vão a campo em busca das pessoas e de suas relações, encontram uma realidade muitas vezes pacata e rural, distante do que se passa nos escritórios da empresa. Nas visitas e conversas com membros da comunidade, entre convites para um café e um bolo, ouve-se muito sobre questões históricas, culturais e folclóricas daquela região.
Por exemplo, o entendimento popular de que o rio da região está cada vez mais seco e os motivos que atribuem a isso. Esse conhecimento local e coletivo nem sempre tem respaldo em dados científicos, nas secretarias de meio ambiente ou outros órgãos oficiais. E não precisa ter. São parte das teias de relacionamento, das conversas, das observações, das vivências locais. São calibrados pelas conversas, pelas trocas entre amigos, famílias, nas experiências de pesca e nado no rio.
Muitas vezes, funcionários da empresa que monitoram e se certificam acerca dos níveis das águas do rio têm resistência ou distanciamento a essa divergência de saberes. Por se basearem em dados oficiais, não conseguem se aproximar ou entender saberes da realidade local. Este tipo de comportamento torna o entendimento da rede de stakeholders, suas questões e interesses mais complexo, remoto e, portanto, marginalizado dentro da empresa.
Para entender quem são os stakeholders principais, muitas vezes os consultores se apoiam em uma lista inicial providenciada pela empresa e acrescida daqueles atores com influência local, como representantes de poder público e instituições atuantes no território.
No campo, essa lista é complementada a cada entrevista, por meio de uma das técnicas mais comuns em pesquisas qualitativas – o snowball (bola de neve). Consiste em perguntar a cada stakeholder quem que ele/a indicaria para ser entrevistado também, e seguir refazendo esse processo a cada nova lista de entrevistados até que os nomes comecem a ser repetidos (ponto de saturação). Os stakeholders mais mencionados dizem muito sobre influências e reconhecimento locais. É um dos pontos iniciais para se desenhar a rede de partes interessas e suas afinidades.
No âmbito global de certificações e recomendações, o mapeamento de stakeholders integra o manual de melhores práticas do Internacional Finance Corporation (IFC) para fazer negócios em mercados emergentes, sobretudo para aqueles empreendimentos que causam impactos no território, caso, por exemplo, das indústrias de mineração, siderurgia, alimentícia, construção civil e logística.
Especificamente para o setor da mineração, dada sua criticidade diante dos impactos a médio, curto e longo prazo, certificações como a da Initiative for Responsible Mining Assurance (IRMA), tem como uma de suas premissas o mapeamento e gestão dos stakeholders.
A fim de atender às boas práticas internacionais e melhorar a gestão das variáveis que podem impactar o negócio, a elaboração do mapeamento de stakeholders com objetivo de identificar ações de relacionamento e engajamento com atores é uma ferramenta que tem como objetivo apoiar a governança social e o planejamento estratégico corporativo. Além disso, se bem implementado, o mapeamento em conjunto com um plano de ação favorece a reputação do negócio, constrói confiança nos relacionamentos e cria um “colchão” de reputação essencial em contextos de crise.
Assim, entrega-se às empresas uma matriz de stakeholders, classificando-os de acordo com seu poder e suas questões de interesse. Essas duas variáveis permitem definir a especificidade das ações a serem adotadas para seu gerenciamento. O plano de engajamento providenciará diretrizes específicas sobre ações a serem tomadas de acordo com os tipos de stakeholders. Por exemplo:
- monitorar grupos que têm baixa relevância e não necessitam muita atenção;
- manter informados grupos com alto nível de interesse no projeto, mas que não necessitam tanta atenção quanto aos stakeholders de alto interesse e alto poder necessitam;
- manter satisfeitos grupos que merecem bastante atenção pois. apesar de não terem muito interesse no projeto, possuem alto nível de legitimidade e
- gerenciar grupos de stakeholders críticos que demandam um acompanhamento próximo, informações imediatas e precisas, acordos, parcerias e negociações.
Um plano robusto de engajamento de stakeholders é capaz de integrar as diversas áreas internas da empresa. Ou seja, é uma ação concertada, simultânea e multidirecional que possibilita atuar em várias áreas e questões do negócio, como atendimento às legislações, ao cumprimento de condicionantes, e ao controle e monitoramento de impactos socioambientais.
O que se percebe, contudo, é a falta de melhor entendimento e maturidade corporativa sobre aplicabilidade do mapeamento e gestão de stakeholders. Pois não basta evidenciar que a empresa rastreia as partes interessadas se não fizer uso desse instrumento no suporte estratégico e nas decisões do dia a dia. Por vezes, o mapeamento e o plano são elaborados coma finalidade de cumprir uma determinada demanda externa, sem que sejam incorporados na gestão do negócio e nos processos corporativos em si.
Observa-se, portanto, que há ainda uma percepção equivocada de que essa ferramenta se restrinja apenas às áreas sociais do negócio, dada a não integração da ferramenta às decisões estratégicas mais centrais da empresa.
Mais que isso, é preciso considerar a volatilidade do negócio e do território. Ambos são influenciados por fatores diversos, o que também impacta nos interesses e na construção e desenvolvimento das relações. Ou seja, o mapeamento de partes interessadas é algo dinâmico e, portanto, deve ser atualizado constantemente, em intervalos anuais ou a cada dois anos, por exemplo.
A atualização das partes interessadas e estruturação do plano de engajamento favorece a sistematização do processo de relacionamento e proatividade. Quando não executado a contento, as relações se dão por espasmos e de forma reativa, dificultando a resolução de conflitos e potenciais crises que podem afetar o empreendimento. É uma sensação conhecida para quem lida com públicos diretamente – estão sempre “apagando incêndios”.
A gestão do conhecimento das relações que impactam e/ou são impactadas pelo negócio precisa ser entendida como uma ferramenta estratégica, muito mais que operacional. É uma espécie de mapa que vai guiar e favorecer a construção de conexões com atores relevantes, e antever potenciais crises, uma vez que se tem o entendimento dos vários stakeholders. É um ativo que precisa estar disponível em empresas que pretendem construir e desenvolver relações sustentáveis com atores nos territórios em que atuam.
*Mariana Galvão Lyra é pós-doutora na Escola de Negócios da LUT University, Finlândia. Fernanda Agostinho é coordenadora de Diálogo Social e Educação Ambiental na Bridge Gestão Social e mestre em Estudos Latinoamericanos pelo Instituto Ortega y Gasset de Madri, Espanha